Anais: Geomorfologia de encostas

Perfis de condutividade hidráulica saturada dos solos da Serra do Mar (SP): comportamento hidrológico e a ocorrência de escorregamentos rasos

AUTORES
Gomes, M.C.V. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO) ; Vieira, B.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)

RESUMO
O objetivo deste trabalho foi identificar uma tendência de variação da Ksat em profundidade dos solos na bacia do Guaxinduba, em Caraguatatuba, Serra do Mar (SP). Foram realizados ensaios de Ksat in situ com o Permeâmetro de Guelph, em 3 cicatrizes de escorregamentos, no topo, centro e lateral, nas profundidades 0.25, 0.50, 1.00, 1.50, 2.00 e 2.50 m. Os valores variaram entre [10][-4] a [10][-7] m/s, predominando [10][-5] a [10][-6] m/s, apontando para uma tendência de aumento da profundidade.

PALAVRAS CHAVES
escorregamentos rasos; condutividade hidráulica ; Serra do Mar (SP)

ABSTRACT
This study aimed to identify trends of variation in Ksat with depth in Guaxinduba basin, Serra do Mar (SP). Ksat measurements were performed in situ in three landslide scars in different sites- their tops, centers and sides, using Guelph Permeameter, in 0.25, 0.50, 1.00, 1.50, 2.00 e 2.50 m depth. Ksat values varied by 10 -4-10-7 m/s, predominating among [10][-5]-[10][-6] m/s, pointing to a trend of increase in Ksat with depth.

KEYWORDS
shallow landslides; hydraulic conductivity; Serra do Mar (SP)

INTRODUÇÃO
As características hidrológicas dos solos nas áreas potencialmente instáveis, sob mesmas condições meteorológicas, podem determinar a frequência dos escorregamentos e exercem um papel fundamental na deflagração de escorregamentos de tipos e tamanhos diferentes (VAN ASCH et al., 1999). Dentre as propriedades que controlam o comportamento da água no solo, a condutividade hidráulica saturada (Ksat) é um parâmetro que desempenha importante função nos modelos hipotéticos de rupturas deflagradas em eventos pluviométricos intensos. De forma geral, nos casos de escorregamentos translacionais rasos, desencadeados a partir do desenvolvimento de poro-pressões positivas no solo, a ruptura ocorre em razão do fluxo d’água que se desenvolve paralelo à encosta, devido à existência de um horizonte menos permeável sob uma camada passível de instabilização (SELBY, 1993; VAN ASCH et al. 1999). Neste caso, a Ksat apresenta uma tendência de diminuição com a profundidade, devido à existência da camada menos permeável. Já os escorregamentos rasos deflagrados a partir da perda da coesão aparente do solo (redução da sucção), geralmente estão associados ao aumento da Ksat com a profundidade. Na Serra do Mar, compartimento geológico-geomorfológico a sul e sudeste do Brasil, embora alguns trabalhos tenham apontado que os escorregamentos rasos são deflagrados pelo aumento das poro-pressões (BRUGGER et al., 1997; LACERDA et al., 1997), no trecho da Serra no estado de São Paulo, os trabalhos desenvolvidos indicam, ainda que não tenham sido realizados ensaios de levantamento da Ksat in situ em profundidade e de monitoramento da sucção, que o mecanismo associado ao aumento da Ksat com a profundidade é responsável pela deflagração dos escorregamentos (WOLLE e CARVALHO, 1989, WOLLE e HACHICH, 1989). Desta forma, o objetivo deste trabalho foi identificar uma tendência de variação da Ksat em profundidade dos solos na bacia do rio Guaxinduba, em Caraguatatuba, Serra do Mar (SP).

