Anais: Geomorfologia de encostas

Relação entre a Implantação de Plantios de Eucalipto e o Desenvolvimento de Voçorocas: Bacia do Rio Sesmaria, Médio Vale do Rio Paraíba do Sul

AUTORES
Sato, A.M. (IGEO-UFRJ) ; Facadio, A.C.C. (IGEO-UFRJ) ; Silva, A.P.A. (IGEO-UFRJ) ; Coelho Netto, A.L. (IGEO-UFRJ) ; Avelar, A.S. (IGEO-UFRJ)

RESUMO
Os impactos dos plantios de eucalipto têm sido estudados em diversas regiões do mundo, mas não foram encontrados trabalhos que tratem da possível relação entre estes plantios e as voçorocas. Este trabalho avaliou o desenvolvimento de duas voçorocas adjacentes a um plantio de eucalipto no médio vale do rio Paraíba do Sul entre os anos de 2003 e 2012. Os resultados apontam para uma possível relação entre a formação e o desenvolvimento destas feições erosivas e os plantios de eucalipto adjacentes.

PALAVRAS CHAVES
plantios de eucalipto; voçorocas; vale rio Paraíba do Sul

ABSTRACT
The impacts of eucalypt plantations have been studied in various regions of the world, but no studies were found that address the possible relationship between these plantations and gullies. This study evaluated the development of two gullies adjacent to a eucalyptus plantation in the middle Paraíba do Sul river valley between the years 2003 and 2012. The results suggest a possible relationship between the formation and development of these erosional features and the adjacent plantations.

KEYWORDS
eucalypt plantations; gullies; Paraíba do Sul valley

INTRODUÇÃO
Os impactos ambientais dos plantios de eucalipto tem sido amplamente estudados em diversas regiões do mundo, como nos estudos sobre alterações na hidrologia de bacias de drenagem (Poore e Fries, 1985; Lima, 1990; Lima, 1996; Sharda et al., 1998; Zhou et al., 2002; Sikka et al., 2003; Brown et al., 2005; Lima e Zákia, 2006; entre outros) e erosão (Câmara e Lima, 1999; Croke et al., 1999; Cornish, 2001; Lane et al.,2004; Hopmans e Bren, 2007, entre outros). Entretanto, não foram encontrados trabalhos que tratem da possível relação entre os plantios de eucalipto com o desenvolvimento de erosões promovidas por processos sub- superficiais ou subterrâneos. As voçorocas são erosões provocadas pelo exfiltração água subterrânea (Coelho Netto, 2003) e são amplamente observadas no médio vale do rio Paraíba do Sul (MVRPS), conforme apontado por Coelho Netto (1999). Leal (2009) mapeou a partir de fotografias aéreas de 2005 um total de 128 voçorocas na bacia do rio Piracema (138 Km2), afluente do rio Bananal, o que resultou em uma densidade de 0,93 voçorocas/ha, indicando que a densidade de voçorocas no interior desta bacia estava relacionada com as unidades geológicas. Dantas (submetido) realizou o mapeamento geomorfológico da Bacia do rio Sesmaria, na qual está inserida a área de estudo do presente trabalho, e identificou 24 voçorocas numa área total de 149 Km2, demonstrando que embora este processo ocorra nesta bacia, é menos expressivo do que na bacia do rio Piracema. Na bacia do rio Sesmaria, embora seja observada uma baixa densidades de voçorocas, observa-se a ocorrência destas feições erosivas em cabeceiras de drenagem (bacias de drenagem de ordem 1 ou 2 segundo o critério de Strahler, 1952) adjacentes aos plantios de eucalipto, que têm sido implantados nesta bacia a partir do ano de 2004. Levanta-se a hipótese de que o manejo e a própria dinâmica hidrológica destes plantios favoreçam a ativação e o desenvolvimento destas feições erosivas governadas pela água subterrânea.

MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo localiza-se na bacia do rio Sesmaria, que drena o reverso da serra do Mar no MVRPS. A bacia está dividida em dois compartimentos geomorfológicos: um domínio colinoso e outro montanhoso. De acordo com Vianna et al. (2007), a área de plantios de eucalipto representa 3,1% da área total, localizando-se no domínio de colinas. Os maiores fragmentos florestais estão no domínio montanhoso e pequenos fragmentos ocorrem no domínio de colinas (31,7% da área total). As gramíneas recobrem 63,5% da área total, enquanto a ocupação urbana (1,6%) corresponde a parte da cidade de Resende/RJ. As voçorocas estão localizadas em cabeceiras de drenagem com cobertura de pastagem localizadas no domínio colinoso. Foram identificadas duas voçorocas em cabeceiras de drenagem vizinhas às estações de estudo com presença de plantios de eucalipto (Caximonan 01 e Caximonan 02. Para maiores detalhes sobre as estações de estudo, consulte Sato, 2012). As voçorocas tiveram seus contornos delineados em 10 de Abril de 2012 (Voçoroca 01) e 19 de Maio de 2012 (Voçoroca 02) com a utilização de estação total com apoio da rede de marcos que tiveram suas coordenadas definidas com precisão. Foi realizado um levantamento qualitativo do estado de atividade destas voçorocas ao longo do tempo através de imagens de sensores orbitais disponíveis no Google Earth (Ikonos – 07/02/2003, Geoeye – 21/08/2010) e fotografias aéreas (IBGE – 2004) desta mesma área. Como ocorreu grande ajuste de posição entre o levantamento de campo realizado em 2012 com as imagens Ikonos e Geoeye disponíveis no Google Earth 6.1, foi realizada uma estimativa da velocidade de evolução destas voçorocas utilizando-se a ferramenta “Régua”. Através de comparações das imagens de satélite, fotografias aéreas e o levantamento de campo, assim como das observações de campo, buscou-se avaliar as possíveis relações entre a implantação dos plantios de eucalipto neste local e a ativação e desenvolvimento das voçorocas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As análises realizadas permitiram concluir que: - 2003: a Voçoroca 01 encontrava-se estabilizada; a Voçoroca 02 encontrava-se ativa e a cabeça do canal estava restrita ao fundo de vale, com exceção do D1 que se encontrava na encosta; - 2004: observam-se os plantios de eucalipto em estágio inicial. A Voçoroca 01 apresentava os primeiros sinais de ativação; a Voçoroca 02 permanecia ativa e a cabeça do canal ainda estava restrita ao fundo de vale, com exceção do D1; - 2010: a Voçoroca 01 mostrava-se plenamente ativa, com expansão lateral e longitudinal. Observou-se também a formação de dígitos, sendo que a maioria se direcionava para as concavidades pré-existentes nas encostas; a Voçoroca 02 permanecia ativa, com expansão do fundo de vale para as encostas (Figura 1); A Voçoroca 01 apresentou taxas de expansão superiores a 1 m/mês em alguns dígitos, enquanto a Voçoroca 02 apresentou redução da taxa de evolução de alguns dígitos, enquanto outros apresentaram aceleração (Tabela 1). Observações de campo mostram que na Voçoroca 01 ocorre a exfiltração da água subterrânea na cabeça dos canais durante todo o ano, enquanto na Voçoroca 02 esta exfiltração somente é observada na porção mais baixa da mesma, o que sugere que a evolução dos dígitos da Voçoroca 02 atualmente não esteja relacionada com a exfiltração da zona saturada. Baseado nestes dados e nas observações de campo formula-se a hipótese de que a evolução da Voçoroca 01 atualmente é mais rápida pelo fato de ocorrer ao longo de todo o ano relacionada com a exfiltração da água subterrânea do aquífero. Conforme indicado na descrição de 2004, observam-se os primeiros sinais de ativação da Voçoroca 01 concomitantemente com a implantação dos plantios de eucalipto. Esta simultaneidade pode estar relacionada com a realização de uma ampla capina química de toda a área plantada, a fim de eliminar a competição das mudas de eucalipto com a braquiária. Esta ampla capina química certamente acarretou na redução da evapotranspiração destas cabeceiras adjacentes, o que pode ter elevado o NA localmente, aumentando o gradiente hidráulico em direção ao vale de cabeceira de drenagem onde está localizada a Voçoroca 01. Dezenas de estudo apontam para a elevação do NA com a supressão da vegetação (Brown et al., 2005), sendo este comportamento provavelmente potencializado nesta área pelo fato da capina química ter sido realizada no período chuvoso. Sobre a evolução dos dígitos da Voçoroca 02, esta pode estar relacionada à ocorrência de escoamento subsuperficial raso durante ou logo após os eventos de chuva. O que reforça esta hipótese é a observação de feições de faces de exfiltração no solo exposto dos dígitos, especialmente na alta encosta em direção aos plantios de eucalipto. Observações de campo realizadas na estrada Queluz-Areias (SP-058) indicaram que este processo de erosão por escoamento subsuperficial ocorria um plantio de eucalipto. Um fator que pode contribuir com a ocorrência desses fluxos é a injeção pontual de água na base dos troncos dos eucaliptos (146% na relação atravessamento/precipitação segundo Sato et al., 2011), permitindo uma rápida percolação pela raízes, que atuam como vias preferenciais de percolação. Esta entrada concentrada de água poderiam acarretar na exfilração desta água subsuperficial em pontos das encostas adjacentes. Na área de estudo das voçorocas, soma-se ainda o fato da Voçoroca 02 estar na linha de uma dobra antiformal mapeada por Eirado Silva (2006), com ocorrência de foliações subverticais, o que poderia facilitar a passagem de fluxos subterrâneos entre encostas adjacentes.

Figura 1 -

Situação da Voçoroca 01 (esq.) e 02 (dir.) no dia 21/08/2010. A linha vermelha delimita o contorno das voçorocas em 2012.

Tabela 1 -

Evolução das voçorocas na comparação dos anos de 2003, 2010 e 2012. * Levantamento da Voçoroca 01 realizado em 10/3/2012 e da Voçoroca 02 em 19/4/2012

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem evidências de que o manejo de plantios de eucalipto pode estar relacionado com a ativação de voçorocas e que o processo de escoamento subsuperficial possa ser favorecido pela injeção pontual de água e condução pela zona radicular em plantios de eucalipto. Embora existam estas evidências, faz-se necessário investigar se estas evidências se comprovam através de monitoramento de fluxos entre as cabeceiras de drenagem adjacentes. Esta investigação deve contemplar tanto a investigação da zona vadosa para avaliar a ocorrência de fluxos subsuperficiais entre as encostas durante eventos de chuva, associado a uma provável contribuição da orientação das estruturas geológicas, como também o monitoramento da zona saturada com a instalação de poços e piezômetros nas cabeceiras de drenagem, a fim de definir as rotas desses fluxos, avaliando a possibilidade de ocorrência de fluxos entre estas cabeceiras de drenagem adjacentes.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o auxílio financeiro da FAPERJ (processos E-26/102.791/2008 e E-26/110.283/2012), do CNPq (processo 480293/2011-2), além destas duas Agências de Financiamento através do Instituto Geotécnico de Reabilitação do Sistema Encosta- Planície (INCT-REAGEO), processos E-26-170.023/2009 (FAPERJ) e 573.795/2008-8 (CNPq).

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