Anais: Geomorfologia fluvial

Gênese e evolução geomorfológica do megaleque Demini (norte da Amazônia) baseado na análise morfoestrutural e hidroperíodo

AUTORES
Cremon, E.H. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE) ; Rossetti, D.F. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE) ; Zani, H. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE)

RESUMO
O objetivo desse trabalho foi de realizar a analise morfoestrutural do megaleque Demini, norte da Amazônia, e verificar suas possíveis relações com áreas alagadas, visando estabelecer um modelo evolutivo geomorfológico. Para isso, baseou-se na análise morfológica de hidroperíodo e interpretação de anomalias e lineamentos morfoestruturais. Conclui-se que subsidência regional criou depressão com subsequente preenchimento sedimentar e formação do sistema deposicional com extensa área alagável.

PALAVRAS CHAVES
Megaleque Demini; Amazônia; Hidroperíodo

ABSTRACT
The aim of this work was to perform the Demini megafan morphostructural analysis, northern Amazonia, and verify their possible relationships with wetlands, to establish a model geomorphological evolution. For this, it was based on morphological analysis and interpretation of hydroperiod and morphostructural lineaments. The data indicated that regional subsidence created depression with subsequent formation of sedimentary fill by megafan with extensive flooded area.

KEYWORDS
Demini Megafan; Amazonia; Hydroperiod

INTRODUÇÃO
Megaleques consistem em feições geomorfológicas deposicionais de ampla distribuição areal (i.e., > 10³ km²) (DeCELLES; CAVAZZA, 1999), com ocorrência em regiões de baixa declividade (< 0,1°) e padrão de drenagem tipicamente distributário. De grande impacto na dinâmica de áreas alagadas e no estabelecimento da fitofisionomia, esses sistemas deposicionais têm sido registrados geralmente em amplas áreas tectonicamente instáveis (HORTON; DeCELLES, 2001), onde subsidência, mesmo que suave, gera espaço para acomodar grandes volumes de sedimentos. A bacia amazônica atual é tipicamente dominada por drenagem tributária. Entretanto, o interflúvio entre os rios Negro e Branco registra paleomorfologia em cone apresentando, em sua superfície, paleocanais tipicamente distributários que foram relacionados a um sistema de megaleque (Wilkinson et al 2010, Cremon, 2012). Essa região é dominada por terrenos quaternários (IBGE, 2005; 2010), com expressivas evidências neotectônicas (BEZERRA, 2005; LATRUBESSE; FRANZINELLI, 2005) e é caracterizada como uma das maiores áreas alagadas da Amazônia (JUNK et al., 2011), sendo inacessível por vias terrestres e mesmo fluviais. O uso de produtos de sensoriamento remoto tem se constituído em uma importante ferramenta na caracterização da maioria dos megaleques descritos na literatura (p.e. GUMBRICHT et al., 2005; LEIER et al., 2005; SINHA, 2009; BERNAL et al., 2010; HARTLEY et al., 2010). A aplicação deste tipo de ferramenta permitiu a caracterização do megaleque do interflúvio Negro-Branco, designado de megaleque Demini dada sua ocorrência em associação com rio homônimo. Este trabalho teve por objetivo, realizar a analise morfoestrutural do megaleque Demini e verificar suas possíveis relações com áreas alagadas, visando estabelecer um modelo evolutivo geomorfológico preliminar para a região.