MATERIAL E MÉTODOS
Foram definidas três cicatrizes de escorregamentos rasos deflagrados em março de 1967, quando o município de Caraguatatuba foi atingida por chuvas intensas (535 mm em 48 horas) após um verão muito chuvoso. Os critérios de seleção foram a existência de acesso (devido à densa cobertura vegetal) e limites bem preservados, além de estarem em áreas previstas como instáveis no mapa de suscetibilidade aos escorregamentos rasos gerados a partir do modelo Shalstab (RAMOS, 2012). Nas três cicatrizes selecionadas (C1, C2 e C3) foram abertas tricheiras no topo e na lateral, ambas fora da cicatriz (P1 e P3, respectivamente) e uma em seu centro (P2). As profundidades onde foram executados os ensaios foram 0.25, 0.50, 1.00, 1.50, 2.00 e 2.50 m, definidas a partir de caracterização morfológica dos solos (GOMES et al., 2012). Para os ensaios utilizou-se o Permeâmetro de Guelph, aparelho que mensura a condutividade hidráulica saturada dos solos acima do nível freático (REYNOLDS e ELRICK, 1985). Optou-se por este método devido as suas vantagens em relação aos demais métodos utilizados para mensuração da Ksat, destacando-se o baixo custo, pouco tempo para obtenção dos resultados e possibilidade de utilização em altas declividades dentre as principais. Os cálculos dos valores de Ksat foram realizados a partir da análise proposta por Elrick et al. (1989), em que os autores propõem a inclusão de um termo que representa as características de textura e estrutura do solo na equação baseada em Laplace (REYNOLDS e ELRICK, 1985).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram obtidos 41 valores de Ksat, que variaram entre as ordens de grandeza [10] [-4] a [10][-7] m/s, sendo que aproximadamente 82% dos valores entre as ordens [10][-5] e [10][-6] m/s. Estes valores mostram a média à baixa permeabilidade dos perfis de alteração investigados, e corroboram os trabalhos desenvolvidos na Serra do Mar por Carvalho (1989), Campos et al. (1992), Vieira e Fernandes (2004) e Mendes (2008). De forma, geral, mesmo com o predomínio de valores diferentes em cada cicatriz, observou-se uma tendência de aumento da Ksat com a profundidade, sobretudo a partir de 1.00-1.50 m (Figura 1). O mesmo comportamento foi observado por Campos et al. (1992) em encostas no estado do Rio de Janeiro e por Benessiuti e Bernardes (2011) em Guaratinguetá-SP, próximo a uma cicatriz de escorregamento raso. Wolle e Hachich (1989) apontaram, a partir da constatação de que os trechos de média e alta encosta da Serra do Mar em São Paulo são capeadas por mantos pouco espessos de solos coluvionares e saprolíticos sobre rochas intensamente fraturadas, altamente drenantes, levariam ao aumento da Ksat com a profundidade, embora não tenham realizados ensaios in situ, em diferentes profundidades e em diferentes posições da encosta. Nos pontos do topo de cada cicatriz (C1P1, C2P1 e C3P1), notou-se que o C1P1 apresentou um perfil homogêneo de Ksat, com variações que não ultrapassaram uma ordem de grandeza, ou seja, variaram até 10 vezes. Já no ponto C2P1, é nítida a tendência de aumento da Ksat com a profundidade, ainda que este aumento tenha alcançado pouco mais que 10 vezes desde o primeiro ponto de mensuração (2,7x[10] [-6] m/s aos 0.25 m) até o ponto mais profundo (3,4x[10][-5] m/s aos 2.50 m). No ponto C3P1 não foi observada uma tendência ao longo do perfil, mas descontinuidades hidráulicas de até uma ordem de grandeza, sendo a primeira entre 0.5 e 1.00 m e a segunda entre 2.00 e 2.50 m. Em relação aos pontos do centro das cicatrizes (C1P2, C2P2 e C3P2), dois deles apresentaram tendência de aumento com a profundidade (C1P2 e C3P2), embora nos C1P2 e C2P2 não tenha sido possível realizar abaixo dos 1.50 m. No ponto C1P2, a Ksat aumentou em mais de 10 vezes entre as profundidades 0.25 e 1.50 m (1,2x[10][-6] e 1,9x[10][-5] m/s, respectivamente), enquanto no ponto C3P2 a tendência de aumento ao longo perfil variou entre as ordens [10][-4] e [10][-6] m/s. Embora se observe esta tendência, há uma descontinuidade hidráulica significativa, com uma redução de 1,3x[10][-4] para 9,2x[10][-6]m/s entre 1.00 e 1.50 m de profundidade. Isto mostra que, embora haja um aumento progressivo da Ksat ao longo do perfil, a existência de uma camada onde há uma redução brusca em apenas 0.50 m, permite que ocorra o desenvolvimento de poro-pressões neste local. O ponto C2P2 não apresentou este comportamento, mas se assemelhou aos resultados obtidos por Vieira e Fernandes (2004), que também identificaram um perfil com um aumento da Ksat seguido por uma redução significativa entre 0.5 e 1.20 m. Quanto aos pontos da lateral das cicatrizes (C2P3 e C3P3), ambos apresentam valores de Ksat menores próximos à superfície e valores maiores em profundidade. No caso da C3P3, a 1.5 m de profundidade, em meio ao perfil onde há aumento da Ksat, há uma redução de 13 vezes na Ksat (1,3x[10][-5] a 1.00 m e 1,0x[10][/-6] m/s a 1.50 m). Sobrepondo-se os perfis do topo e do centro em cada cicatriz (Figura 2), ou seja, presumindo que o material observado no topo é semelhante àquele que já esteve sobre o material do centro da cicatriz, foi possível identificar perfis de alteração que apresentam tendência de aumento da Ksat com a profundidade nas cicatrizes C2 e C3, enquanto a C1 apresentou uma tendência de diminuição com a profundidade, embora este perfil de Ksat tenha sido mensurado em um material com características distintas dos demais (um corpo de tálus de matriz arenosa com blocos centimétricos e decimétricos, de porosidade total e macroporosidade sensivelmente maiores).

Figura 1

Gráficos de variação da Ksat (eixo x) com a profundidade (eixo y) nas cicatrizes C1, C2 e C3 nos pontos do topo (P1), do centro (P2) e da lateral (P3)

Figura 2

Perfis de Ksat do topo e do centro das cicatrizes sobrepostos, mostrando a variação do material, da Ksat e o possível plano de ruptura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A condutividade hidráulica saturada dos solos nas encostas da bacia do Guaxinduba apresentou uma pequena variabilidade espacial se comparada à variabilidade das propriedades dos solos, comprovada pelo predomínio dos valores em duas ordens de grandeza de Ksat. Destaca-se também que o Permeâmetro de Guelph teve desempenho muito satisfatório para a mensuração da Ksat in situ, sobretudo por permitir a execução de ensaios em condições desfavoráveis, como encostas de até 45°. A realização de levantamentos da Ksat mostrou que houve um padrão de tendência nos perfis analisados- o aumento da Ksat com a profundidade, corroborando com a hipótese levantada para seu comportamento no mecanismo de ruptura em que os escorregamentos ocorrem devido à diminuição da resistência dos solos decorrente da redução da coesão aparente. Observou-se também que as descontinuidades hidráulicas podem ser responsáveis pelo aumento das poro-pressões mesmo nos perfis onde há aumento da Ksat com a profundidade.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo financiamento da pesquisa e a William dos Santos, Evandro Daniel e Fabiana Souza Ferreira pelo apoio nos trabalhos de campo.

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