Anais: Geomorfologia fluvial

IMPEDIMENTOS DE TRANSMISSÃO EM AMBIENTE FLUVIAL: BACIA DO RIACHO DO SACO, SERRA TALHADA/PE

AUTORES
Souza, J.O.P. (UFPE) ; Barros, A.C.M. (UFPE) ; Correa, A.C.B. (UFPE)

RESUMO
O presente artigo analisou os impedimentos de transmissão da bacia do riacho do Saco, semiárido pernambucano, através de uma abordagem baseada na conectividade da paisagem. Utilizando mapeamentos de uso do solo e geomorfológico, imagens QUICKBIRD e informações de campo, identificaram-se os impedimentos de transmissão presentes na bacia, com ênfase nos impedimentos longitudinais e laterais. Os principais impedimentos encontrados foram vales preenchidos, barragens e planícies de inundação.

PALAVRAS CHAVES
Conectividade da paisagem; Impedimento de transmissã; Geomorfologia Fluvial

ABSTRACT
This paper analyzed the impediments of conveyance of the Saco river watershed, Serra Talhada semi-arid of Brazil, using the approach of the landscape connectivity. Using land use and geomorphological maps, QUICKBIRD images and field data, have identified the impediments of transmission presents on watershed, with emphasis in the longitudinal and lateral impediments. The majors impediments was valleys fill, dams and floodplains.

KEYWORDS
Landscape Connectivity; Conveyance Impediment; Fluvial Geomorpgology

INTRODUÇÃO
O gerenciamento de recursos hídricos a partir das bacias hidrográficas está, normalmente, focada apenas no elemento água. Observa-se, também, uma maior complexidade quando se trata de um ambiente semiárido sem a presença de um curso d’água perene, nascentes, ou outra fonte de água naturalmente disponível o ano inteiro (VIEIRA, 2003). Essa característica levou ao estabelecimento de uma rede de estrutura hídrica baseada na construção de açudes/barragens tendo como objetivo básico o abastecimento das populações das áreas semiáridas do Brasil (MOLINAS, 1996). O planejamento e gerenciamento desses reservatórios estão baseados, apenas, na quantidade de precipitação da área de drenagem, e, raramente, na quantidade de sedimento gerado em toda a bacia (MOLINAS, 1996; OLIVEIRA e LANNA, 1997). Deste modo são negligenciadas questões relacionadas às dinâmicas de transmissão de energia e matéria no sistema; entre outras questões, com ênfase em geomorfologia fluvial, necessárias para a gestão ambiental da área. Delineando, assim, a necessidade de pesquisas verticalizadas sobre o sistema físico das bacias, e sua relação com o sistema antrópico, para que a partir dos dados obtidos seja possível pensar concretamente em planejamento local. Assim, esta pesquisa procurou analisar o sistema físico da bacia de drenagem do riacho do Saco (área de 162 Km²), localizado no Sertão de Pernambuco, dando ênfase ao sistema fluvial, e a partir disso avaliar a questão do planejamento regional voltado à açudagem no semiárido brasileiro. A bacia apresenta uso predominantemente agro- pastoril (subsistência, cana-de-açúcar e gado), com a presença de dois adensamentos urbanos principais. Assim colocou-se a analise da transmissão de energia e matéria no sistema como objetivo desta pesquisa, utilizando como base teórico-metodológica a ideia da conectividade da paisagem (BRIERLEY et al, 2006) e tendo como paradigma holístico a ideia sistêmica da sensitividade da paisagem (BRUNSDEN, 2001).

