Anais: Geomorfologia de encostas

O Papel dos processos hidrogeomorfológicos extremos na evolução de paisagem

AUTORES
Goerl, R.F. (UFPR) ; Michel, G.P. (UFSC) ; Kobiyama, M. (UFSC) ; Santos, I. (UFPR)

RESUMO
Processos hidrogeomorfológicos extremos afetam freqüentemente a sociedade. Como estes processos fazem parte da evolução da paisagem devem ser analisados sob esta ótica. O presente trabalho analisou as alterações morfométricas em duas bacias no município de Rio dos Cedros/SC. Foi observado que as modificações estão relacionadas com a área. A hipsômetria e declividade na maior bacia não se alteraram, enquanto que em uma sub-bacia alteraram significativamente

PALAVRAS CHAVES
Processos hidrogeomorfoló; Fluxo de detritos; Evolução da paisagem

ABSTRACT
Hydrogeomorphic extreme processes affect society frequently.. Since these processes are part of the landscape evolution, they must be analyzed under this perspective. The present work analyzed the morphometric changes in two watershed, Rio dos Cedros city, Santa Catarina state. It was noticed that the chances are related to the area. In the bigger watershed, hypsometry and slope were not changed, while in a sub-basin changed significantly

KEYWORDS
Hydrogeomorphic processes; Debris Flow; Landscape evolution

INTRODUÇÃO
Cada vez mais a sociedade sofre com processos hidrogeomorfológicos extremos, especialmente os deslizamentos. Prejuízos econômicos e perdas de vidas têm sido noticiados com maior freqüência, como em Santa Catarina (2008) e Região Serrana do RJ (2011). Por outro lado, estes eventos fazem parte da dinâmica terrestre e são importantes processos modeladores da paisagem. Assim, os mesmos devem ser abordados sob ambos os aspectos, dos desastres e dos processos naturais. A abordagem sob o ponto de vista dos desastres geralmente se faz por meio de mapeamentos de risco ou susceptibilidade através de modelagem ou mapeamento geotécnico (Guzzetti et al., 1999; Fernandes et al., 2004; Augusto Filho, 2006; Guimarães et al., 2009; Viera et al., 2010). Já a abordagem em relação ao processo natural faz-se freqüentemente por meio de relações de magnitude e frequência (Johnson et al., 1991; Steijn, 1996), persistência (Guthrie e Evans, 2007) volume de sedimento movimentado (Korup et al., 2004; Corsini et al., 2009; Kobiyama et al., 2011) conectividade com o sistema fluvial e evolução da paisagem (Jacobson et al., 1989; Crozier, 2010). Por possuírem condicionantes hidrológicos e geomorfológicos, os deslizamentos podem também ser analisados como processos hidrogeomorfológicos (Hungr et al., 2001; Sidle e Onda, 2004; Wilford et al., 2004, 2005; Sakals et al., 2006). Dessa maneira, passa-se a analisar o quanto um deslizamento altera a paisagem em termos de forma e geometria e o quanto esta alteração na paisagem altera os processos hidrogeomorfológicos (Willgoose et al., 1994). Esta abordagem hidrogeomorfológica vem ao encontro do conceito de persistência (Guthrie e Evans, 2007, Crozier, 2010) que trata justamente em mensurar as modificações espaço-temporais na paisagem ocasionadas pelos deslizamentos. Neste contexto, o presente trabalho teve por objetivo quantificar o quanto uma bacia hidrográfica é alterada morfométricamente por fluxos de detritos.

MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo é a bacia do rio Cunha, SC, na qual em novembro de 2008 ocorreram quatro fluxos de detritos (Goerl et al, 2009). A bacia possui aproximadamente 16 km², a altimetria varia de 112 m a 877 m e a declividade média é 16º. Além da bacia do rio Cunha, a sub-bacia Debris B (0,65 km²) também foi analisada. Esta sub-bacia foi escolhida, pois apresentou o maior deslizamento. Para as análises comparativas pré e pós-evento foi utilizada a base cartográfica digital em escala 1:50000 disponibilizada pela EPAGRI. Através desta base foi gerado um Modelo Digital de Terreno (MDT) com resolução de 10m utilizando o interpolador Topo to Raster, do qual foram extraídas curvas de nível em intervalos de 10m. A topografia pós-deslizamento foi elaborada através de sucessivos levantamentos topográficos realizados com a estação total Leica TPS 400 e o GPS Diferencial Trimble 5700 e R3. Foram coletados cerca de 10.000 pontos nos 4 fluxos de detritos, tanto na área deslizada como na borda da mesma. As cotas destes pontos foram comparadas com as curvas de 10m pré evento, garantindo a compatibilidade espacial. Utilizando a extensão spatial analyst do ArcGIS 9.3 as curvas originais dentro do deslizamento foram “excluídas” e re- interpoladas novamente as curvas 10m geradas com os pontos coletados, tendo assim o MDT pós-evento. As curvas 10m originais foram re-interpoladas, gerando o MDT pré-evento. Três atributos foram analisados: curva hipsométrica, altimetria e declividade. Para isto, foi elaborado um histograma em intervalos regulares de 10m para a altimetria e de 1º para a declividade. Foram então comparados os histogramas, determinando a diferença de área por classe. Através destas análises as diferenças entre a paisagem pré e pós-evento foram mensuradas, determinando assim quantitativamente a evolução da paisagem associada a um evento hidrogeomorfológico extremo e o quão significativa foi esta alteração.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observar-se nas Figs. 1a (pré-evento) e 1b (pós-evento) que os deslizamentos provocam assinaturas na paisagem através de suas cicatrizes. Apesar de extensos, variando entre 350 m a 1,3 km, a soma das áreas deslizadas é pouco representativa em relação à área total da bacia, apenas 1,1% (0,18 km²). Devido à extensão e distribuição espacial dos deslizamentos, todas as classes hipsométricas foram modificadas (Fig. 1c). Os deslizamentos Debris A e B, devido a sua maior extensão, alteraram mais classes altimétricas do que o Debris C e D. Por outro lado, por estarem à montante, o Debris C e D modificaram cotas mais altas. A maior variação se concentrou em dois intervalos: até 260 m e entre 440 m e 560 m. Em relação à declividade (Fig. 1d), houve a alteração das classes de menor valor, associado à deposição irregular do material deslizado. As áreas planas foram recobertas por sedimentos grosseiros, dispostos de forma caótica, o que explica a redução das áreas totalmente planas (0º). Em relação às demais classes, houve a redução das áreas de declividade intermediária e um aumento das áreas mais declivosas. As alterações foram maiores nas classes mais baixas e posteriormente apresentaram um comportamento relativamente homogêneo. Apesar das alterações na altimetria e na declividade, a curva hipsométrica manteve-se constante (Fig. 1e), explicado principalmente pela pequena área alterada pelos deslizamentos em relação à área da bacia. Dessa maneira, o comportamento médio da bacia manteve-se inalterado, apesar de haver um aumento da declividade máxima (Fig. 1f). Na bacia Debris B (Figs. 2a e 2b) a área deslizada abrangeu cerca de 10% da bacia (0,06 km²), se estendendo por 1,3 km desde o divisor até próximo à exutória. Devido à forma da bacia, alongada, larga nas cabeceiras se estreitando em direção à exutória, houve uma maior alteração nas cotas mais baixas (Fig. 2c), pois a área deslizada recobre maior extensão neste último trecho. A declividade apresentou uma variação em dois blocos (Fig. 2d). Houve uma diminuição da área entre 10º e 25º e um aumento entre 26º e 49º. As áreas menos declivosas apresentaram pouca alteração. Após a ocorrência de um deslizamento, geralmente sua cabeceira fica côncava, aumentando a declividade na parte superior e diminuindo em sua deposição, geralmente convexa. Contudo, como nesta bacia ocorreram fluxos de detritos, o trecho de transporte também sofreu erosão, escavando o fundo de vale, aumentando assim a declividade não apenas na cabeceira. Além disso, devido à presença de blocos e a seleção pobre dos sedimentos, aliada a rápida erosão hídrica sedimentos inconsolidados, a área de deposição não apresenta feições bem planas. Dessa maneira, não há um aumento de áreas relativamente planas, mas uma redução delas. Na bacia Debris B a curva hipsométrica ficou ligeiramente alterada (Fig. 2e), diminuindo as áreas de cotas menores, explicado principalmente pelo leque de deposição e pela forma da bacia. Isto fica evidente na alteração da altimetria média e da declividade máxima e média (Fig. 2f). Este aumento na declividade média pode sugerir uma retomada dos processos erosivos, aumento da taxa de denudação e redução do equilíbrio. Comparando a variação das duas bacias, fica claro que a bacia do rio Cunha apresentou pouca alteração em relação à morfometria, associada principalmente a relação entre a área deslizada com a área da bacia. Já a bacia Debris B apresentou maior alteração. Isto evidencia que a distribuição espacial dos processos hidrogeomorfológicos também exerce controle sobre a evolução da paisagem além da relação entre área deslizada e área da bacia. Assim, a magnitude de tal evento deve levar em consideração a área da bacia, e não apenas o volume e alcance do deslizamento

Figura 1

Alterações morfométricas da bacia do rio Cunha

Figura 2

Alterações morfométricas da bacia Debris B

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou demonstrar as alterações na paisagem associada à ocorrência de quatro fluxos de detritos. Para isto, a altimetria e declividade pré e pós evento foram analisadas em duas escalas, bacia do rio Cunha (16 km2) e sub- bacia Debris B (0,65 km2). Apesar de magnitude do evento, o mesmo não alterou significativamente as características da bacia do rio Cunha. Já em relação à bacia Debris B, houve uma modificação substancial, principalmente na declividade média e a máxima. Isto implica um aumento das taxas de erosão e conseqüentemente da denudação da bacia. Nota-se assim que existe uma dependência espacial na evolução da bacia, principalmente em relação à razão entre a área da bacia e a do deslizamento. Dessa maneira, apesar de extremos, os fluxos de detritos não causaram grandes modificações na bacia do rio Cunha. Este resultado sugere que eventos de média magnitude e de maior freqüência são agentes mais efetivos na evolução da paisagem

AGRADECIMENTOS
O primeiro autor agradece ao programa REUNI/UFPR pela bolsa de doutorado. O segundo autor agradece ao CNPq pela bolsa de mestrado. Os autores agradecem ainda aos membros do Laboratório de Hidrogeomorfologia da UFPR e do Laboratório de Hidrologia da UFSC pelas criticas ao presente trabalho

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