Anais: Geomorfologia de encostas

Avaliação da Suscetibilidade aos Escorregamentos Translacionais Rasos na bacia do Rio Guaxinduba em Caraguatatuba (SP)

AUTORES
Ramos, H. (USP) ; Vieira, B. (USP)

RESUMO
O trabalho teve por objetivo avaliar a suscetibilidade a escorregamentos rasos na bacia do rio Guaxinduba utilizando o Shalstab. Os resultados apontam para uma influência maior das orientações das encostas na deflagração dos escorregamentos. O Shalstab mostrou-se sensível à existência de uma área de planalto no MDT. Entretanto, embora as cicatrizes tenham sido mapeadas por todas as classes de suscetibilidade, concentraram-se naquelas de maior instabilidade.

PALAVRAS CHAVES
Shalstab ; Escorregamento Translacio; Caraguatatuba

ABSTRACT
This study aimed to evaluate the susceptibility to shallow landslides in the Guaxinduba basin using the SHALSTAB model. The results designates a greater influence of the slopes orientation in the initiation of landslides. The SHALSTAB was sensitive to the existence of a plateau area in MDT. However, although the scars have been distributed by all classes of susceptibility, it was concentrated in those of greater instability.

KEYWORDS
Shalstab; Landslide; Caraguatatuba

INTRODUÇÃO
Os escorregamentos translacionais rasos são bastante frequentes na Serra do Mar, como resultado dos perfis pedológicos em vertentes íngremes submetidas a eventos pluviométricos intensos. No Brasil esses processos adquirem importância quando se constata que grandes centros urbanos se localizam próximos das escarpas. Caraguatatuba está situada no litoral norte paulista e, segundo Cruz (1974), recebeu no dia 18 de março mais de 400mm em um pluviômetro situado nas escarpas da Serra. Nesse dia foi registrado um dos maiores eventos generalizados de movimentos de massa na história do Brasil, vitimando mais de 450 pessoas, uma cidade que naquele momento possuía apenas 6 mil habitantes. O estudo desses processos justifica-se por permitir o ordenamento racional do território, de maneira a reduzir as perdas por eles causadas. Entre os métodos de previsão de escorregamentos rasos estão aqueles associados aos modelos determinísticos, baseados em leis físicas e formalizados matematicamente, de maneira que permitem a manipulação digital dos dados por meio de um sistema de informações geográficas. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a suscetibilidade aos escorregamentos rasos por meio do Modelo Shalstab (Montgomery e Dietrich, 1994 e Montgomery e Dietrich, 1998) na bacia do rio Guaxinduba, Caraguatatuba (SP). O modelo já foi aplicado em diversos lugares no mundo com resultados satisfatórios, e no Brasil foi inicialmente utilizado por Guimarães (2003), Gomes (2006), Vieira (2007), entre outros.

