Anais: Geomorfologia fluvial

DELIMITAÇÃO DE ÁREA SAZONALMENTE INUNDÁVEL NO BAIXO CURSO DO RIO ICONHA PIÚMA – ES - BRASIL

AUTORES
Coelho, A.L.N. (UFES) ; Nascimento, F.H. (UFES)

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de análise geográfica integrada para a delimitação de área sazonalmente inundável com base nos registros de maior precipitação mensal dos últimos trinta anos e uso da ferramenta de SIG juntamente com os produtos e técnicas de Sensoriamento Remoto. Os resultados foram satisfatórios, pois permitiram delimitar a área efetivamente inundável, confrontar usos e compreender a dinâmica destas áreas alagáveis em questão.

PALAVRAS CHAVES
Analise Geográfica ; Geotecnologias; Ordenamento Territorial

ABSTRACT
This article has as main objective to present a proposal for integrated geographic analysis for the delineation of seasonally flooded area based on the highest monthly precipitation records of the past thirty years and use of GIS together with the products and techniques of Remote Sensing . The results were satisfactory for delimit effectively the area subject to flooding and understand the dynamics in question.

KEYWORDS
Geographical Analysis; Geotechnology; Territorial Planning

INTRODUÇÃO
As pesquisas com enfoque físico-ambiental e o emprego de geotecnologias possuem relevância no escopo das geociências, pois, a partir delas, é possível entender as condições gerais da dinâmica da paisagem, contribuindo para o desenvolvimento de prognósticos e interpretações geoambientais (Lang et al. 2009). Um exemplo é a espacialização e análise de áreas vulneráveis a inundação, pois se dispondo do zoneamento / ordenamento desses ambientes, pode-se designá-los usos mais adequados. Atualmente, com o acesso aos modernos Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), bem como a utilização de produtos obtidos de sensores orbitais, como imagens multitemporais e dados interferométricos, é possível desenvolver diversos tipos de análises no âmbito dos estudos geoambientais (Fitz, 2008; Valeriano, 2008; Ross, 2006; Silva, 2003 e Florenzano, 2008, 2007 e 2005). Em face deste cenário geotecnológico, o presente texto tem como objetivo principal zonear e analisar uma área brejosa/inundável no município de Piúma - ES com auxílio de ferramenta SIG integrada com produtos e técnicas de Sensoriamento Remoto (SR). Como objetivos específicos, o estudo pretende: identificar a maior precipitação mensal com base na série histórica de 30 anos; realizar uma análise integrada considerando os fatores socioambientais, em especial a dinâmica das águas superficiais da área de estudo; verificar a viabilidade/eficiência da aplicação de estudos temporais com o emprego de imagens do satélite CBERS-2B como auxílio na delimitação de áreas sazonalmente inundadas; difundir o uso integrado e a aplicação das geotecnologias referentes aos produtos de Sensoriamento Remoto e dos Sistemas de Informações Geográficas nos estudos geográficos, e no auxílio nas tomadas de decisões, a exemplo do zoneamento desses ambientes no Plano Diretor Municipal.

