Anais: Geomorfologia fluvial

MUDANÇA DA COMPOSIÇÃO VEGETACIONAL NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE UMA ILHA ALUVIAL (ILHA MUTUM, RIO PARANÁ)

AUTORES
Ariza Ramírez, A.I. (UNIVERSIDAD ESTADUAL DE MARINGÁ) ; Stevaux, J.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ / UNESP-RIO CLARO) ; Leli, I.T. (UNESP / RIO CLARO) ; Pinheiro, C.M. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ) ; Batista Campos, J. (Instituto Ambiental do Paraná)

RESUMO
Os ambientes presentes no processo de formação das ilhas propiciam condições diferentes para a implantação de vegetação e acúmulo de sementes. O projeto avaliou a influencia dos processos hidrosedimentológicos atuantes nos ambientes formadores da ilha Mutum na composição da vegetação. A análise faciológica identificou quatro paleoambientes, se encontraram 2826 sementes, de 26 famílias e 34 gêneros. A datação 14C revelou 920 anos A.P. de idade para o início da formação da ilha.

PALAVRAS CHAVES
Sementes; Paleoambientes; Composição vegetal

ABSTRACT
The paleoenvironments present in the formation of the islands provide different conditions for the establishment of vegetation and accumulation of seed. The project assessed the influence of processes hidrosedimentológicos trainers working in environments of the island Mutum in vegetation composition. The facies analysis identified four paleoenvironments with 2826 seeds of 26 families and 34 genera. The 14C dating revealed 920 years BP for the beginning of the formation of the island.

KEYWORDS
Seeds; Paleoenvironments; Vegetation composition

INTRODUÇÃO
A planície de inundação do alto rio Paraná apresenta um padrão multicanal, com braços separados por extensas ilhas alongadas (Santos, 1997; Souza & Stevaux, 1997, 2004). Normalmente as ilhas associam-se espacialmente formando arquipélagos que evoluem conjuntamente por estarem submetidas aos mesmos processos erosivos e deposicionais. De acordo a Comunello et al. (2003), o resultado deste processo pode ser evidenciado pela superfície descontínua apresentada pela planície, conferindo-lhe uma elevada complexidade paisagística, expressa por uma grande diversidade de ecossistemas nos quais o padrão de distribuição da vegetação pode estar sendo influenciado pela dinâmica hidrosedimentológica do rio, que por sua vez, incide na estabilidade dos taludes e no efeito “armadilha” de sedimentos por parte da vegetação (Casco et al., 2005). O monitoramento da vegetação ripária e aquática é imprescindível para verificar a possível influência dos fatores ambientais, tais como mudanças nos níveis fluviométricos e do regime hidrológico de um rio sobre a vegetação de sua planície alagável. A proposta neste trabalho é avaliar se os processos hidrossedimentares atuantes na ilha Mutum influenciam a composição da vegetação.

MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo, ilha Mutum tem cerca de 15km de extensão, largura máxima de 2km, e área de aproximadamente de 250ha. Apresenta a forma alongada típica das ilhas fluviais e suas áreas mais baixas são alagadas pelas águas do rio Paraná durante os períodos de cheia. O solo é do tipo arenoso e recoberto por pastagens, abrigando remanescentes florestais ripários classificados como sucessionais (Veríssimo, 1999). Por meio de uma sonda vibratória , foi coletado um testemunho de 2,15m de profundidade em um pântano da ilha Mutum. O testemunho foi cortado, fotografado e descrito. Posteriormente foram coletadas as amostras. Utilizando uma espátula, se realizou o corte do testemunho em duas metades, seguindo a linha de corte do tubo; depois foi feita a descrição sedimentológica do testemunho, tendo em conta a cor, textura e presença/ausência de fragmentos de organismos vivos ou vegetais; e a análise faciológica para identificar os ambientes. Uma das duas metades do testemunho foi fatiado cuidadosamente em intervalos de 10cm, tomando-se sub-amostras de 5cm, as quais foram lavadas e triadas em uma série de peneiras de diferentes tamanhos de malha (0,59mm, 0,210mm, 0,177mm), para separação do material orgânico. Por meio de um microscópio estereoscópio as sementes presentes em cada sub-amostra foram contadas, identificadas e conservadas em álcool 70%. Para a identificação das sementes foram utilizadas as obras de Cook (1974, 1990) e Kissmann e Groth (1997, 1999, 2000), bem como, revisão do material depositado no Herbário da Universidade Estadual de Maringá (HUEM). Da segunda metade do testemunho se retiraram três amostras das fácies, com o fim de datar com o isótopo 14C no laboratório do Centro de Energia Nuclear na agricultura – CENA da Universidade de São Paulo - USP. Finalmente, se utilizou a técnica de ordenação multivariada, Análise de Correspondência (CA), com o fim de descrever o nível de associação entre os paleoambientes da ilha de acordo com a composição da vegetação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como resultado da análise faciológica do testemunho de sondagem foram identificados quatro paleoambientes. Entre 215 a 190 fácies de canal (Sr, Sm) formada pela sequência em “fining upward” de areia muito grossa/grossa/média, com raros grânulos argilosos e pouca argila na base, amarelo acastanhado com estratificação cinzenta incipiente a maciça. O topo da sequência foi datada em 14C 920 anos A.P. O segundo intervalo de 190 a 163, constituído de lamito cinza médio a cinza acastanhado, intercalado de areia muito fina e restos de folhas e caules (Fácies Fl), sugere ambiente de “ressaco” . O terceiro intervalo de 163 a 96 apresenta fácies de lamito orgânico com laminações de 2 a 5mm (Fl) cinza escuro a preto rico em matéria orgânica, com fragmentos de folhas e troncos, interpretado como depositado em ambiente de lago. Datação deste depósito a 135cm alcançou 14C 760 anos A.P. De 96cm até a superfície foi caracterizado ambiente de pântano apresentando fácies lama argilosa, cinza media maciça, intensamente bioturbada (Fm) com grande quantidade de restos vegetais predominando galhos e troncos (2 a 3cm de diâmetro em posição de vida), e precipitação irregular de dióxido de ferro e troncos. Foram identificadas 2826 sementes pertencentes a 26 famílias e 34 gêneros (Figura 1). Os depósitos de pântano apresentaram maior número de famílias (20) sendo a mais representativa a família Cyperaceae com 539 indivíduos, seguida pela família Onagraceae com 341. O paleoambiente lagoa apresentou 17 famílias e 21 gêneros, teve como família mais representativa a Cecropiaceae com 245 indivíduos, seguida pela Acanthaceae e Lentibulariaceae com 160, respectivamente. Nos depósitos de ressaco foram identificadas 15 famílias, sendo a mais abundante a Cyperaceae com 125 indivíduos, seguida pela Characeae com 45. Finalmente o paleoambiente de canal apresentou 14 famílias sendo a mais representativa a Polygonaceae com 71 indivíduos (Fg. 1). A análise de ordenação dos dados das sementes contidas nos paleoambientes da ilha Mutum pela análise de correspondência - CA (Fig. 2) mostra que o eixo 1 separou em dois grupos principais os paleoambientes. No lado direito do diagrama, com maiores valores do eixo 1, estão alocadas as famílias correspondentes ao paleoambiente de lagoa. No lado esquerdo do diagrama, com menores valores no eixo 1, foram agrupadas as famílias representantes do paleoambiente pântano. Ainda em relação ao eixo 2, na parte superior, com valores mais altos, foram agrupadas as famílias pertencentes ao paleoambiente ressaco. O processo de formação das ilhas é evidenciado nos diferentes ambientes que apresentam caraterísticas sedimentologicas próprias que condicionam a composição da vegetação. O ambiente de Pântano foi o único em apresentar o grupo das Euphorbiaceae, sendo um dos grupos taxonômicos mais complexos e morfologicamente diversos entre as Eudicotiledôneas e habitando os mais diferentes tipos vegetacionais no Brasil (Lucena et al., 2010). O paleoambiente de lagoa foi único em apresentar a família Fabaceae, considerada como uma das maiores famílias botânicas, conhecida anteriormente como Leguminosae com distribuição cosmopolita. No paleoambiente de ressaco, houve a representação exclusiva da família Solanaceae, a qual possui 96 gêneros, organizados em seis subfamílias, das quais três estão representadas no Brasil totalizando 31 gêneros e cerca de 500 espécies nativas e cerca de seis gêneros com espécies consideradas introduzidas, cultivadas ou assilvestradas (Soares, 2006).

Figura 1. Composição da vegetação nos paleoambientes da ilha Mutum



Figura 2. Representação gráfica dos resultados da analise de correspon



CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os paleoambientes presentes no processo de formação da ilha Mutum propiciam condições diferentes para a implantação de vegetação e o acúmulo de sementes. Em ecossistemas como as ilhas que se encontram influídos pelas condições de cheias e secas, se gera uma seleção da vegetação, permitindo apenas a permanência das melhores bioformas adaptadas. Durante as cheias extraordinárias, grande parte das ilhas do baixo Paraná fica submergida, e quando o solo fica descoberto de água, os bancos são colonizados por plantas pioneiras, cujo efeito protetor é eficaz. Exemplo disso foram as Cecropiaceas as quais estiveram presentes nos quatro paleoambientes. A presença de algumas famílias pode ser indicadora destas alterações, mas as mudanças na vegetação podem ser interpretadas como resposta aos processos atuantes no ambiente deposicional, resultado do complexo sistema evolutivo da ilha revelando a heterogeneidade nos diferentes paleoambientes.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ao Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (NUPELIA), ao Programa de Pós-Graduação em Ecossistemas Aquáticos Continentais (PEA) e ao Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente (GEMA), pelas facilidades oferecidas no desenvolvimento deste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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