Anais: Geomorfologia de encostas

APLICAÇÃO DE MODELOS GEOFÍSICOS E ESTATÍSTICOS À CARTOGRAFIA DE SUSCEPTIBILIDADE A MOVIMENTOS DE VERTENTE NA SERRA DA PENEDA (NORTE DE PORTUGAL).

AUTORES
Teixeira, M. (FLUP) ; Bateira, C. (FLUP) ; Soares, L. (FLUP) ; Costa, A. (FLUP)

RESUMO
A cartografia de suscetibilidade a movimentos de vertentes em áreas do Maciço Antigo do Norte de Portugal, tem sido alvo, nos últimos anos, de vários estudos, nos quais têm sido sobretudo utilizados métodos estatísticos. Com base no inventário prévio dos movimentos ocorridos na área de Gavieira (Serra da Peneda), apresentam-se e discutem-se os resultados obtidos com a aplicação de modelos estatísticos e de base física à área em questão - Valor Informativo, Regressão Logística e SHALSTAB – avaliando-se e comparando-se a sua capacidade preditiva através de curvas ROC.

PALAVRAS CHAVES
movimentos de vertente; suscetibilidade; modelos de base física e estatísticos

ABSTRACT
The slope movements susceptibility maps in areas of the Hesperic Massif in Northern Portugal, has been developed in several recent studies in which are mainly used statistical methods. Based on a prior landslides inventory in the area of Gavieira (Serra da Peneda), this paper presents and discusses the results obtained by applying statistical and geophysical models to the area in question – Information Value, Logistic Regression and SHALSTAB - evaluating and comparing their predictive capability through ROC curves.

KEYWORDS
slope movements; susceptibility; statistic and geophysical models

INTRODUÇÃO
Embora em Portugal os movimentos de vertente não assumam a magnitude e o cariz devastador que evidenciam noutros países, estudos desenvolvidos em várias áreas demonstram a sua relevância no âmbito dos riscos naturais que afetam o território nacional (i.e. Marques, 1997, 2008; Zêzere, 1997; Bateira, 2001; Zêzere et al, 2004; Soares, 2008; Pereira, 2009), justificando, nomeadamente, a sua inserção no âmbito do Planeamento e Ordenamento do Território e Proteção Civil (i.e. Bateira e Soares, 1997; Zêzere, 2007; Zêzere, Pereira e Morgado, 2007; Pereira, Bateira e Santos, 2007; Bateira, 2010) e a publicação de normas, princípios e metodologias a que deve obedecer a cartografia de suscetibilidade (Julião et al, 2009). Este trabalho enquadra-se neste último domínio, tendo como objetivo confrontar os resultados obtidos através da aplicação de um modelo matemático de base física – Shalstab - e dois estatísticos - Valor Informativo e Regressão Logística - à cartografia de suscetibilidade a movimentos de vertente (movimentos superficiais translativos). Trata-se de um primeiro ensaio no âmbito do nosso percurso de investigação, uma vez que apesar dos modelos de base física serem descritos e aplicados de forma satisfatória em diversos estudos (Montgomery e Dietrich,1994; Dietrich e Montgomery,1998; Baum, Savage e Godt, 2002; Frattini et al, 2004; Baum et al., 2005; Vieira, 2007), em Portugal existem ainda poucos ensaios neste domínio (Vasconcelos, 2011; Pimenta, 2011), sendo utilizados preferencialmente os estatísticos. Os modelos referidos foram aplicados no sector oriental do município de Arcos de Valdevez, enquadrado na Serra da Peneda, área que se integra no domínio da Sub-zona da Galiza Média-Trás-os-Montes do Maciço Varisco (fig.1). De substrato predominantemente granítico, o sector em estudo carateriza-se por um relevo extremamente acidentado, com vertentes extensas de forte declive e profundo encaixe da rede hidrográfica, indiciando controlo tectónico. Estas características, associadas ao facto das montanhas do noroeste de Portugal deterem os quantitativos mais elevados de precipitação (que constitui o principal fator desencadeante dos movimentos de vertente no território nacional), aumentam a probabilidade de ocorrência de processos de instabilidade geomorfológica. Tal é demonstrado pela existência de vários depósitos que regularizam as vertentes, constituindo vestígios quer da dinâmica atual, quer de processos relacionados com ambiências passadas.


