Anais: Geomorfologia de encostas

Mapeamento e análise de Áreas de Risco a Deslizamentos nas Encostas da Serra do Mar no Nordeste de Santa Catarina

AUTORES
Paulino, R.B. (UFPR) ; Oliveira, F.A. (UFPR)

RESUMO
O mapeamento e a identificação de áreas de risco a movimentos gravitacionais constituem uma importante ferramenta de prevenção a desastres naturais. Nesse intuito propõe-se uma investigação quanto ao relacionamento de fatores condicionantes como declividade, geologia e pedologia usando análise espacial em ambiente SIG. A partir do cruzamento das cicatrizes dos deslizamentos com as classes temáticas foi possível identificar padrões de concentração em determinados setores da encosta.

PALAVRAS CHAVES
Deslizamentos; Área de Risco; Serra do Mar

ABSTRACT
The mapping and identification of risk areas to gravitational movements is an important tool for preventing natural disasters. The work aims to investigate the relationship of conditioning factors as slope, geology and soil using spatial analysis in GIS environment. From the intersection of the landslides with the thematic classes it was possible to identify concentration patterns in certain sectors of the slopes.

KEYWORDS
Landslides; Risk Area; Serra do Mar

INTRODUÇÃO
Diversos autores admitem o aumento na frequência e intensidade nos desastres naturais severos no mundo e no Brasil. Apesar de não haver um consenso quanto à relação entre as instabilidades atmosféricas e as mudanças climáticas globais, estudos apontam indícios do aumento de eventos atmosféricos extremos (Kobiyama et al., 2006). No entanto, as severidades dos eventos podem estar associadas a fatores como o aumento populacional em áreas susceptíveis a riscos naturais e à vulnerabilidade das pessoas que ocupam áreas de risco. Silveira et al. (2009) associam o aumento do número de registros de inundações em Joinville, desde 1981, ao crescimento populacional em áreas de risco, e não ao aumento de eventos pluviométricos extremos. Segundo Kobiyama et al. (2006) medidas estruturais e não-estruturais podem ser adotadas para prevenir e mitigar os danos causados pelos desastres naturais. Como medidas estruturais o autor cita obras de engenharia, como por exemplo: construção de dique, alargamento de rios, reflorestamento, etc. Em geral, são medidas caras e complexas. Já as medidas não-estruturais compreendem ações de planejamento e gerenciamento, como sistemas de alerta e mapeamento de áreas de risco, estas se destacam pelo baixo custo, fácil implementação e melhor custo- benefício. A área de estudo localiza-se na porção nordeste de Santa Catarina compreendendo as encostas da Serra do Mar. A área tem acentuado gradiente altimétrico com cotas de 200m até cerca de 1.500m (Oliveira, 2006), inseridas nas bacias hidrográficas do Rio Cubatão do Norte, Piraí e Pirabeiraba, englobando os municípios catarinenses de Garuva, Joinville, Jaraguá do Sul e Araquari (Figura 1).