MATERIAL E MÉTODOS
Para atingir os objetivos propostos, o trabalho baseou-se em duas etapas. A primeira etapa consistiu na análise morfológica dada por produto de hidroperíodo, obtida de séries históricas TM/Landsat-5 de acordo com metodologia descrita em Zani e Rossetti (2012). Com base na série temporal de imagens TM/Landsat da órbita/ponto 233/060 com baixa cobertura de nuvens, as imagens foram agrupadas, de acordo com o regime hidrológico, em cheia, vazante e estiagem, com auxílio dos dados hidrométricos da estação do Posto Ajuricaba (ANA). Após esse agrupamento, realizou-se classificação booleana de corpos d’água (ND=1) e não-água (ND=0). Com as imagens classificadas, foram feitas as médias das imagens do período de cheia, vazante e estiagem. Com as médias de cada período, foi realizada uma soma, na qual os valores variam de 0 a 3. Esse intervalo pode ser fatiado, para representar gradiente entre ausência de corpos d’água (0) à presença de corpos d’água permanente (3) em toda a série temporal analisada. A outra etapa consistiu na interpretação de anomalias e extração de lineamentos morfoestruturais com base na rede de drenagem (MMA) e morfologia da paisagem em escala 1:250.000. A morfologia da paisagem consistiu no uso de uma imagem fusionada TM/Landsat (óptico) com PALSAR (radar) e pelo uso de esquema de paleta de cores no MDE-SRTM.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados de hidroperíodo demonstraram, em análise regional, aumento de áreas mais susceptíveis à inundação de oeste para leste em áreas homogêneas com geometria lobada, que possivelmente refletem diferentes estágios evolutivos de progradação de lobos deposicionais que compõem, em seu conjunto, o megaleque Demini. Nesse tipo de análise, assumiu-se que terrenos menos inundados são mais antigos que terrenos sujeitos à maior inundação. Assim, cinco terrenos com hidroperíodos diferenciados foram identificados, os quais foram relacionados ao registro de cinco fases evolutivas do megaleque. Neste trabalho, não houve disponibilização de novos dados que possam servir para testar a hipótese de influência climática no desenvolvimento do megaleque Demini, portanto esta possibilidade permanece ainda aberta a investigações futuras. Por outro lado, é interessante relembrar que este sistema progradou sobre uma ampla área inundada. A ocorrência de áreas alagadas na paisagem amazônica reflete depressões sujeitas à acomodação de depósitos sedimentares. Então, para o entendimento da origem do megaleque Demini, torna-se fundamental entender a gênese dessa ampla área alagada (JUNK et al., 2011), que faz parte do Pantanal Setentrional definido por Santos et al (1993). A análise morfoestrutural revelou que a superfície do megaleque, bem como suas áreas adjacentes para sul, são dominadas por lineamentos morfoestruturais de direção principal NE-SW/NNE-SSW e NW-SE. Este fato constitui em argumento complementar para se sugerir influência tectônica na evolução do megaleque. Isto porque estas direções são condizentes com os sistemas de falhas regionais presentes nesta região da Amazônia, incluindo as áreas de rochas pré-cambrianas do Escudo das Guianas a noroeste, indicando que houve reativação de falhas. A presença de expressivas anomalias morfoestruturais com geometria retangular junto a áreas alagadas e sua delimitação por lineamentos retilíneos e ortogonais, principalmente observados nas porções distais e marginais do megaleque, se constituem em fortes argumentos em suporte a esta interpretação, além de anomalias de drenagem. Logo, os dados reunidos neste trabalho permitem sugerir que áreas alagadas na área do rio Demini refletem subsidência tectônica. Por se tratar de uma região bastante plana, movimentos em subsidência teriam tornado a área de estudo alagável e sujeita à acomodação de sedimentos derivados das áreas do embasamento a noroeste sob forma de um megaleque. Com a interpretação conjunta dos dados levantados aqui, foi possível estabelecer um modelo evolutivo relativo para o megaleque Demini, conforme figura 1, onde subsidência promovida pela reativação de falhas principalmente NE-SW e NW-SE teria levado à geração de uma depressão ampla, que se constituiu em um extenso espaço de acomodação de sedimentos oriundos de noroeste. Esta área de sedimentação ativa no Quaternário tardio e durante este tempo, possivelmente ainda devido à influência tectônica, os sedimentos foram sendo acumulados lateralmente e por fases, sendo refletidas em cinco lobos deposicionais.

Figura 1

Modelo evolutivo tectono-sedimentar para o megaleque Demini durante o Quaternário tardio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O megaleque Demini apresenta forte controle estrutural que reflete macro esforços tectônicos. Subsidência regional criou depressão com subsequente preenchimento sedimentar e formação do sistema deposicional. Com a subsidência, o interflúvio entre os rios Negro e Branco tornou-se uma extensa área alagável e com sedimentação ativa vinda do embasamento cristalino do Escudo das Guianas, originando o megaleque que formou cinco lobos deposicionais.

AGRADECIMENTOS
Os autores externam seus agradecimentos à FAPESP pelo financiamento do projeto proc. 2010/09484-2.

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