Anais: Geomorfologia fluvial

Geomorfologia do sistema deposicional do rio Miranda, Pantanal Mato-Grossense

AUTORES
Merino, E.R. (UNESP - RIO CLARO) ; Pupim, F.N. (UNESP - RIO CLARO) ; Assine, M.L. (UNESP - RIO CLARO)

RESUMO
O trato deposicional do Pantanal apresenta vários sistemas aluviais formados por rios com nascentes nos planaltos circundantes. No sistema deposicional do rio Miranda, situado na borda sul do Pantanal, foram reconhecidos três compartimentos geomorfológicos: planície fluvial confinada, lobo deposicional atual e lobo deposicional antigo. Paleocanais e paleocinturões de meandros são feições indicativas de mudanças paleoambientais associadas a avulsões fluviais.

PALAVRAS CHAVES
Pantanal; Rio Miranda; Avulsão Fluvial

ABSTRACT
The Pantanal depositional tract has several alluvial systems formed by rivers with drainage basins in the surrounding plateaus. The Miranda depositional system located in the southern border of the Pantanal is composed by three geomorphological zones: a confined river plain, an active depositional lobe and an abandoned depositional lobe. Paleochannels and ancient meander belts are indicative features of paleoenviromental changes triggered by fluvial avulsions.

KEYWORDS
Pantanal; Miranda river; Fluvial Avulsion

INTRODUÇÃO
Com área de aproximadamente 138.000 Km2, o Pantanal Mato-Grossense é considerado a maior área alagável (wetland) do planeta (JUNK et al, 2006). Segundo Assine (2003), trata-se de um amplo trato deposicional dominado por sedimentação aluvial, onde a planície fluvial do Rio Paraguai é coletora das águas de vários megaleques formados por rios que têm suas nascentes nos planaltos adjacentes à depressão do Alto Rio Paraguai. Tais sistemas deposicionais foram objeto de estudo de diversos trabalhos (e.g. Assine et al 2005, Facincani et al 2006, Almeida et al 2006, Zani 2008, Kuerten 2010, Silva 2010 e Corradini 2011). O rio Miranda, que tem suas nascentes no Planalto da Bodoquena, corre para norte até atingir a planície do Pantanal, onde muda seu curso para noroeste indo desaguar suas águas no rio Paraguai, forma um sistema deposicional com características distintas dos outros grandes sistemas fluviais responsáveis pelo preenchimento da bacia sedimentar do Pantanal. Considerando que o sistema deposicional do rio Miranda (SDRM) é muito pouco conhecido, este trabalho tem por objetivo apresentar a delimitação do sistema e uma proposta de compartimentação geomorfológica, passo necessário para compreender sua gênese e evolução desde o final do Pleistoceno.