MATERIAL E MÉTODOS
O Modelo Digital do Terreno foi elaborado por meio do módulo Topo to Raster do Arcgis, com pixel de 5m, com base nos dados planimétricos das cartas 1:10.000 do Instituto Geográfico e Cartográfico. A partir dele foram gerados os mapas de curvatura, ângulo e orientação das encostas. Utilizando o Arcview 3.2 e a rotina do Shalstab, foi gerado um mapa de suscetibilidade da bacia do Rio Guaxinduba, utilizando como base topográfica o MDT. Em relação aos parâmetros geotécnicos, foram adotados 2m para a Profundidade, conforme trabalho de Wolle (1998) realizado na Serra do Mar, e 28º para o Ângulo de Atrito Interno, 1450 Kg/m³ para o Peso Específico do Solo e 5500 N/m² para Coesão, conforme trabalho de Cruz (1979) realizado no morro do Tinga, a apenas 8 km a oeste da área de estudo. Muitas das cicatrizes dos movimentos de massa ocorridos em 1967 atingiram as camadas mais inferiores do solo, em alguns casos a camada de rocha sã, sendo profundas o suficiente para deixar as marcas registradas na paisagem por um grande intervalo de tempo. Assim, na impossibilidade de ortorretificar as fotos aéreas do IPT datadas de 1983, foram utilizadas as imagens de um sobrevôo do Instituto Florestal de 2000, mas foram mapeadas apenas as cicatrizes identificadas também na imagem de 1983, como uma tentativa de restringir a análise ao período mais próximo ao evento de 1967. Também foram limitadas pelo terço superior, para restringir à área de deflagração do processo. Por fim, utilizamos a método proposto por Gao (1993) para aferir a influência dos parâmetros topográficos na deflagração dos movimentos e validar o modelo Shalstab. Calculamos a freqüência das classes e os coeficientes de Concentração de Cicatrizes – CC, com a razão entre o número de células de cada classe afetada pelas cicatrizes e o total de células afetadas na bacia, e Potencial de Escorregamento – PE, dado pela razão entre o número de células de cada classe afetada pelas cicatrizes e o total de células dessa mesma classe.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A área de estudo tem 13,5km² e nela foram mapeadas 131 cicatrizes de escorregamentos que ocuparam 2,3% da área da bacia. Estas feições variaram entre 344m² e 15.479m², com média de 2.366m², e terceiro quartil em torno de 1518m². Os resultados aqui apresentados referem-se tanto ao mapa de suscetibilidade (figura 1) quanto aos mapas dos parâmetros morfológicos de ângulo e orientação das encostas. O mapa de suscetibilidades classifica as encostas em sete graus distintos, desde incondicionalmente estável até incondicionalmente instável. No caso da área de estudo, a sobreposição do mapa de suscetibilidades gerado pelo Shalstab com o mapa das cicatrizes revelou que ocorreram escorregamentos em todas as classes de suscetibilidades (Figura 2). Tal resultado foi confirmado pelos valores de CC, que atingiram o mínimo de 10% e máximo 18% nas classes mapeadas, sendo que cerca de 40% das cicatrizes se localizaram nas três classes mais instáveis. Em análise realizada na Serra do Mar, próximo a Cubatão, Vieira (2007) e Santos (2009) encontraram a maior concentração de cicatrizes nas classes instáveis, e nenhuma cicatriz na classe mais estável. Por outro lado, nesta pesquisa, os valores de PE aumentaram gradativamente com o aumento do grau de instabilidade, variando entre 0,9% e 8%, tendo atingido um resultado similar ao de Vieira (2007), trabalho no qual a autora encontrou variações crescentes com o grau de instabilidade, com valores entre 1% e 6% para os cenários analisados. A principal diferença entre esses resultados obtidos na Serra do Mar foi a presença de 26% de cicatrizes nas duas áreas mais estáveis na bacia do Rio Guaxinduba. Tal fato pode estar relacionado à presença de dois compartimentos geomorfológicos na mesma bacia (Escarpas da Serra do Mar e Planalto Paulistano). Uma certa quantidade de cicatrizes foi mapeada na área de planalto que não necessariamente podem ser do tipo raso e sim rotacional, uma vez que neste compartimento existe a presença de solos profundos e declividades mais suaves, permitindo a deflagração desta tipologia. Quando analisado o mapa de ângulo sobreposto ao mapa de cicatrizes, foi possível confirmar que a classe de 20 a 30° foi aquela que apresentou a segunda maior concentração de cicatrizes (29%) e diferente também da tendência encontrada na literatura, os valores de PE do ângulo das encostas aumentaram de forma linear até a classe >40°. Com relação à da orientação das encostas, os resultados da sobreposição mostraram que quase 70% dos escorregamentos aconteceram em apenas quatro orientações: SE e E (36,7%) e NW e W (30,4). Por outro lado, as outras orientações tiveram valores bastante distantes, como foi o caso das encostas orientadas ao Sul onde, embora sejam 19,5% do total, possuem apenas 10,3% das cicatrizes, o mesmo ocorrendo com as encostas de SW, que abrangeram quase 10% da área e que tem apenas 2,6% das cicatrizes ocorrem. Essas orientações preferenciais se encontraram como perpendiculares à orientação geral das estruturas litológicas, segundo Cruz (1974). Os maiores valores de PE, no entanto, não se enquadraram nessas direções preferenciais, mas nas orientações NW (3,14%), NE (3,33%) e N (3,11%). Este padrão de resultado, PE mais elevado no quadrante entre NE e NW e CC concentrada nas direções E - SE e W – NW, foi encontrado também por Santos (2009), em estudo na bacia da Copebrás, no Rio Cubatão. Para estes padrões encontrados nas escarpas da Serra do Mar, uma possível explicação pode residir nas conformidades estruturais da litologia. Guimarães (2000) afirmou que os acamamentos e mergulhos das rochas influenciam largamente na ocorrência dos escorregamentos translacionais rasos. Por outro lado, conforme Gao (1993), esses padrões podem ser também o resultado da concentração diferencial de água nas encostas, uma vez que a orientação de suas encostas condiciona maior ou menor concentração de água ao longo dos dias.

Figura 1

Localização e graus de suscetibilidade

Figura 2

Grafico

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos com o Shalstab mostraram que o modelo não obteve os melhores resultados na delimitação das áreas suscetíveis. Em grande medida pode ter ocorrido devido à presença do planalto, alterando os resultados em função dos parâmetros geotécnicos diferentes encontrados ali, ou devido à ocorrência de outros tipos de escorregamentos, não previstos pelo modelo. Uma medida para melhorar os resultados, seria a retirada da área do planalto, limitando a análise às escarpas, onde foram realizadas as medições geotécnicas, o que pode melhorar os resultados. Outra opção seria realizar as medições geotécnicas no planalto e aplicar o modelo com tais dados espacializados. Os resultados indicaram uma relação forte das cicatrizes existentes com a orientação das encostas, tendendo a ocorrer nos quadrantes de SE e NW, embora não sejam estas orientações mais freqüentes na bacia. Isto é relevante, pois pode indicar um controle estrutural ou se relacionar com a distribuição da água nas encostas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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