MATERIAL E MÉTODOS
Inicialmente, realizou-se o mapeamento das cicatrizes de deslizamentos através de fotointerpretação utilizando fotografias aéreas de 1996 na escala 1:60.000, ortofotos da zona rural de Joinville de 2010, nas escalas 1:1.000 ; 1:5.000; e 1:10.000 e imagens do Google Earth©. Com o software ArcGis 10, foi construído um banco de dados, contendo o mapeamento das cicatrizes, as camadas temáticas de geologia e pedologia, e o MDT com a declividade. Esse modelo de armazenamento de arquivos permite um melhor desempenho relacional entre as classes de feições. Para a construção do modelo digital do terreno (MDT) foi usada a base topográfica do IBGE/EPAGRI (1983) na escala 1:50.000, utilizando o método TIN (Triangulated Irregular Network). Em seguida o TIN foi convertido para raster e foram gerados os produtos derivados do MDT: hipsometria, clinografia e modelo de sombreamento, os quais auxiliaram nas análises. As classes de declividade foram definidas de acordo a metodologia utilizada por Dai e Lee (2003), que propõem um modelo probabilístico de movimentos gravitacionais induzidos por intenso volume pluviométrico baseado em eventos ocorridos em Hong Kong. As análises foram realizadas em ambiente SIG, o que permitiu o cruzamentos das classes de feições dos fatores condicionantes à movimentos de massa com a classe de feições “deslizamentos”. O objetivo é estabelecer as relações entre os fatores condicionantes e os deslizamentos. Em seguida os resultados foram lançados em tabelas para que pudessem ser criados gráficos de correlação estatística. Foram realizadas de forma sistemática inter-relações entre as camadas. As camadas de informação Geologia, Pedologia e Declividade foram interseccionadas com a camada ‘deslizamentos’. Para esse procedimento a informação em formato raster (Declividade) foi reclassificada e convertida para classe de feições.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram mapeadas 248 cicatrizes de movimentos gravitacionais com área total mobilizada de 1.004.536,8m² (Figuras 1 e 2). Dois eventos de alta magnitude são conhecidos localmente. O primeiro ocorrido em dezembro de 1995 e o segundo em novembro de 2008, relatos de moradores e as fotografia aéreas confirmam esses episódios. Deste modo temos que, 77 dos deslizamentos (31%) ocorreram em 1995 totalizando 55,3% da área deslizada. Esses deslizamentos têm área média de 7.215m². Em 2008 ocorreram 76 deslizamentos (30,6%) totalizando 17,9% da área deslizada, sendo a área média de 2.360m². Para o restante do período foram identificadas 95 cicatrizes (38,3%) Cabe ressaltar que a ferramenta de Intersecção cruza duas camadas de informações, tendo como resposta uma nova camada em que a tabela de atributos é formada pela intersecção de todas as áreas das duas camadas de informações originais. Assim, quando há o cruzamento entre as cicatrizes e a declividade, a classe de saída conta com mais de 1.000 segmentos, por exemplo. A cobertura pedológica da área de estudo é fortemente condicionada pela compartimentação do relevo. Assim, nas áreas de encosta com baixas declividades há intensa ocorrência de cambissolos, no Planalto se concentram os argissolos, enquanto que nas encostas íngremes há predomínio de neossolos litólicos. Na área de estudo há um predomínio de cambissolos com área equivalente a 61,22%, seguido pelas neossolos com 32,01%, e por último os argissolos com 6,66% de cobertura. Com menor significância ainda ocorre na zona das encostas o gleissolo e uma ínfima parcela de área urbanizada. De fato, os neossolos concentram a grande maioria dos segmentos de cicatrizes – 177 ou 56,5%, o que corresponde a mais de 70% das áreas deslizadas. Logo na sequência vêm os cambissolos com 115 segmentos e 27,5% da área deslizada (Figura 2). O elevado número de segmentos de cicatrizes em cambissolos pode estar associado à posição ocupada por esse tipo de solo nas vertentes. Como a área deslizada é relativamente pequena, pode ser que algumas cicatrizes mapeadas neste caso sejam provocadas pelo material transportado das áreas com predomínio de neossolos litólicos. Geologicamente as encostas são formadas em sua grande maioria por gnaisses com 77,6% da área. Esse domínio geológico garante aos gnaisses 74,5% dos segmentos de cicatrizes totalizando 85,8% das áreas deslizadas. Outro grupo geológico com destaque nas ocorrências de cicatrizes são os granitos com 52 segmentos equivalentes a 19,5% dos casos, correspondendo 13% das áreas deslizadas(Figura 2). As informações sobre a geologia local podem ser complementadas com a identificação de falhas e planos de fratura. No entanto, certamente esse é um fator condicionante de grande importância nos movimentos gravitacionais. Diretamente ele age sobre a estrutura e equilíbrio da encosta e indiretamente dando origem a tipos de solos com pré-disposição ou não a escorregamentos. Observando o quadro resultante da intersecção entre as classes de declividade e os deslizamentos fica evidente a concentração de segmentos, 729 ou 71,5%, nas classes que variam de 10,1 ate 45 graus de declividade, assim como a área desses mesmos segmentos que somam 85,8%. Fernandes et. al. (2001) afirmam que a maioria dos escorregamentos ocorre em encostas entre 20 e 45 graus. Os autores argumentam que em encostas com mais de 45° não há acumulo significativo de material, por isso é baixa a ocorrência de registros nessas classes de declividade (Figura 2). Pode-se ainda deduzir que os 19,9% dos segmentos das classes com declividade <10 graus correspondem, na grande maioria, por depósitos de material transportado de área mais declivosas. A confirmação destes dados só é possível através de uma análise de campo detalhada de cada cicatriz, o que de fato, não pode ser realizado. Essas classes, apesar de agruparem quase 20% dos segmentos, totalizam uma área de apenas 8%.