MATERIAL E MÉTODOS
Para que os objetivos propostos nesse estudo fossem alcançados, o mesmo foi dividido em duas principais etapas, sendo: Primeira, aquisição de referencial bibliográfico e documentos abordando a temática, tais como: artigos, periódicos; Cartas Topográficas do IBGE escala 1:50.000, documentos e mapas do Projeto Radambrasil (1983); pesquisa da série histórica das precipitações mensais mais expressivas na região (INCAPER, 2010). Segunda, aquisição e tratamento das imagens orbitais digitais gratuitas com resolução espacial de 20 x 20m do INPE, satélite CBERS-2B com datas de passagem 24/02/2010 e 02/12/2008, respectivamente; dados do radar SRTM (Miranda, 2005); Planos de Informações: Infra-estrutura urbana e rural, cursos d`água, massa de água bacias e sub-bacias hidrográficas, rodovias marcos geodésicos adjacentes (IBGE 2010); registro de imagens (fotos); Registro de pontos com GPS, Microcomputador PC e Sistema de Informações Geográficas ArcMAP 9.3.1. A organização dos dados vetoriais teve início com a criação de um projeto no SIG e a adição dos Planos de Informações ajustados, quando necessário, no sistema de projeção UTM, Datum SIRGAS-2000 Zona 24 Sul. Já a organização e tratamento dos dados raster iniciou-se com o processamento dos dados interferométricos gerado o modelo sombreado do terreno (hillshade). O Processamento Digital da Imagem (PDI) iniciou-se com tratamento das imagens cada ano (2008 e 2010) na banda 4 do Infravermelho próximo no qual é realçada área efetivamente inundada em tons de cinza escuro a preto. O próximo passo foi a realização do processo de interpretação visual comparando as imagens da banda 4 através da técnica de fotoidentificação e fotointerpretação e, posteriormente, digitalização dos alvos de interesse (área inundada em 2008) utilizando a técnica de edição vetorial do SIG. Nesse procedimento de delimitação foram considerados os elementos básicos de interpretação como conforme proposta de Jensen (2009) seguido da checagem em campo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A área de estudo está localizada no baixo curso do rio Iconha, inserida na bacia hidrográfica do Rio Novo (IEMA, 2004), porção centro-sul do município, ambiente caracterizado por uma complexa rede hidrográfica interligada, com o destaque na margem direita para o córrego São João de Ibitiba, córrego do Barbado, córrego Aghá Pequeno e Rio Novo. Na margem esquerda o córrego Orobó, além de uma série de canais interligados. Do ponto de vista geoambiental, é considerada uma área com atributos naturais relevantes, entre eles a originalidade / conservação do ambiente, ocorrência de sambaquis, com boa parte da área naturalmente submetida a eventos naturais de inundação durante o verão. Em função dessas particularidades há e o interesse da criação da APA Vale do Orobó abrangendo toda a planície fluvial. No entorno da área destacam-se o Monte Aghá e Mata do Orobó. No bairro Centro e Acaica, no rio Iconha próximo a embocadura, há a construção moradias as margens do rio, sujeitas a inundação durante os períodos de cheias e marés altas de sizígia. Na Figura 1 é apresentado a banda/canal 4 (infravermelho próximo) da área de estudo e adjacências (municípios de Anchieta, Iconha e Itapemirim) do dia 24/02/2010 no período de relativa estiagem e em 02/12/2008 inundado, respectivamente, que serviram de base no processo de interpretação e delimitação da área inundada. A Figura 2 apresenta a delimitação da área efetivamente inundada, com base na precipitação mais expressiva dos últimos trinta anos (novembro de 2008) abrangendo uma área de 20,40 km² correspondente a 28,95% da área total do território. A área delimitada do ponto de vista geológico / geomorfológico abrange terrenos do quaternário, configurando-se como uma planície com depósitos aluvionares, fluvio-marinhos, marinhos e ocorrência de brejos (Radambrasil, 1983). Com relação a sua gênese, a referida área é parte do processo evolutivo das planícies costeiras/litorâneas quaternárias, sugerido por Dominguez et al. (1981) que tem como característica marcante de modelado a presença das planícies fluvio-lactustres quaternárias. Em sua proposta, Dominguez et al. (op.cit.) apresenta um modelado dividido em 8 estágios (A a H), representando, em “F”, a formação e evolução das planícies costeiras e flúvio-marinhas quaternárias na costa leste do Brasil, caracterizado pelo o máximo da última transgressão (Transgressão Santos), ocorrida entre 6.000 e 7.000 anos Ap. Isto é, no máximo da última transgressão o mar estendia-se além da área de estudo. As manchas de solos predominantes na área delimitada são: os Gleissolos Háplicos abrangendo mais de 90% da área delimitada e os Gleissolos Sálicos na área de manguezal, ambos com ocorrência de tiomorfismo (Embrapa, 1999 e RadamBRASIL, 1983). Em relação aos efeitos ou impactos potenciais, podem ser mencionados uma série, caso ocorra a ocupação. Porém, merece destaque, em especial, os efeitos nos recursos hídricos locais e adjacentes, dada a complexidade da dinâmica das águas superficiais da região, sendo: alteração do regime hidrológico e nível do lençol freático em decorrência das mudanças no escoamento superficial e infiltração pela construção de vias, obras de drenagem e parcelamentos; contaminação do lençol freático por efluentes domésticos e/ou industriais. Outro fator ainda a ser considerado é a extensão dos efeitos/impactos, pois todo o escoamento das águas superficiais verte em direção ao mangue, além de comprometer a balneabilidade das praias adjacentes. Outro aspecto, relacionado ao risco de inundação, diz respeito à influência da maré. Mesmo com obras de drenagem e manutenção do canal em dia, num evento de marés altas de sizígia, a região possivelmente será inundada com as águas pluviais, não havendo como escoarem em direção a embocadura. Nesses locais a inundação é relativamente rápida, potencializada pela impermeabilização do solo por construções e vias, havendo com isso o escoamento rápido para o canal principal levando-o a transbordar.

Figura 1

Imagens de satélite da área de estudo em período seco superior (24/02/2010) e inundado inferior (02/12/2008).

Figura 2

Modelo sombreado do terreno e área delimitada com base em imagens de satélites e campanhas de campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A região do baixo rio Iconha caracteriza-se numa área de amortecimento de cheias com dinâmica de escoamento superficial das águas lêntico nos eventos de precipitações concentradas, a exemplo do mês de novembro de 2008. Do ponto de vista ambiental constitui-se num ecossistema para a reprodução de espécies, sobretudo da fauna, com elevada fragilidade a modificações, a exemplo de solo criado (aterros), dragagens e queimadas. Apresenta ainda um elevado valor histórico-cultural, arqueológico (ocorrência de sambaquis), além do valor cênico da região e entorno como Monte Aghá, Ilha do Meio e Ilha dos Cabritos, somando um conjunto de atributos de elevado potencial para o turismo de contemplação e pesquisas. Por fim, a metodologia de delimitação de área inundada mostrou-se satisfatória podendo ser aplicada em regiões com morfologias semelhantes, constituindo-se numa importante informação no auxílio das tomadas de decisões como o ordenamento mais adequado dessas paisagens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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