MATERIAL E MÉTODOS
O mapeamento da conectividade da paisagem tem como objetivo identificar os elementos que influenciam na transmissão de energia, tanto impedindo ou diminuindo os fluxos quanto incrementando o mesmo (FRYIRS et al, 2007b). Esses elementos são divididos em quatro tipos; impedimentos longitudinais, laterais e verticais ou intensificadores (FRYIRS et al, 2007a). Contudo, como o foco do presente trabalho foi à análise da transmissão de energia e matéria pelo sistema apenas os elementos que geram desconectividade lateral ou longitudinal foram analisados (FRYIRS et al, 2007b), focando o transporte dentro dos canais e a relação da encosta com o canal. A análise desses impedimentos revela não apenas informações sobre a transmissão pelo sistema, como também dados sobre os depósitos e formas sedimentares da bacia, pois ao analisar os impedimentos de fluxo, pode-se avaliar onde há deposição de sedimentos e onde a transmissão é livre e tem mais energia para retrabalhar os depósitos existentes (FRYIRS et al, 2007b). Nos rios de terras secas (semiárido, árido e subúmido) a maior porcentagem de carga sedimentar é de carga de fundo, deste modo é esse tipo de transporte de sedimento relacionado com a maior parte das formas deposicionais (GRAF, 1988). Deste modo, foram analisados os impedimentos alteram a transmissão de sedimentos de carga de fundo através da bacia. A identificação dos elementos desconectantes foi realizada, inicialmente a partir do mapa de declividade, do mapa geomorfológico e do mapeamento de uso dos solos (FRYIRS et al, 2007b). A análise inicial desses mapas identificou dois ambientes distintos, um mais baixo pedimentar com predominância de luvissolo crômico e um mais alto com predominância de colúvios e cambissolos. Posteriormente foram incluídas na analise, elementos e informações obtidas em campo e a partir das imagens QUICKBIRD. Deste modo identificando e localizando os fatores desconectantes da paisagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentro da sensitividade da paisagem o conceito de ligação é trabalhado como sendo a característica responsável pela propagação dos processos pelo sistema (BRUNSDEN, 2001). Já a conectividade da paisagem é colocada como a possibilidade de interação e circulação de energia e matéria entre os compartimentos da paisagem. Desse modo podem-se observar entre os elementos da paisagem fatores de conectividade e/ou fatores de desconectividade longitudinal, lateral ou vertical. A compreensão dessas interações fornece uma plataforma para interpretar a operação dos processos fluviais (BRIERLEY et al, 2006). A ligação longitudinal é a interação na rede de canais; entre alto curso e baixo curso, ou canal secundário e canal principal. A ligação lateral é a relação do canal com a paisagem ao redor; entre a encosta e o canal ou entre as planícies de inundação e o canal. Por fim, a ligação vertical diz respeito à interação superficial e sub-superficial de água e de sedimentos, como textura do leito, o regime de transporte no canal e a relação entre o fluxo superficial e sub- superficial (FRYIRS et al, 2007a). Fundamentado nessas questões o mapa de conectividade, por sua vez, indica os principais elementos que atuam como impedimentos dentro da bacia de drenagem. Para Brierley et al (2006), entender a conectividade entre os compartimentos da paisagem é essencial para a explicação das relações espaciais e o comportamento de fluxos biofísicos. Deste modo, os elementos de conectividade encontrados em análises de campo e gabinete e representados no mapa agem interrompendo a entrada de energia e matéria das encostas para os canais, e a transmissão de energia e matéria ao longo do canal. Foram identificados como impedimentos: leques aluviais, açudes, canais tributários preenchidos, planícies de inundação e estradas. As áreas urbanas foram consideradas por modificarem de forma diferenciada a transmissão dos fluxos. Os leques aluviais estão localizados no encontro entre dois canais, onde um deles deposita uma grande carga sedimentar no canal principal que não tem força para transportar essa carga. Eles atuam “capturando” o sedimento de carga de fundo, ao mesmo tempo em que o fluxo do canal o retrabalha. Dependendo do tamanho do leque e da descarga de sedimentos do canal tributário há a possibilidade do estrangulamento/barramento do canal principal. O preenchimento dos canais tributários dá-se, normalmente, pela acreção das planícies de inundação que entulham o exutório do canal tributário, o que depende da força do fluxo do canal tributário e da sedimentação a montante desse barramento inicial. Esse processo é comum na área de pesquisa, por dois motivos específicos; a grande carga sedimentar nos patamares superiores (clima subúmido e vegetação degradada), e a sedimentação gerada pela mudança do nível de base com a implantação de açudes. Já os açudes capturam, normalmente, toda a carga de fundo dos canais barrados. Além de gerar os efeitos já mencionados. Eles se concentram na parte inferior da bacia que apresenta um clima semiárido padrão. As planícies de inundação retêm os sedimentos de carga de fundo das encostas adjacentes, desconectando lateralmente a relação entre encosta e canal. Também é comum na área dos canais não confinados a configuração dos estilos fluviais de canais não contínuos, o que limita consideravelmente a transmissão de carga de fundo. Além de canais com estilos de multicanais móveis, onde há a retenção de parte da carga de fundo e retrabalhamento dos sedimentos de leito e de margem. As estradas foram identificadas pela possibilidade de impedimento do fluxo, resultado no dimensionamento errado, ou inexistência, de pontes e manilhas. As áreas urbanas foram incluídas no mapeamento pelo impacto que causam nos processos geomorfológicos e fluviais. Em alguns casos, como na cidade de Serra Talhada, há a completa supressão da rede de drenagem natural, e canalização dos fluxos.