Fig. 1 – Localização e enquadramento estrutural da área em estudo.

MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia utilizada no presente estudo, segue uma sequência articulada de etapas que se iniciou com o inventário dos movimentos de vertente, recorrendo a fontes documentais várias, fotografia aérea e ortofotomapas, devidamente apoiadas e validadas pelo trabalho de campo. No total da área em estudo foram registados 209 movimentos, procedendo-se à delimitação das respetivas cicatrizes. A inventariação dos processos é uma fase determinante da qual dependem os resultados da modelação estatística (Zêzere et al, 2009), permitindo identificar e cartografar os fatores condicionantes (variáveis independentes) dos processos de instabilidade, segunda etapa da metodologia utilizada. No contexto destes modelos, foram consideradas as variáveis litologia, formações superficiais, declives, exposição, curvatura, área de contribuição, unidades morfológicas, uso do solo e densidade de fracturação. Para cartografar a suscetibilidade a movimentos de vertente, etapa final dos procedimentos, recorremos, como referimos, a dois métodos estatísticos: um bivariado, designadamente o de Valor Informativo (Yin e Yan,1988, in Zêzere, 1997), em que cada fator condicionante é combinado individualmente com o mapa da distribuição dos movimentos, atribuindo-se a sua ponderação com base na densidade de movimentos observada em cada classe de cada variável (Aleotti e Chowdhury,1999; Süzen e Doyuran, 2004); um multivariado, optando-se pelo de Regressão Logística, em que a ponderação dos fatores, calculada através do software XLSTAT, indica a contribuição relativa de cada um para o grau de suscetibilidade em cada unidade de terreno, baseando-se a análise na presença ou ausência de processos de instabilidade dentro das várias unidades (Van Westen,1993 in Süzen e Doyuran, 2004). Salienta-se ainda, que a seleção das variáveis a utilizar no modelo do Valor Informativo teve em conta os scores de favorabilidade obtidos, enquanto no caso da Regressão Logística foram aplicados testes de significância estatística (nomeadamente, chi-quadrado e Mann-Whitney). A modelação da suscetibilidade foi efetuada com recurso a SIG, avaliando-se e comparando-se a sua capacidade preditiva através de curvas ROC. Na mesma área, mas aplicado a uma bacia hidrográfica de 1.21 km2 (Bacia do Tibo), foi utilizado o modelo shalstab, considerando os parâmetros declive, área de contribuição, coesão, peso específico, espessura do solo, ângulo de atrito e transmissividade. Todos os dados mecânicos foram levantados no terreno, à exceção da coesão que foi determinada por retroanálise

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O confronto de modelos que visam definir a suscetibilidade a movimentos de vertente é extremamente importante, permitindo-nos identificar qual a metodologia que melhor se adapta às circunstâncias específicas do objetivo, escala e área de trabalho. Neste estudo, os resultados obtidos com a aplicação dos 3 modelos evidenciam, como seria de esperar, algumas diferenças, particularmente significativas quando comparamos os dois modelos estatísticos (fig.2) com o de base física (fig.3). Para facilitar a nossa exposição vamos analisar individualmente os cenários de suscetibilidade obtidos. De acordo com a sequência metodológica que orienta o modelo do Valor Informativo, foram efetuados vários testes considerando as diferentes variáveis e respetivos scores. O melhor resultado foi obtido com o cenário que exclui as unidades morfológicas, o uso do solo e as formações superficiais, verificando-se que a área abaixo da curva (AUC) corresponde a um valor de 0,76. Salienta-se ainda, que 44% da área total inclui 80% da área instabilizada. No caso da Regressão Logística, o teste com melhor taxa de sucesso corresponde ao que engloba todas as variáveis, com uma AUC de 0.77, valor que diminui para 0.73 no caso do cenário definido para o Valor Informativo (exclusão das 3 variáveis assinaladas). Neste contexto, verifica-se que, 80% da área instabilizada é observada em 61% da área em análise.


Fig. 2 – Suscetibilidade a movimentos de vertente na área da Bacia do Tibo. 1. Valor Informativo; 2. Regressão Logística.


