Anais: Geomorfologia fluvial

ANÁLISE PRELIMINAR DA EVOLUÇÃO FLUVIAL A PARTIR DA VARIAÇÃO TEMPORAL DO TRAÇADO DO RIO ITAPOCU, SC

AUTORES
Lopes, F. (UFPR) ; Goulart, A. (UFPR) ; Cesar, S. (UFPR) ; Paulino, R. (UFPR) ; Haak, L. (UFPR) ; Souza, R. (UFPR) ; Martins, T. (UFPR) ; Oliveira, F. (UFPR)

RESUMO
Os sistemas fluviais organizam seu padrão espacial através das interações entre seus elementos, resultando em ajustamentos do canal devido à ação de diversos processos. Este artigo objetiva avaliar a dinâmica fluvial associada à mudança de traçado do rio Itapocu, SC. Utilizou-se o imageamento de dois períodos e avaliou- se as alterações do canal mediante variáveis morfométricas. Conclui-se que a sua morfologia fluvial é característica de processos transicionais na escala temporal analisada

PALAVRAS CHAVES
Dinâmica fluvial ; índice de sinuosidade; rio Itapocu

ABSTRACT
Fluvial systems organize their spatial pattern through interactions between its elements, resulting in channel's adjustment due the action of several processes. This paper aims to evaluate the fluvial dynamics associated with channel change on Itapocu river, SC. It was used imagery of two periods and the channel's change behaviour was evaluated through morphometric variables. It follows that the river's morphology is characterized by transitional processes on the used temporal scale.

KEYWORDS
Fluvial dynamic; sinuosity index; Itapocu river

INTRODUÇÃO
Diversos estudos são conduzidos no sentido de evidenciar alterações e ajustamentos nos sistemas fluviais associados principalmente à ocorrência dos processos de entalhamento, agradação, alterações na largura e padrão dos canais (Surian & Cisotto, 2007). Neste contexto, a temática da alteração do traçado de canais fluviais é constantemente abordada desde a metade do século XX, sobretudo nos estudos clássicos de Schumm (1956), Schumm (1963) e Leopold (1972), entre outros. De maneira geral, os sistemas fluviais auto-organizam seu padrão através de feedbacks entre as barras de deposição, planícies de inundação e vegetação ripária, resultando no processo de ordenação espacial devido à dinâmica hidrossedimentológica do canal (Kleinhans, 2010). Estas alterações podem ser visíveis nas mais diferentes escalas temporais e variam de modificações no nível de base ao longo do tempo geológico a alterações provocadas por eventos extremos com poucas horas de duração. Os ajustes em um canal fluvial incluem, principalmente, o alargamento, assoreamento, aprofundamento e formação de barras. Algumas mudanças ocorrem em diferentes escalas temporais. Em uma escala temporal de minutos, pode-se observar as interações entre vazão e sedimentos. Em contrapartida, a migração das curvas dos meandros individuais pode ser observada durante períodos de anos ou décadas, e a evolução da rede de canais ocorre ao longo de uma escala de tempo de centenas de milhares de anos ou mais (Charlton, 2008). Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar, de maneira preliminar, a dinâmica fluvial de um segmento do terço distal do canal do rio Itapocu, SC, a partir da interpretação de fotografias aéreas e imagens orbitais de períodos distintos (1981 e 2009) e identificar se ocorrem mudanças no comportamento fluvial a partir da estimativa de variáveis morfométricas estabelecidas para o canal fluvial em questão.

