Anais: Geomorfologia fluvial

A definição do nível de margens plenas do rio Paraná por meio de imagens orbitais

AUTORES
Souza Filho, E.E. (UEM) ; Montanher, O.C. (INPE)

RESUMO
A seção de Porto São José foi modificada após a UHE de Porto Primavera, assim como a vazão de margens plenas (Qmp). Este trabalho objetiva a obtenção da Qmp no período pós-barragem por meio de imagens orbitais. Os dados foram correlacionados ao nível fluviométrico e os níveis necessários para área e perímetros nulos foram calculados, resultando em 3,8 m (10.030 m3/s) e 3,86 m (10.165 m3/s) para a área e o perímetro, o que demonstrou que os valores são muito mais baixos que os anteriores.

PALAVRAS CHAVES
vazão de margens plenas; barras fluviais; rio Paraná

ABSTRACT
The section of Port São José was modified after the Porto Primavera Dam, as well as the value of bankfull discharge. The paper aims to calculate the bankfull discharge in the period post-dam by orbital imagery. The data were correlated to the values of the fluviometric level and the levels required for area and perimeter null were calculated. The levels obtained were 3.80 m (10,030 m3/s) and 3.86 m (10,165 m3/s) for the area and perimeter, both lower than the previously calculated.

KEYWORDS
bankfull discharge; fluvial bars; Parana River

INTRODUÇÃO
A seção fluvial do rio Paraná situada no distrito de Porto São José (Município de São Pedro do Paraná, PR) vem sendo estudada desde a década de 1980 por pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá. Isso se deve ao fato dela possuir uma estação fluviométrica (código 64575000) ativa desde outubro de 1963, estar localizada em um segmento de canal único e situar-se pouco a jusante da foz do rio Paranapanema, a poucas dezenas de quilômetros das barragens de Porto Primavera e de Rosana (Figura 1). A vazão de margens plenas para a referida seção foi calculada por FERNANDEZ & SOUZA FILHO (1995) a partir da altura relativa das barras fluviais e foi definida em 11.270 m3/s, ao nível de 4,6 m na referida estação fluviométrica e com recorrência de 1,09 anos. Contudo, no final de 1998 o reservatório de Porto Primavera começou a ser formado, a barragem passou a controlar a descarga fluvial e cortou o suprimento detrítico, o que levou à instalação de um processo de ajuste fluvial (SOUZA FILHO, 1999; SOUZA FILHO et al., 2001). O processo de ajuste modificou a geometria do canal porque as formas de leito tiveram seu tamanho reduzido pela perda das frações mais finas e passaram a ser dominadas por areia grossa e cascalho (SOUZA FILHO, 2009; 2012). A modificação da geometria hidráulica alterou as condições hidrodinâmicas da seção (OKAWA, 2008; SOUZA FILHO, 2009). Uma vez que a hidrodinâmica do canal foi modificada, o valor da descarga de margens plenas pode ter sido alterado, o que justifica a realização deste trabalho, uma vez que seu objetivo é a obtenção da descarga de margens plenas do rio Paraná na seção de Porto São José.

