Anais: Geomorfologia de encostas

OCORRÊNCIA DE PROCESSOS DE DEGRADAÇÃO DOS SOLOS NA PORÇÃO NORTE DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BOCAINA (SÃO PAULO)

AUTORES
Neves, S.R.A. (UFRJ) ; Guerra, A.J.T. (UFRJ)

RESUMO
A degradação dos solos configura um grave e crescente problema ambiental nos dias atuais, até mesmo no interior de unidades de conservação. A detecção das formas erosivas presentes na porção norte do Parque Nacional da Serra da Bocaina (São Paulo), por meio de um diagnóstico inicial e pontual, seguido da análise das características ambientais da área, por meio de um prognóstico de possível evolução dos processos erosivos, são os objetivos deste trabalho.

PALAVRAS CHAVES
Degradação dos Solos; Unidades de Conservação; Plano de Manejo

ABSTRACT
Soil degradation by erosion is a serious and growing environmental problem nowadays, even within protected areas. The detection of these erosive features in the northern part of the National Park of Serra da Bocaina (São Paulo, Brazil) through an initial and punctual assessment, followed by an analysis of the environmental characteristics of the area through a prognosis of possible evolution of erosive processes, is the objectives of this work.

KEYWORDS
Land degradation; Conservation Units; Management Plan

INTRODUÇÃO
O espaço físico tem sido modificado por práticas econômicas, sendo necessária a adequação do meio ambiente às necessidades sociais (BERNARDES E FERREIRA, 2010). A partir das respostas do meio ambiente à pressão antrópica, os debates acerca da problemática ambiental avançaram ao longo do século XX, e as concepções de conservação, preservação e proteção de ecossistemas cresceram e as ideias daí resultantes se materializaram na regulamentação legal, no caso do Brasil, em normas, como a Lei nº 9.985/2000 (BRASIL, 2000) que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Nesse sentido, pode-se inferir a partir de estudos preliminares que, apesar dos esforços para manutenção da biodiversidade, a degradação ambiental tem estado presente, até mesmo nas áreas dos parques nacionais, onde a proteção deve ser integral. Segundo NOFFS et al. (2000), degradação ambiental refere-se às modificações impostas pela sociedade aos ecossistemas naturais, alterando as suas características físicas, químicas e biológicas, comprometendo, assim, a qualidade de vida dos seres humanos. A degradação dos solos constitui um dos tipos de degradação ambiental mais sério em nossos dias, e a erosão hídrica acelerada é a sua forma mais grave e perceptível. A área de estudo abordada compreende uma unidade de conservação de proteção integral, o Parque Nacional da Serra da Bocaina, criado em 1971, que vem sofrendo processos de degradação dos solos por erosão, especialmente na porção norte do parque, que tem cerca de 252 Km², e localiza-se inteiramente no estado de São Paulo, dentro de parte dos limites territoriais dos municípios de Areias, São José do Barreiro e Cunha. A detecção das formas erosivas presentes nessa porção do parque, por meio de um diagnóstico inicial e pontual, se faz necessário à medida que indica as áreas mais vulneráveis do sistema, e seguido de uma análise das características ambientais, sob a perspectiva holística, pode auxiliar num prognóstico inicial de evolução da degradação.

MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho tem como propostas: diagnosticar processos de degradação dos solos, expressadas na forma de feições erosivas presentes na porção norte do Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB) (erosão laminar, ravinas e voçorocas), seguindo a classificação proposta pelo Glossário de Ciências dos Solos, dos Estados Unidos (1987, in GUERRA, 2005); e obter um prognóstico inicial da potencialidade de evolução dessa degradação por meio da análise e interpretação de características ambientais do parque, relatadas em seu Plano de Manejo. Para o alcance dos objetivos, o trabalho foi desenvolvido a partir do levantamento e da análise da bibliografia referente ao Plano de Manejo do PNSB, no que diz respeito à caracterização ambiental da área, com enfoque nas seguintes variáveis: uso e cobertura do solo; geologia; geomorfologia; tipos de solos; declividade; formas das encostas. As informações finais sobre essas variáveis são apresentadas na escala 1:200.000, sempre que possível, como citado no referido Plano de Manejo (BRASIL, 2002). A erosividade da chuva não foi aqui abordada devido à ausência dessa informação no Plano de Manejo do PNSB. Paralelamente, foi feito o mapeamento de feições erosivas, na escala 1:100.000, com a utilização do software ArcGIS 9.3, a partir das imagens dos satélites Rapideye, tiradas no ano de 2011, provenientes do sensor Multiespectral (pushbroom imager) e resolução de 6,5 metros; e como ferramentas de apoio foram usadas, também, as imagens disponibilizadas pelo Google Earth, de 2010, bem como checagem em campo, para, assim, elucidar dúvidas que tenham se originado a partir da interpretação por meio digital (GUERRA, 2003; ZUQUETTE e GANDOLFI, 2004; ROSS e FEERZ, 2009; CASTRO et al., 2010).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram identificados 10 pontos com feições erosivas (Figura 1) na porção norte do PNSB, sendo a com maior representatividade espacial a feição do tipo laminar. Todas foram visualizadas nas imagens de satélite Rapideye, nas imagens do Google Earth e em trabalho de campo. De acordo com o Plano de Manejo do PNSB (BRASIL, 2002), o mapeamento realizado para o potencial natural de erosão mostrou que a área do PNSB é muito frágil, do ponto de vista do risco de degradação por erosão acelerada, no entanto a floresta possui destaque na cobertura dos solos do parque (cerca de 70% da área), e é a responsável por manter as perdas de solo em níveis toleráveis. Contudo, na porção norte do parque os tipos de uso do solo que tem expressividade espacial são o de Campos Antropizados, que corresponde ao uso agropastoril, e de Campos de Altitudes, bastante degradados, com presença de fragmentos de Floresta Ombrófila Densa Montana e Altomontana Degradada, logo, há a presença de muitas áreas desmatadas, de acordo com o mapeamento de uso e cobertura apresentado no Plano de Manejo do PNSB. Kirkby e Morgan (1984) afirmam ainda que a erosão hídrica ocorre quando os solos estão desprovidos de vegetação, no entanto Cunha e Guerra (2006) citam que o desmatamento em si não é o causador da degradação, pois devem ser levados em consideração outros fatores como uso e manejo do solo, topografia, erosividade da chuva, geologia, tipo de solo e suas propriedades físicas e químicas, características das encostas (Guerra, 2007). Outro problema apontado pelo Plano de Manejo são os efeitos negativos das atividades agrícolas, como plantio de feijão, milho e banana, e as áreas de pastagem, provocando a erosão dos solos das encostas, principalmente na porção norte e oeste do parque. Além disso, ao longo das trilhas são encontrados extensos trechos de áreas desmatadas, com vestígios de queimadas e erosão em estágio inicial. Outra variável importante nos estudos de erosão de solos é a geomorfologia da área. O relevo predominante na porção norte do parque é o de Montanhas e Morros (700 a 2095 metros de altitude), que corresponde a um tipo de relevo com perfis de vertente descontínuos com segmentos retilíneos e convexos, sustentado por xistos, gnaisses e charnoquitos que dão origem a solos de alteração, residuais e superficiais delgados e com frequentes afloramentos rochosos, de acordo com o Plano de Manejo do PNSB (BRASIL, 2002). Hadley et al, 1985 (in GUERRA, 2007) destacam que a forma das encostas é uma variável importante para a erodibilidade dos solos do que a declividade. A forma convexa geralmente apresenta solos mais rasos e funciona como dispersora de fluxos, ocorrendo processos como rastejamento (creep) e splash, além da potencial formação de ravinas e voçorocas, devido ao armazenamento de água no topo das elevações. Esse tipo de relevo (Montanhas e Morros) possui encostas de alta declividade, e por isso é considerado no Plano de Manejo do PNSB como encostas com alta susceptibilidade à erosão, o que não condiz com a literatura, que afirma que com o aumento da declividade, a erosão pode diminuir devido à presença de solos mais rasos (MARÇAL, 2000; MORGAN, 2005; GUERRA, 2007). A declividade também pode controlar os tipos de uso e ocupação do solo, já que em declividades mais altas se torna mais limitada a ocupação humana, ao contrário em terrenos de declividades menores, onde também predominam solos mais desenvolvidos, e associados a manejos inadequados do uso do solo, a ocorrência de processos erosivos é favorecida (NEVES, 2011). Os solos superficiais, de textura argilosa ou argilo-siltosa (média) correspondem a associações de Cambissolos, ocorrendo também Latossolos vermelho-amarelos nos topos e encostas mais suaves. Os Cambissolos são encontrados também na bacia do rio Macaé, no norte do estado do Rio de Janeiro, e foram considerados por Lima (2008) como solos naturalmente suscetíveis aos processos erosivos.

Figura 1. Mapa de localização das feições erosivas encontradas na área



CONSIDERAÇÕES FINAIS
1 - O diagnóstico de degradação, a partir do mapeamento pontual de feições erosivas, corroborou com a literatura quanto a relação direta entre tipo de uso do solo e o aparecimento de sinais de degradação dos solos. 2 - As informações e os dados apresentados pelo Plano de Manejo do PNSB foram importantes para a análise das variáveis ambientais que influenciam no desenvolvimento de processos erosivos, porém a sua qualidade pode ser questionável por apresentar, algumas vezes, conceitos incorretos, com destaque para o peso da declividade na ocorrência de feições erosivas. 3 – Por ser um trabalho inicial, mais questionamentos surgiram: será que a criação do PNSB propiciou um aumento da conservação e uma redução da degradação dos solos da área? Quais são as medidas adotadas pelo conselho gestor do parque em áreas de risco, quanto à prevenção de riscos à erosão dos solos, contenção e recuperação das áreas degradadas, além do uso do solo dentro dos limites do parque?

AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao CNPq pelo patrocínio e apoio. Agradecemos também a equipe do LAGESOLOS, estagiários, bolsistas de iniciação científica, mestrandos e doutorandos, por toda a ajuda despendida à realização deste trabalho, que é parte do projeto “Diagnóstico de Danos Ambientais em Unidades de Conservação: Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo Picinguaba) e Parque Nacional da Serra da Bocaina (Área de Proteção Ambiental do Cairuçu) e Reserva Ecológica da Juatinga”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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