Anais: Outros

A interferência da geomorfologia na manutenção da paisagem na bacia hidrográfica do rio Santo Cristo, Noroeste do Rio Grande do Sul, Brasil

AUTORES
Gass, S.L.B. (PPG GEOGRAFIA UFRGS) ; Verdum, R. (PPG GEOGRAFIA UFRGS)

RESUMO
Diferentes estudos mostram que o uso da paisagem para a análise geográfica vem sendo ampliado. Avaliamos as alterações na paisagem ligadas à dinâmica geomorfológica e sua interferência no uso do solo, através de dados cartográficos, definição de áreas amostrais e trabalho de campo. Observou-se que nas pequenas propriedades a paisagem mantém remanescentes nativos e nas grandes propriedades, com interferência do avanço tecnológico, ocorre a negação das potencialidades paisagísticas locais.

PALAVRAS CHAVES
Paisagem; Geomorfologia; Uso do solo

ABSTRACT
Different studies show that the use of landscape to the geographical analysis has been expanded. We evaluated the changes in the landscape related to the geomorphological dynamics and its interference in land use through map data, definition of sampling areas and field work. It was observed that in small properties the landscape keeps remaining natives and the large farms, with interference of technological advancement, is the negation of the potential local landscape.

KEYWORDS
Landscape; Geomorphology; Soil use

INTRODUÇÃO
O estudo da paisagem como porta de entrada para a análise geográfica tem conquistado ao longo do tempo um significativo número de adeptos. Várias escolas fizeram história e construíram os fundamentos básicos para a aplicação deste conceito na ciência geográfica. Seja como paisagem, landsacape, landschaft, paysage, paisaje ou outras denominações encontradas na literatura, sempre há uma definição e um caminho possível a ser seguido com o intuito de analisarmos os nossos objetos de estudo a partir desta perspectiva. Para Ab’Saber (2003) há dois níveis de abordagem quando se trata da paisagem. No primeiro, a paisagem tem o caráter de herança de processos de atuação antiga, remodelados e modificados por processos de atuação recente como a compartimentação topográfica, as variações climáticas e ecológicas do flutuante universo paisagístico e hidrológico. No segundo, é possível identificar que as diferentes nações herdam fatias do mesmo conjunto paisagístico de longa e complicada elaboração. Não são apenas espaços territoriais, mas paisagens e ecologias pelas quais são responsáveis. Estudos realizados por Mantelli (2001) que subsidiaram os estudos apresentados por Gass (2010), servem como comprovação da relação entre paisagem e geomorfologia. A definição de Unidades de Paisagem através do cruzamento dos dados do meio físico (solo e declividade) e de uso e ocupação (estrutura fundiária e mão de obra ocupada) demonstram que a geomorfologia, em especial as interferências causadas no vale do Rio Uruguai, são condicionantes ao uso e a ocupação do solo e que se ratificam na delimitação e na análise das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do rio Santo Cristo, localizado no noroeste do RS, afluente do rio Uruguai. Desta forma, objetivou-se avaliar as alterações na paisagem, condicionadas à dinâmica geomorfológica e sua interferência no uso do solo atual, com ênfase na estrutura fundiária, a partir da análise de dados cartográficos e trabalhos investigativos em campo.

MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo foi aplicado na bacia hidrográfica do rio Santo Cristo, afluente do rio Uruguai, localizada no noroeste do RS. Caracterizada, conforme Guasselli et al. (2006) como sendo de “uso agrícola intensivo no verão e no inverno”, tem como cultivos predominantes a soja, o trigo e o milho. Para este estudo foram utilizados os seguintes materiais: 1º - estudo desenvolvido por Mantelli (2001), que estabeleceu unidades homogêneas para a Região Noroeste do RS, resultando num mapa final com a definição de seis unidades; 2º - mapa geomorfológico do projeto RADAM-Brasil (BRASIL, 2003a e 2003b); 3º - resultados da dissertação de mestrado (GASS, 2010) que trata das APPs no canal principal da Bacia do Rio Santo Cristo e, 4º - trabalho de campo com levantamento fotográfico necessário a análise proposta. O estudo foi iniciado pela análise dos materiais selecionados, com o intuito de identificar compatibilidades e diferenças entre eles. Posteriormente, foram selecionadas as áreas a serem visitadas a campo para que fosse possível melhorar os procedimentos de análise e compreensão das relações que podem ser construídas, no âmbito da Bacia do rio Santo Cristo, entre os condicionantes geomorfológicos, o uso do solo e as alterações ou manutenções da paisagem. Num terceiro momento, realizou-se o trabalho de campo para visita, em especial, nas áreas em que se observou, pela análise dos documentos cartográficos, condicionantes geomorfológicos mais significativos que interferiram no uso do solo e na paisagem. Neste trabalho de campo foi feito um amplo levantamento fotográfico para que fosse possível construir um mosaico para demonstrar as interferências identificadas. Finalizando o estudo, realizou-se a análise dos dados cartográficos e de campo que ratificaram a existência das áreas nas quais a paisagem sofreu maior interferência pelo uso do solo, considerando-se os condicionantes geomorfológicos, como havia sido identificado na avaliação inicial dos documentos disponíveis.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo Mantelli (2001), a Bacia do rio Santo Cristo se insere em três unidades homogêneas. A primeira (U3) caracteriza-se pelo predomínio de pequenas propriedades com solos litólicos e declividades moderadas. Esta unidade ocorre na porção centro-oeste e norte da bacia, apresentando diferenciações geomorfológicas, sendo a primeira caracterizada pelo Planalto de Santo Ângelo (PSA) e a segunda pelo Planalto Dissecado do Rio Uruguai (PDRU). A geomorfologia regional permite identificar que, no PSA, os terrenos são mais homogêneos sob o aspecto topográfico, permitindo uma exploração mais intensiva do solo. Já no PDRU, a dissecação deu origem a vales mais profundos com encostas mais íngremes, dificultando as atividades agropastoris. A segunda (U4) apresenta predomínio de médias propriedades com solos litólicos e declividades moderadas. É a de maior abrangência na bacia, destacando-se na porção noroeste, central e faixa centro-leste. Sob o ponto de vista geomorfológico, sua ocorrência na porção noroeste é influenciada pelo PDRU e pelo Planalto dos Campos Gerais (PCG). Já na porção central e faixa centro- leste, a influência se dá pelo PSA e pelo PDRU. No caso do PCG, há uma homogeneidade nas características do terreno, inclusive com a presença de remanescentes de Araucárias, assemelhando-se topograficamente ao PSA. Contudo, a diferença está nas faixas de contato entre o PCG e o PDRU, que apresenta escarpas erosivas. Ocorre, portanto, uma mudança abrupta nas potencialidades de uso do solo nesta porção da bacia. Já a terceira (U6) com predomínio de grandes propriedades em latossolos, abrange a porção sul da bacia em terrenos do PSA. Como esta ocorrência se dá nas regiões mais altas da bacia, a homogeneidade do terreno é maior e a transposição do divisor de águas para as bacias vizinhas é tênue. Desta forma, suas características favorecem o uso intensivo do solo em grandes parcelas. Os trabalhos de campo permitiram estabelecer as relações entre a geomorfologia e a paisagem, subsidiando a análise proposta. Percorrendo a bacia no sentido norte-sul (da foz a nascente), foi possível observar que a estrutura fundiária formada por pequenas propriedades encaixadas nos vales dissecados são aquelas que se dedicam a atividades da agricultura familiar, mantendo áreas protegidas, em especial com cobertura florestal nativa. Este fato ocorre em virtude das impossibilidades técnicas de exploração destas áreas, sobretudo, pelos condicionantes pedo-morfológicos. Ao mesmo tempo observa-se tentativas de uso das encostas (com declividades em torno dos 60 graus) em especial para a prática da pecuária. Este fator gera, em virtude do pisoteio do gado, grandes fragilidades no solo aumentando as possibilidades de instabilização das encostas. À medida que nos afastamos do rio Uruguai, diminui a interferência da sua dissecação. Este fator condiciona a estrutura fundiária, representando um aumento do tamanho das propriedades e a alteração do tipo de agricultura desenvolvida, fato já demonstrado pelos dados cartográficos. Significa ainda que, a manutenção de áreas com mata nativa diminui nessas propriedades pela potencialidade de uso do solo. Ao mesmo tempo, a manutenção da paisagem com elementos remanescentes, sobretudo, de espécies vegetais arbustivas e arbóreas nativas e de solos pouco manejados para uso agrícola está diretamente relacionada aos condicionantes geomorfológicos existentes, em especial ao forte dissecamento provocado pelo rio Uruguai e seus afluentes. Percorrer a bacia da foz à nascente significa passar por paisagens que tem mantido elementos que agregam aspectos anteriores à intervenção social intensiva, que ocorreu com a introdução da mecanização e das monoculturas na agricultura, a partir dos anos de 1960. Assim, se pode diferenciar porções do espaço que vêm sofrendo pouca interferência do avanço tecnológico na agropecuária até se chegar a paisagens que representam, na atualidade, a negação das poten

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado teve a preocupação de subsidiar pesquisas que visem à compreensão da paisagem a partir dos elementos geomorfológicos e outros que se integram a eles (cobertura vegetal, solo e rocha). O apoio em materiais e estudos distintos que, até o momento, não haviam sido relacionados entre si, demonstra o potencial que tais leituras oferecem aos estudos geográficos. Abrem-se, com este estudo, caminhos para que se busque seu aprofundamento e a aplicação em outros temas, dentre os quais se pode citar as APPs, que devem ser consideradas como elementos paisagísticos de manutenção da biodiversidade e que considerem em seu referencial a preservação e a conservação da natureza para os processos de desenvolvimento socioeconômicos.

AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos são à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes, pela concessão de bolsa de doutorado, modalidade Capes/Reuni e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da UFRGS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
AB’SÁBER, Aziz. Os domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. DGC. RADAM-Brasil Geomorfologia: folha Santa Rosa (SG.21-Z-D). Rio de Janeiro: IBGE, 2003a. Mapa. Escala 1:250.000.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. DGC. RADAM-Brasil Geomorfologia: folha Santo Ângelo (SH.21-X-B). Rio de Janeiro: IBGE, 2003b. Mapa. Escala 1:250.000.
GASS, Sidnei Luís Bohn. Áreas de preservação permanente (APPs) e o planejamento do seu uso no contexto das bacias hidrográficas: metodologia para adequação dos parâmetros legais. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Programa de Pós-Graduação em Geografia, Porto Alegre, RS, 2010.
GUASSELLI, Laurindo Antônio; SALDANHA, Dejanira Luderitz; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; DUCATI, Jorge Ricardo; FONTANA, Denise Cybis. Macrozoneamento do Estado do Rio Grande do Sul. Pesquisas em Geociências, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 3-11, 2006. Disponível em: <http://www.pesquisasemgeociencias.ufrgs.br/33-1.html>. Acessado em: 18 jan. 2012.
MANTELLI, Jussara. Evolução e Tendências do Setor Agrário na Região Noroeste do Rio Grande do Sul: uma proposta de análise. 2001. Tese. (Programa de Pós-Graduação em Geografia: Geografia Humana) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.