Anais: Geomorfologia fluvial

AJUSTE NA GEOMETRIA DO CANAL NA TRANSIÇÃO DE LEITO ALUVIAL PARA LEITO ROCHOSO NO RIO CASCAVEL, CENTRO SUL DO PARANÁ

AUTORES
Lima, A.G. (UNICENTRO) ; Soares, M.F. (UNICENTRO)

RESUMO
Realizou-se um estudo com dados de 32 seções transversais em um segmento de canal (1,58 km) que apresenta sequencialmente trechos em leito aluvial, transicional e rochoso. O objetivo foi analisar o ajuste morfológico entre largura e profundidade, com uma mínima variação longitudinal da vazão. Os resultados mostram comportamentos (variabilidade e tendências) distintos entre os trechos analisados.

PALAVRAS CHAVES
canal rochoso-aluvial; largura; profundidade

ABSTRACT
We conducted a study with data from 32 cross sections in a segment of the channel (1.58 km) sequentially presenting alluvial bed, transitional bed and rock bed. The objective was to examine how morphological adjustment occurs between width and depth with minimum discharge variation along the reach. The results show different behaviors (variability and trends) between the different reaches analyzed.

KEYWORDS
bedrock-alluvial channel; width; depth

INTRODUÇÃO
O ajuste da geometria (largura e profundidade) de um canal fluvial depende, sobretudo, da vazão (LEOPOLD; MADDOCK, 1953). Entretanto, diversos outros aspectos influenciam o ajuste das variáveis morfológicas, tais como as modificações no ambiente urbano (FERNANDEZ, 2004) e os detritos lenhosos em áreas florestadas (MONTGOMERY; PIEGAY, 2003; BINDA; LIMA, 2008). Em canais de leito rochoso o ajuste da geometria hidráulica é ainda pouco conhecido, embora seja de fundamental importância para o entendimento da dinâmica da incisão fluvial e, consequentemente, da evolução das paisagens (FINNEGAN et al., 2005). A alternância de trechos rochosos e aluviais, nos chamados rios de leito misto, é outra fonte de complexidade para o entendimento da dinâmica fluvial nas áreas montanhosas e de planaltos, onde esses rios são frequentes. Visando contribuir para o conhecimento geomorfológico dos rios de leito misto, o presente artigo procura caracterizar o ajuste da geometria de um canal que apresenta sequencialmente trechos em leito aluvial, transicional e rochoso. Estudou-se em detalhe a variabilidade da largura e da profundidade de um segmento fluvial instalado sobre rochas vulcânicas ácidas (riodacitos), em ambiente florestado. A pequena extensão do canal permitiu avaliar os ajustes morfológicos nas condições de mínima variação longitudinal da vazão.

MATERIAL E MÉTODOS
O segmento fluvial estudado pertence ao Rio Cascavel e localiza-se no interior do Parque Municipal das Araucárias, em Guarapuava, PR. O segmento é um dos poucos com proteção da vegetação natural de pinheiros e se estende por 1,58 km. O trecho pesquisado possui padrão meândrico em cerca de dois terços de sua extensão, sendo caracterizado por ser aluvial. No segmento final, entretanto, o rio assume características de rio de leito rochoso. Foram levantadas 32 seções transversais ao longo do rio. Cada seção foi levantada ao nível de margens plenas. Para isso, cada seção foi materializada com uma linha de nylon estendida sobre o canal, devidamente nivelada e fixada nas margens por estacas de madeira. A partir da linha foi efetuada a medida de largura do canal, utilizando-se trena, e das profundidades do canal de margens plenas, utilizando-se uma régua, em intervalos regulares de 30 cm. As seções foram georeferenciadas com o uso de um GPS Leyca SR-20 e posteriormente localizadas no mapa do canal previamente elaborado também via GPS. Em função da pequena área de drenagem abrangida pelo Parque das Araucárias, o que implica em uma variação de vazão pequena ao longo do segmento estudado, optou-se por fazer a relação das variáveis morfométricas do canal (largura e profundidade) não com a área de drenagem, mas com a distância do ponto inicial. Este ponto corresponde à entrada do canal no parque.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A variabilidade da largura é bem marcada (desvio padrão = 0,60), sem uma tendência única de aumento (Figura 1). Percebe-se que existem tendências de variação da largura em trechos específicos do canal. No primeiro trecho (seções 1 a 9, leito aluvial), há uma variabilidade grande das larguras e, aparentemente, há tendência de diminuição rio abaixo. No trecho seguinte (seções 10 a 18, leito aluvial), depois de aumentar significativamente para 5,5 m, a largura mostra tendência de diminuição, chegando novamente ao patamar de 3,7 m. Na sequência (seções 19 a 26, leito de transição aluvial-rochoso), as larguras voltam a aumentar e atingem o valor máximo observado dentro do Parque (6,5 m). No trecho final, em leito rochoso, as larguras tendem a diminuir progressivamente. A profundidade média do canal varia de 0,52 a 1,41 m (Figura 1), porém a variabilidade é bem menor que a largura (desvio padrão = 0,17). Do início do canal até a seção 14 a profundidade oscila, contudo mantém-se em torno de 1,1 m (desvio padrão = 0,1). A partir da seção 15 há certa tendência de diminuição rio abaixo (desvio padrão = 0,2). A largura é a variável morfológica mais sensível do canal, pelo que se depreende de sua variabilidade. No trecho aluvial essa variabilidade pode se relacionar com controles como a presença intermitente ao longo do canal de detritos lenhosos, ou de maior e menor aumento da resistência das margens pela variação do porte da vegetação ripária. Entretanto, o padrão sistemático de aumento súbito e diminuição progressiva, notado ao longo das seções 1 a 15, sugere um controle maior derivado da dinâmica do fluxo no canal. Excluindo as pequenas variações, em termos gerais o marcado aumento da largura (seções 19-26) coincide com a diminuição progressiva da profundidade. Note-se que isso ocorre no trecho transicional aluvial-rochoso. Isso indica diminuição rio abaixo da espessura da cobertura aluvial. O ajuste do canal ocorre progressivamente com a erosão atuando mais sobre as margens, na medida em que a cobertura aluvial do leito se torna mais fina e a rocha é exposta. No trecho de leito rochoso exposto a variabilidade total da largura é grande, porém mostra tendência de diminuição, juntamente com a profundidade. Esse comportamento é consistente quando se observa que a declividade aumenta e acomoda o fluxo, fato já constatado por outros estudos em rios de leito rochoso (p. ex. FINNEGAN et al., 2005). Em leito rochoso a largura tende a ser muito variável devido a diversos aspectos (WHIPPLE, 2004). No caso estudado nota-se uma consistente diminuição rio abaixo. A extensão do trecho rochoso não permite saber se o padrão sistemático de diminuição progressiva e aumento súbito notado no segmento aluvial (seções 1-15) também se repete no segmento rochoso. Combinando as medidas de largura e profundidade média em um único índice (razão de aspecto) pode-se ter uma melhor noção de como ocorre o ajuste morfológico do canal frente às condições transicionais de leito (Figura 2). A razão de aspecto (largura/profundidade) tende a ser constante quando o canal é esculpido em um único tipo de material. Porém, vários fatores podem afetar essa relação (DeMARCO, 2008). Como a largura do canal estudado possui variação maior que a profundidade, a sua influência sobre a razão de aspecto é mais forte, de modo que o comportamento da largura e da razão de aspecto é quase mimetizado. Contudo, no trecho rochoso a profundidade diminui mais rapidamente em relação à largura, mantendo a tendência de aumento da razão de aspecto observada no trecho de transição (seção 18-26). Esses ajustes somente são possíveis pelo aumento da declividade. O comportamento do trecho rochoso pode ser atribuído em parte a um pequeno aumento na vazão, mas ele pode ser entendido também como ajuste da tensão de cisalhamento no leito frente à resistência do material rochoso. A diminuição da profundidade e da largura concentra o gasto de energia na incisão do canal, aumentando a declividade.