Mapa de Localização

Mapa de localização da Bacia do Riacho do Saco, Serra Talhada, Pernambuco.

Mapa de impedimentos de fluxo

Mapa identificando os impedimentos de fluxo lateral e longitudinal na bacia do Riacho do Saco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A bacia em questão apresenta uma ampla distribuição de impedimentos de transmissão, desse modo apresentando um alto grau de desconectividade, ou seja, baixo índice de transmissão de sedimento de carga de fundo, o qual gera áreas de estocagem de sedimento e água, criando áreas de transmissão isoladas. Apenas as áreas de alta declividade estão livres dos impedimentos, sendo a baixa declividade o principal fator relacionado com as planícies de inundação e vales preenchidos, que em conjunto com as barragens são os principais impedimentos existentes. Essa pesquisa demonstra a importância da introdução dos estudos de conectividade da paisagem nas pesquisas sobre a dinâmica dos sistemas fluviais. O estudo sobre transmissão pode ser aprofundado ao se avaliar como cada elemento se comportaria diante diversos tipos de eventos chuvosos, podendo assim calcular a área de captação efetiva da bacia para cada magnitude de evento chuvoso, ou seja calcular a área conectada da bacia.

AGRADECIMENTOS
Agradecimento a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE pela bolsa de mestrado (2010-2011) e a FACEPE e CNPq pelo financiamento e apoio ao Grupo de Estudos do Quaternário do Nordeste Brasileiro – GEQUA e ao Laboratório de Geografia Física Aplicada da UFPE.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BRIERLEY, G.; FRYIRS, K. A.; JAIN, V. Landscape connectivity: the geographic basis of geomorphic applications. Area, v. 38 (2), p. 65-174, 2006.
BRUNSDEN, D. A critical assessment of the sensitivity concept in geomorpholog. Catena, v. 42, n. 2-4, p. 99-123, 2001.
FRYIRS, K. A. et al. Buffers, barriers and blankets: The (dis)connectivity of catchment-scale sediment cascades. Catena, v. 70, p. 49-67, 2007a.
FRYIRS, K. A. et al. Catchment-scale (dis)connectivity in sediment flux in the upperHunter catchment, New South Wales, Australia. Geomorphology, v. 89, p. 297-316, 2007b.
GRAF, W. L. Fluvial Process in Dryland Rivers. Caldwell: The Blackburn Press, 1988.
MOLINAS, P. A. A gestão dos recursos hídricos no semi-árido nordestino: a experiência cearense. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 1, p. 67-88, 1996.
OLIVEIRA, J. A.; LANNA, A. E. L. Otimização de um sistema de múltiplos reservatórios atendendo a múltiplos usos no nordeste brasileiro. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 2 n.2, p. 123-141, 1997.
SOUZA, J. O. P. Sistema fluvial e açudagem no semi-árido, relação entre a conectividade da paisagem e dinâmica da precipitação, na bacia de drenagem do riacho do saco, Serra Talhada. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Geografia - UFPE. Recife, 2012. 166p.
VIEIRA, V. P. P. B. Desafios da gestão integrada de recursos hídricos no semi-árido. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 8 n.2, p. 7-17, 2003.