Fig. 3 – Suscetibilidade a movimentos de vertente na Bacia do Tibo com base na aplicação do modelo Shalstab.

No caso do cenário de suscetibilidade simulado pelo modelo shalstab, 91.1% das áreas movimentadas estão concentradas nas classes de maior instabilidade (valores superiores a log (q/T) igual ou superior a -2.5) sendo que os valores de referência se situam entre os 83% e os 100% (Dietrich & Montgomery, 1998). No entanto, para log (q/T) igual ou superior a -3.1 regista-se uma concentração de 77,78% da área movimentada. Com este modelo verifica-se ainda que, em 30% da área da bacia do Tibo concentra-se 80% da área instável. Centrando-nos na cartografia resultante, observam-se algumas diferenças que é importante ressaltar. Desde logo, assinala-se a variabilidade das manchas que representam as várias classes de suscetibilidade. Mesmo reclassificando as imagens raster resultantes dos modelos estatísticos para as 7 classes definidas automaticamente pelo shalstab, este último permite um maior detalhe das áreas de instabilidade, identificando, designadamente, as bacias hidrográficas de primeira ordem como setores mais suscetíveis. Neste contexto, o mapa do Valor Informativo é o que mais se aproxima, embora configure uma generalização mais acentuada das áreas de instabilidade crónica. No entanto, esta situação inverte-se na secção inferior da bacia do Tibo, onde se atenuam os declives e a suscetibilidade à ocorrência de movimentos é menor. Ou seja, nas áreas de menor suscetibilidade existe uma maior consonância entre o shalstab e o modelo da Regressão Logística, o que se associa ao facto deste último identificar as cicatrizes dos movimentos como um ponto. Assim, torna-se irrelevante a dimensão da área instabilizada, pelo que os setores onde o inventário não contempla ocorrências são classificados como estáveis. Parece-nos importante tecer algumas considerações sobre a seleção das variáveis independentes a incluir nos modelos estatísticos, principalmente ao nível das formações superficiais. Com efeito, esta variável tem-se demonstrado das mais importantes em estudos previamente elaborados (Soares, 2008; Pereira, 2009), ao contrário do que acontece nesta área no âmbito do modelo do Valor Informativo, em que apresenta um score mais baixo relativamente a outras variáveis. A explicação pode residir na necessidade de uma maior descriminação das formações identificadas, principalmente ao nível dos materiais de vertente e fundo de vale, que, pela escala a que foi efetuada a cartografia (1:25 000), não permite um maior detalhe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise comparativa entre o valor informativo e a regressão logística revela uma maior discriminação espacial em favor do primeiro. Esse facto reside na simplificação inerente à Regressão Logística que advém da consideração de cada movimento como um ponto de instabilidade ao contrário do valor informativo que utiliza na análise estatística as área deslizada. O estudo apresentado revela um bom desempenho do modelo de base física (shalstab), abrindo novas perspetivas de investigação em alternativa aos modelos estatísticos sobretudo em avaliações da suscetibilidade à muito grande escala. No entanto há que ter em conta as suas limitações, uma vez que só é aplicável, pelos parâmetros que incorpora, em bacias hidrográficas de pequena dimensão. As exigências de maior homogeneidade nas variáveis a considerar implica a sua utilização em estudos de grande escala, implicando igualmente uma cartografia de base detalhada, que permita criar um MDE de boa resolução (equidistância entre as curvas de nível deve ser pelo menos de 5m). Uma das grandes vantagens do shalstab consiste na definição da suscetibilidade apenas com base nos parâmetros topográficos e mecânicos da área em estudo. Ao contrário dos modelos estatísticos a elaboração da avaliação da suscetibilidade não está diretamente dependente do inventário dos movimentos de vertente. Desta forma, a validação do modelo faz-se com as áreas instabilizadas, elementos totalmente independentes da sua construção. A cartografia da suscetibilidade por métodos estatísticos poderá dar indicações substantivas para uma escala de trabalho menor, o que permitirá orientar a organização da avaliação da suscetibilidade a grande escala.

AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto DISASTER (PTDC/CS-GEO/103231/2008), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Recebeu igualmente o apoio do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT).

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