Figura 2

Razão de aspecto (largura/profundidade) no segmento estudado do Rio Cascavel.

Figura 1

Variação da largura (circ.) e da profundidade (losang.) no canal. Escala vertical em metros. Os n.º 9, 15, 18 e 26 indicam seções mencionadas no texto

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A largura oscila mais que a profundidade em todo o segmento aluvial e transicional estudado, o que mostra a maior sensibilidade dessa variável aos fatores de controle sob condições aluviais. Entretanto, um padrão de diminuição progressiva e aumento súbito parece ser característica fundamental dessa variação, mesmo em leito rochoso. Neste último, mais dados de campo serão necessárias para validar o que foi observado. A variabilidade morfológica do trecho aluvial pode ser derivada da dinâmica da hidráulica do fluxo, uma vez que não há aumento significativo da vazão. No trecho transicional, a redução da cobertura aluvial e aproximação da rocha do leito determinam a tendência de aumento da largura e da razão de aspecto. No trecho rochoso um pequeno aumento da vazão pode ser considerado como fator condicionante das tendências morfológicas, mas a incisão direta na rocha provavelmente implica em ajuste da energia erosiva e da geometria do canal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BINDA, A.L.; LIMA, A.G. Morfologia e processos fluviais: o papel dos detritos lenhosos. Bol. Goiano Geografia, v. 28, n. 2, p. 59-74, 2008.

DeMARCO, K. A. The effect of structure and lithology on the aspect ratio of fluvial channels: a field-based quantitative study of the New River in three geologic provinces. Master Thesis. Virginia Polytechnic Institute and State University. Disponível em: http://scholar.lib.vt.edu/theses/available/etd-12012008- 114647/unrestricted/Kristyn_DeMarco_THESIS.pdf> Acesso em mar 2012.

FERNANDEZ, O.V.Q. Relações da geometria hidráulica em nível de margens plenas nos córregos de Marechal Cândido Rondon, região oeste do Paraná. Geosul, v. 19, n. 37, p 115-134, 2004.

FINNEGAN, N.J.; ROE, G.; MONTGOMERY, D.R.; HALLET, B. Controls on the channel width of rivers: Implications for modeling fluvial incision of bedrock. Geology, v.33, n.3, p. 229-232, 2005.

LEOPOLD, L.B.; MADDOCK, T. The hydraulic geometry of stream channels and some physiographic implications. U.S. Geol. Surv. Professional Paper, Washington, v.252, 57 p., 1953.

MONTGOMERY, D.R.; PIÉGAY, H. Wood in rivers: interactions with channel
morphology and processes. Geomorphology, v.51, p. 1-5, 2003.

WHIPPLE, K.X. Bedrock rivers and the geomorphology of active orogens. Annual Review of Earth and Planetary Sciences, v.32, p.151-185, 2004.