MATERIAL E MÉTODOS
Para delimitação do sistema deposicional do rio Miranda, primeiramente foi construído um banco de dados geográficos no software ArcGis 9.3.1, com o sistema de referência espacial e o georreferenciamento dos dados no datum WGS84 zona 21S. Processamento digital de imagens Landsat 7 ETM+; Mosaicos TM Landsat ‘Geocover’; ASTER foram realizados no software ENVI 4.6 e as imagens derivadas foram utilizadas para o mapeamento do sistema e das geoformas. Composição colorida “RGB” bandas R7G4B2 do sensor Landsat e bandas R3G2B1 para o ASTER foram os processamentos iniciais. A Análise das Principais Componentes Seletivas (APCS) foi aplicada às bandas dos sensores para diminuir a generalização dos alvos espectrais, realçar as formas de relevo e melhorar a interpretação das imagens. Modelos digitais de elevação utilizados foram elaborados de com informações altimétricas do componente SAR banda-C do SRTM/NASA. Sobrevoo da área e campanha de campo para validação das informações foram realizadas após a interpretação dos dados orbitais. A Compartimentação geomorfológica levou em consideração os seguintes critérios: 1) delimitação SDRM na planície pantaneira, com base em relações morfológicas reconhecidas em dados orbitais; 2) agrupamento de zonas homólogas; 3) identificação dos compartimentos geomorfológicos, agradacionais e degradacionais, no entorno do SDRM; 4) mapeamento de geoformas deposicionais e erosivas, atuais e relictas; 5) reconhecimento de evidências de mudanças ambientais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Sistema deposicional do rio Miranda (Figura 1) possui área aproximada de 4.950 km2. Com base em critérios morfológicos e processos atuantes, três compartimentos geomorfológicos distintos foram reconhecidos: 1) planície fluvial confinada; 2) lobo deposicional atual; 3) lobo deposicional antigo. A planície fluvial confinada está embutida num vale encaixado em rochas do Grupo Cuiabá, nos domínios da Depressão do Miranda/Aquidauana, onde o relevo apresenta colinas dissecadas e morros baixos. Neste compartimento, o rio Miranda tem aproximadamente 150 km de extensão e apresenta dois estilos fluviais. Depois de percorrer trecho de aproximadamente 45 km, com baixíssima sinuosidade (1,1), o canal muda de padrão tornando-se meandrante, com sinuosidade de 1,9. Esta planície fluvial agradacional, estreita e confinada em terrenos pré- cambrianos, situada na porção superior do sistema deposicional, teve origem relacionada à geração de espaço de acomodação devido à elevação do nível de base de erosão, conseqüência da formação do lobo deposicional atual na planície do Pantanal. O lobo deposicional atual tem sua origem associada ao alargamento da planície fluvial a partir da entrada do rio no Pantanal, o que ocorre na altura da confluência com o rio Salobra, poucos quilômetros a jusante da cidade de Miranda. O rio Miranda corre neste compartimento como um complexo de canal e diques marginais, com sinuosidade variável, que se destaca morfologicamente em relação à superfície do lobo. O lobo foi caracterizado como tal com base no formato triangular da planície e na existência de paleocanais com padrão distributário. O ápice está situado a sul e a franja do lobo a norte, onde faz limite com o megaleque fluvial do rio Aquidauana. Destaca-se também a existência de paleocinturões de meandros, com até 7 km de largura, como feições deposicionais importantes na gênese e morfologia do lobo atual. Evidências de pontos nodais de avulsão evidenciam mudanças na posição do canal do rio Miranda. Evidências de um lobo deposicional antigo, tais como redes de paleocanais distributários e de paleocinturões de meandros, foram reconhecidas e mapeadas no baixo curso do rio Miranda. O lobo encontra-se abandonado, em processo de dissecação por pequenos canais tributários que drenam as águas de inundação para o rio Paraguai. O limite norte deste compartimento é definido pelo cinturão de meandros do baixo curso do rio Miranda, que se encontra inciso em depósitos mais antigos, caracterizando-se como o limite os sistemas fluviais do Miranda e do Negro. Neste trecho, o rio Miranda tem 165 km de extensão e índice de sinuosidade de 1,6. No interior do lobo existem algumas elevações residuais de terrenos pré- cambrianos, das quais merece destaque o Morro do Azeite, onde afloram rochas pré-cambrianas do embasamento cristalino em meio a depósitos quaternários da planície pantaneira. Paleocanais abandonados identificados na área são evidências que uma das grandes avulsões do canal do rio Miranda ocorreu no entorno do Morro do Azeite, e desempenhou papel importante na reorganização da drenagem local. Com a avulsão do rio Miranda, que passou a fluir para noroeste, o antigo canal permaneceu com uma drenagem secundária (Corixo do Mutum). Com isso houve deslocamento de 20 km de sua foz no rio Paraguai.

Figura 1

Compartimentos geomorfológicos do sistema deposicional do rio Miranda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema deposicional do rio Miranda foi dividido em três compartimentos: 1) planície aluvial confinada; 2) lobo deposicional atual; e 3) lobo deposicional antigo. Uma avulsão do canal nas proximidades do Morro do Azeite causou mudança significativa no curso do rio, cuja foz no rio Paraguai teve deslocamento de cerca de 20 km para norte. Característica peculiar deste sistema é que lobo deposicional atual não está localizado na porção distal, o que o diferencia dos sistemas de megaleques fluviais Pantanal.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro para a realização da pesquisa, mediante o processo 2007/95987_3, a CAPES pela concessão de bolsa de doutorado para Eder Renato Merino, à CNPq pela concessão de bolsa de produtividade ao Prof. Dr. Mario Luis Assine e bolsa de doutorado para Fabiano do Nascimento Pupim. Ao Programa de Pós- graduação em Geociências e Meio Ambiente, pelo auxílio e infraestrutura.

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