MATERIAL E MÉTODOS
A abordagem aqui realizada está baseada no conceito de WOLMAN & LEOPOLD (1957), que consideram que a descarga que atinge as partes mais altas das barras fluviais do canal é a vazão de margens plenas nos rios entrelaçados. Desta maneira, a cota fluviométrica necessária para cobrir as barras fluviais é o nível de margens plenas. Contudo, a seção de Porto São José não possui barras emersas e isso é um problema, pois se for adotado o critério de verificar a altura das barras em relação ao nível da água e projetar a diferença para a obtenção da cota necessária para que tais formas sejam cobertas (FERNANDEZ & SOUZA FILHO, 1995), há necessidade de se considerar as variações do gradiente do leito e do gradiente hidráulico. Infelizmente, a seção está situada em um local em que o gradiente do leito varia de 6,9 para 5,4 cm/km (SOUZA FILHO, 1993) e os autores anteriormente citados não consideraram esta situação. A opção aqui adotada foi a de verificar a relação entre a área de barras expostas e o nível fluviométrico na estação de Porto São José. Para isso, utilizou-se 9 imagens TM/LANDSAT 5 da cena 223/076 obtidas entre 2000 e 2009 em dias com diferentes níveis fluviométricos. Foi utilizada a banda 7 para a verificação da área total, do perímetro total e do número de barras emersas existentes na área mostrada pela Figura 1. O recorte do canal da Figura 1 foi escolhido para o trabalho porque permite a observação de uma ampla área em que a seção ocupa a parte central. A utilização da banda 7 é justificada pelo contraste proporcionado entre a alta absorção da água e a elevada reflectância dos corpos arenosos. Os valores obtidos em cada imagem foram relacionados à cota fluviométrica registrada em cada data e tratados por meio de análise de regressão, considerando-se o nível fluviométrico como variável independente e, a área, o perímetro e o número de barras como variáveis dependentes. A análise foi realizada por meio do programa STATISTICA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados de área total de barras, do perímetro total e o número de barras observadas nos diferentes níveis fluviométricos encontram-se na Tabela 1. A imagem do dia 02/04/2000 indica que o nível de margens plenas é inferior a 3,92 m, uma vez que não há barras visíveis nesta data. Por outro lado, a imagem de 22/02/2009 demonstra que a cota de 3,60 m não é suficiente para cobrir todas as barras, visto que há 4 barras expostas. Tabela 1 – Data das passagens utilizadas, cota fluviométrica, área total, perímetro total e número de barras fluviais expostas. Data Cota Área (m²) Perímetro (m) Número de barras 02/04/2000 3,92 0 0 0 10/07/2001 1,18 3904196 102596 129 12/09/2001 1,49 1839747 51059 68 03/08/2004 2,45 381555 15271 17 22/04/2007 2,52 259920 11084 20 13/09/2007 2,90 93409 4615 11 20/12/2008 2,00 830729 25074 31 22/02/2009 3,69 10378 980 4 11/04/2009 3,34 15732 1165 5 Uma vez estabelecido que o nível de margens plenas encontra-se no intervalo entre 3,69 e 3,92 m, os dados foram tratados por meio de análise de regressão. A análise demonstrou que a relação entre os valores da cota fluviométrica e as três variáveis utilizadas é uma função exponencial (Figura 2) e os valores de R² são elevados. A verificação de que as variáveis apresentam uma relação exponencial com o nível fluviométrico gerou um problema: as funções exponenciais não possuem raiz, ou seja, não cortam os eixos, o que torna impossível verificar qual é a cota necessária para a obtenção do valor zero da área, perímetro e número de barras. Para resolver o problema foi utilizado o valor mínimo de área, perímetro e do número de barras nas equações da Figura 2. Para isso, utilizou-se a área mínima de 1 pixel, ou 900 m2 (a resolução da imagem é de 30 metros), o perímetro mínimo de 120 m e o número mínimo de barras igual a 1. Os resultados obtidos foram de 4,74 m para a área mínima, 4,77 m para o perímetro mínimo e de 4,61 m para uma barra. Ou seja, o uso das equações exponenciais obteve resultados superiores ao limite superior de 3,92 m e, por esta razão, foram descartados. Outra solução foi a realização da análise de regressão utilizando os valores mais baixos, uma vez que eles dispõem-se em linha reta. Foram realizadas três abordagens, utilizando-se os 6 valores mais baixos, os cinco valores e os quatro valores. O uso dos quatro valores mais baixos apresentou os melhores coeficientes de determinação (R2) (Figura 2) e, por esta razão foram utilizados para o cálculo do nível de margens plenas. Por quantidade, entende-se o número de barras expostas. A aplicação das equações da figura 2 para a obtenção do valor da cota fluviométrica para o valor zero das três variáveis resultou em 3,80 m para a área zero, 3,86 m para o perímetro zero e 3,97 m para nenhuma barra. Uma vez que o último valor é superior a 3,96 m, ele foi descartado e conclui-se que o nível de margens plenas está situado entre 3,80 e 3,86 metros. Os dois valores foram utilizados para a determinação dos intervalos da vazão de margens plenas por meio do uso da curva-chave da estação de Porto São José e as descargas referentes a estas cotas fluviométricas são 10.030 e 10.165 m3/s. A recorrência destas descargas é alta, uma vez tais números foram superados em 270 e 254 vezes no período entre dezembro de 1998 e o final de 2011. Tais dados indicam que as barras fluviais diminuíram sua altura em 80 centímetros e que a vazão de margens plenas encontra-se próximo à descarga média do período pós barragem (9.357 m3/s, entre 1999 e 2011). Ou seja, a geometria hidráulica da seção de Porto São José sofreu modificação após a construção da barragem de Porto Primavera.

Figura 1

(A) Recorte da imagem LANDSAT 5/TM (cena 223/076, banda 4) de 02/04/2000; (B) Área do canal do rio Paraná utilizada para o estudo.

Figura 2

(A) Regressão entre a cota fluviométrica e as outras variáveis; (B) Regressão entre cota fluviométrica e os quatro valores mais baixos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem realizada possibilitou a definição da vazão de margens plenas para a seção de Porto São José e demonstrou outra faceta do ajuste fluvial que o rio Paraná está submetido. Os dados demonstram que tanto o nível fluviométrico como a vazão de margens plenas tiveram significativas reduções no período posterior à barragem, mas há necessidade de confirmação dos valores anteriores à barragem por meio da aplicação desta técnica. A ferramenta é de fácil aplicação e sua utilização pode ser estendida a outros rios entrelaçados, a outras seções fluviais do rio Paraná e a outros períodos de tempo, desde que dentro do período de cobertura do imageamento orbital.

AGRADECIMENTOS
Somos gratos ao CNPq pelo financiamento dos projetos “A planície de inundação do Alto rio Paraná” (PELD, site 6) e “Diagnóstico Ambiental da Planície do rio Paraná: as transformações da calha fluvial” (processo 307676/2009-9). Também gostaríamos de agradecer ao INPE pela disponibilização gratuita das imagens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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SOUZA FILHO, E.E. The anthropic influence on the fluvial dynamics in different hydrografic basins of the Da Prata River. In: Oliver Hensel; Jeferson Francisco Selbach;Carolina Bilibio. (Org.). SUSTAINABLE WATER MANAGEMENT IN THE TROPICS AND SUBTROPICS - AND CASE STUDYS IN BRAZIL. 1 ed. Kesse: Unipampa/Unikassel, v. 3, p. 209 – 234, 2012.

WOLMAN, M.G. & LEOPOLD, L.B. 1957. River flood plains some observations in their formations. U.S. Geol. Survey Prof. Paper 282-C. Washington, D.C., 86-109.