MATERIAL E MÉTODOS
A bacia hidrográfica do rio Itapocu localiza-se no Nordeste do estado de Santa Catarina e drena uma área de 2.939km². O rio Itapocu possui extensão total de 119,78 km. Entretanto, neste trabalho optou-se pela avaliação da dinâmica fluvial em um trecho representativo de aproximadamente 10 km do rio principal, na divisa dos municípios de São João do Itaperiú, Araquari e Guaramirim. A avaliação da dinâmica de alteração do curso do canal foi realizada por meio da inspeção visual do traçado do rio Itapocu nos anos de 1981 e 2009. Além disso, realizou-se a comparação de variáveis morfométricas, como por exemplo: comprimento do trecho analisado e índice de sinuosidade, conforme proposta de Schumm (1963). O índice de sinuosidade relaciona o comprimento verdadeiro do canal com a distância vetorial (comprimento em linha reta) entre os dois pontos extremos do canal principal (Schumm, 1963). A sinuosidade dos canais é influenciada pela carga de sedimentos, pela compartimentação litológica, estruturação geológica e pela declividade dos canais e pode ser utilizada como parâmetro para avaliar o comportamento do canal fluvial. Para elaboração dos produtos cartográficos foram utilizados dados do levantamento topográfico realizado pelo IBGE (1981), na escala 1:50.000; e imagem orbital da área de estudo encontrada no Google Earth (GE), datada de 2009. A imagem GE foi georreferenciada com auxílio de pontos de apoio obtidos com GPS de navegação na área de estudo e com base na malha viária da região. A partir dessa imagem, no software ArcGIS 9.3, foram vetorizados o canal atual do rio Itapocu e os meandros abandonados visíveis. As bases do IBGE e a vetorização baseada na imagem do GE foram sobrepostas a fim de se ter um produto evidenciando a dinâmica do canal através de suas mudanças na planície fluvial e de estimar as variáveis morfométricas para realizar a comparação dos traçados do canal no ano de 1981 e 2009.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 1 evidencia a mudança do traçado do canal fluvial principal na bacia hidrográfica no rio Itapocu, SC, a partir da sobreposição do traçado do canal em 1981 e 2009. Meandros abandonados visíveis na imagem, mesmo que não fazendo parte da base mais antiga, foram também mapeados para representar a dinâmica do rio na planície fluvial (em azul claro). Onde o traçado do rio atual (azul escuro) sobrepõe o traçado do rio de 30 anos atrás pressupõe-se que o canal continua no mesmo lugar. As letras na figura-1 representam, respectivamente: (a): dados do IBGE mostrando a rede viária (em vermelho) e o canal do rio Itapocu (em azul, em destaque) no ano de 1981. B: imagem retirada do Google Earth datada do ano de 2009, usada para a vetorização do traçado atual do rio Itapocu. C: imagem georrefenciada do Google Earth com a sobreposição dos dados. Fontes: IBGE (1981), Google Earth (2009). A partir da inspeção visual, percebe-se pela Figura 1 que o canal do rio sofreu alterações significativas em aproximadamente 30 anos, principalmente em sua porção mais a leste da área de estudo, deslocando-se na direção norte. A respeito de mudanças na estabilidade do canal em escala temporal reduzida, Werritty (1997) afirma que esta mudança é governada, sobretudo pelo aporte de sedimentos e o regime de fluxo a montante, morfologia do canal e do vale e a natureza e o volume de sedimentos recebidos pelo canal a partir da remoção detrítica das vertentes. Mudanças constantes e previsíveis na evolução de um canal fluvial também podem ser verificadas em suas margens convexas e côncavas, evidenciando as alterações na dinâmica fluvial e no transporte e deposição de sedimentos. As margens convexas apresentaram certo avanço em 2009 em relação ao traçado de 1981, fato esperado por ser essa a margem que sofre maior erosão, confirmando a competência erosiva do canal e o constante retrabalho das margens fluviais via processos erosivos. Já as margens côncavas acompanharam o desenvolvimento das convexas, sendo sua dinâmica apoiada sobre a evolução das barras de deposição. Desde modo, a partir da análise visual e da estimativa das variáveis morfométricas do canal, foi possível verificar alterações no traçado no período decorrido, conforme dados apresentados na Tabela 1, figura-2. As coordenadas de início são as mesmas para as duas épocas avaliadas, porém as coordenadas finais do trecho distam aproximadamente 400m, confirmando a significativa alteração do traçado em 28 anos. Verificou-se ainda que o comprimento deste segmento do canal apresentou uma redução de aproximadamente 0,4km, reduzindo em cerca de 4% o seu comprimento em 28 anos. Apesar das mudanças evidenciadas, ao comparar o índice de sinuosidade (IS) dos anos de 1981 e 2009 pode-se concluir que o canal ainda apresenta o mesmo comportamento morfológico, apesar do IS ser menor em 2009. Neste sentido, destaca-se que valores de IS próximos a 1,0 indicam que o canal tende a ser retilíneo. Já os valores superiores a 2,0 sugerem canais tortuosos e os valores intermediários indicam formas transicionais, regulares e irregulares. Os IS obtidos de 1,86, (1981) e 1,77 (2009) indicam que o trecho do rio Itapocu tende a apresentar uma forma transicional, denotando ainda uma pequena evolução no comportamento fluvial no período analisado.

Figura-1

Comparação do traçado do rio Itapocu em 1981 e em 2009.

Figura-2

Variáveis morfométricas do rio Itapocu, nos anos de 1981 e 2009. IS–Índice de Sinuosidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho avaliou, de forma preliminar, a dinâmica fluvial de um trecho do rio Itapocu, SC, a partir da interpretação de imagens e estimativa de índices morfométricos do canal, para duas épocas distintas (1981 e 2009). A análise conduzida permitiu estimar a taxa de alteração espacial do canal, sobretudo com relação à dinâmica hidrossedimentológica devido aos processos de erosão e deposição atuantes nas margens fluviais. Apesar disso, os índices de sinuosidade obtidos permitiram inferir que o comportamento fluvial no período de 28 anos apresentou pequena variação nesta escala temporal reduzida, persistindo sua morfologia característica de processos transicionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CHARLTON, R. Fundamentals of fluvial geomorphology. London, Routledge, 2008.

IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística), Diretoria de Geociências, Levantamento topográfico, Folha Luiz Alves. Rio de Janeiro, 1981.

KLEINHANS, M.G. Sorting out river channel patterns. Progress in Physical Geography, 34(3), 287-326, 2010.

LEOPOLD, L.B. River channel change with time: an example. Geological society of america bulletin. Vol. 84, pg 1845-1860, 1972.

SCHUMM, S.A. Evolution of drainage systems and slopes in badlands of Perth Amboy. Geological Society of America Bulletin, n. 67, p. 597-646, 1956.

SCHUMM, S.A. Sinuosity of alluvial rivers on the great plains. Geological Society of America Bulletin. v. 74, n. 9, p. 1089-1100, 1963.

SURIAN, N.; CISOTTO, A. Channel adjustments, bedload transport and sediment sources in a gravel-bed river, Brenta River, Italy. Earth Processes and Landforms 32, 1641-1656, 2007.

WERRITTY, A. Short-term changes in channel stability. In.: THORNE, C.R.; HEY, R.D.; NEWSON, M.D.. Applied Fluvial Geomorphology for River Engineering and Management, 384p, 1997.