Figura 1

Localização da área de estudo com a identificação dos deslizamentos mapeados.

Figura 2

Gráficos e tabelas com os resultados da intersecção entre as classes temáticas e os deslizamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na bibliografia e no material cartográfico os resultados aqui apresentados foram analisados no intuito de identificar algum tipo de padrão entre os deslizamentos e as classes temáticas. Os resultados são incipientes para concluir o grau de relações entre os fenômenos. Entretanto, é possível identificar tendências de concentração em Neossolos e Cambissolos que poderão indicar relações entre as classes de declividades e litológicas. As análises com este enfoque são justificadas, pois os deslizamentos são condicionados por uma intensa relação de fatores que atuam de forma interativa, não devendo, portanto, ser analisados de forma isolada (Sestini, 2000; Soares, 2006; Vieira, 2007). Existem outros fatores além dos apresentados neste trabalho. Destaca-se ainda na literatura o papel desempenhado pela precipitação, sendo nas regiões úmidas e sem tectonismo, o principal agente deflagrador de movimentos gravitacionais (Vieira, 2007; Guidiccini & Iwasa, 1976).

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à CAPES pelo financiamento de bolsas de estudo e ao Programa de Pós Graduação em Geografia da UFPR.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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GUIDICINI, G. & O. Y. IWASA. 1976. Ensaio de correlação entre pluviosidade e escorregamentos em meio tropical úmido. IPT, São Paulo, pp. 48p.
KOBIYAMA, M.; MENDONÇA, M.; MORENO, D.A.; MARCELINO, I.P.V.O.; MARCELINO, E.V.; GONÇALVES, E.F.; BRAZETTI, L.L.P.; GOERL, R.F.; MOLLERI, G.; RUDORFF, F. 2006. Prevenção de desastres naturais: Conceitos básicos. Curitiba: Organic Trading.
OLIVEIRA, F. A., 2006. Estudo do Aporte Sedimentar em Suspensão na Baía da Babitonga sob a ótica da Geomorfologia. São Paulo, Departamento de Geografia / FFLCH/USP (Tese de doutorado)
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SILVEIRA, W.N.; KOBIYAMA, M.; GOERL, R.F.; BRANDENBURG, B. História das Inundações em Joinville: 1851- 2008. 2009. Curitiba: Ed. Organic Trading.
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TAVARES, R; SANT'ANA NETO. J. L.; TOMMASELLI, J. T. G., PRESSINOTTI, M. M. N., SANTORO, J. Análise da variabilidade temporal e espacial das chuvas associada aos movimentos de massa no litoral norte paulista. In: I Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais. Florianópolis: GEDN, 2004. p. 680-696.
VIEIRA, B.C., 2007 Previsão de escorregamentos translacionais rasos na Serra do Mar (SP) a partir de modelos matemáticos em bases físicas. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Tese de doutorado).