Anais: Geomorfologia fluvial

SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL E RELAÇÕES GEOMORFOLÓGICAS DOS LEQUES ALUVIAIS NA CALHA DO ALTO RIO PARANÁ

AUTORES
Morais, E.S. (UNESP) ; Cremon, E.H. (INPE) ; Santos, M.L. (UEM) ; Souza Filho, E. (UEM) ; Stevaux, J.C. (UEM)

RESUMO
Esse trabalho tem por objetivo conhecer a idade dos leques aluviais na calha do rio Paraná, e entender suas relações geomorfológicas baseadas em morfometria. Os resultados obtidos mostram que os leques aluviais tem idade que se encaixam no período seco entre 3.500 a 1.500 anos AP, enquanto a análise morfométrica sugere que além de clima seco, condições de maior variabilidade climática (sazonalidade) foram fundamentais para o desenvolvimento dos leques.

PALAVRAS CHAVES
LEQUES ALUVIAIS; MORFOMETRIA; RIO PARANÁ

ABSTRACT
The aims of this work are to demonstrate the age of alluvial fans in the Upper Paraná River and its morphometric characteristics. The results have showed that the age of alluvial fans fit in the dry period (3.500 to 1.500 BP). In addition morphometric analysis suggest that climate variability has been an important factor to the evolution of alluvial fans in this region.

KEYWORDS
ALLUVIAL FANS; MORPHOMETRY; PARANÁ RIVER

INTRODUÇÃO
A região do Alto do rio Paraná apresenta em sua história quaternária registros de fases com oscilações climáticas (STEVAUX et al., 2004). De ~40.000 até ~8.000 anos AP, os dados coletados até então registram uma fase de clima mais seco que o atual. Entre ~8.000 a ~3.500 condições de maior umidade vigoraram, que levou a mudança de padrão de canal do rio Paraná de entrelaçado para anastomosado e a construção da planície de inundação atual. Enquanto entre ~3.500 a ~1.500 anos AP, condições mais secas vigoraram no qual até o desenvolvimento de dunas na região é atribuído a esse período (PAROLIN & STEVAUX, 2006). Por fim, de ~1.500 ao presente as condições climáticas tornaram a ser úmidas. Nessa região o trecho aluvial do rio Paraná apresenta em sua calha alguns patamares que são atribuídos à terraços e a planície aluvial, produtos de alterações climáticas (SOUZA FILHO, 1993; STEVAUX, 1993) e processos de neotectônica (FORTES et al., 2003). As drenagens tributárias que cortam esses terraços e planícies em alguns trechos estão associadas a formação de leques aluviais. Essas feições possuem a morfologia preservada e importante significado paleoambiental da evolução do sistema fluvial do rio Paraná. Análise prévia sugere que esses leques são inativos atualmente e que provavelmente são formas relictas de um passado relativamente recente na história Quaternária dessa região. O desenvolvimento de leques aluviais, embora não exclusivo, é mais comum ocorrer em áreas de clima seco (p.e. BULL, 1964; DENNY, 1967), entretanto sabe-se que condições de grande variabilidade climática também favorece o desenvolvimento dessas feições (DENNY, 1967; LEIER et al., 2005). Com base no pressuposto de que condições climáticas mais secas e de maior variabilidade intra-sazonal teriam propiciado o desenvolvimento desses leques, este trabalho tem por objetivo conhecer a idade dessas feições e entender as possíveis relações geomorfológicas baseadas em morfometria para seu desenvolvimento.

MATERIAL E MÉTODOS
Para atingir os objetivos propostos, este trabalho contou com duas etapas. Foi realizado trabalho de campo em janeiro de 2009 para coleta de sedimentos e datação por LOE (Luminescência Opticamente Estimulada), tendo em vista a boa aplicabilidade desse tipo de datação em depósitos aluviais (p.e. SOARES et al., 2010). Dada as dificuldades de acesso à região, essa etapa se concentrou apenas no leque aluvial desenvolvido pelo Córrego Dourado, junto a foz do rio Ivaí, onde já foi realizado um trabalho prévio (MORAIS et al., 2010), no qual um tubo com 10 cm de diâmetro com 25 cm de comprimento foi cravado em um perfil escavado pela drenagem para coleta do sedimento proveniente do leque. Concomitantemente, foi realizado o mapeamento dos leques aluviais e respectivas bacias de drenagem com feições melhor preservadas na calha do Alto rio Paraná a partir de imagens multiespectrais ASTER/Terra e MDE-SRTM, conforme exposto em Cremon (2009), dos quais foram extraídas as seguintes variáveis morfométricas: • Índice de circularidade – expressa a forma da bacia de drenagem, se é mais circular (valores próximo de 1) ou alongada (valores próximo de 0). É um fator importante na resposta e intensidade de processos hidrológicos. • Densidade de drenagem – expressa o substrato e cobertura da bacia de drenagem. • Espessura do leque (estimado) – interpolando a região do entorno dos leques (topograficamente mais baixa) para uma estimativa da base dos leques e subtraindo do dado altimétrico do leque, se tem o volume aproximado de sedimento desses leques. Dividindo o volume pela área, se tem a espessura média dessas feições. Essas variáveis foram analisadas posteriormente com análise de regressão e interpretados com demais dados da literatura.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A idade LOE para a amostra coletada no leque aluvial do Córrego Dourado apresentou idade que se encaixa no segundo período de clima seco registrado para a região do Alto rio Paraná (3.500 a 1.500 anos AP), conforme dados apresentados na Tabela 1. Dada a morfologia homogênea dos leques mapeados é possível inferir que todos se desenvolveram aproximadamente no mesmo período. A morfologia bem preservada dessas feições aliada a idade relativamente recente obtida no leque do córrego Dourado, também corrobora para tal interpretação. Diferentemente do leque identificado por Guerreiro (2011) na margem esquerda do rio Paraná, cuja morfologia encontra-se obliterada e a idade de desenvolvimento foi datada em 7.540±20 anos cal. AP, mostrando que o conjunto de leques de morfologia similar (objeto de estudo deste trabalho) sugere gênese diferente do leque estudado por esse autor. Em relação a análise morfométrica dos leques, embora estatisticamente há poucas amostras para a definição de um modelo robusto, com essas foi possível verificar como se comportam as relações geomorfológicas entre as variáveis mensuradas, principalmente se são proporcionais, inversamente proporcionais ou com ausência de relação. Na análise de variáveis morfométricas foi tomado o cuidado de se comparar dados representativos de dimensionalidade em separado de dados normalizados. Por isso, os dados aqui apresentados são todos consistidos de normalização. Como pode ser visto na Figura 1, a espessura dos leques possui relação inversa com o índice de circularidade e a densidade de drenagem, ou seja, bacias com geometria mais estreitas e com menor densidade de drenagem (mais porosas) tendem a formar leques mais espessos. Bacias de drenagem mais alongadas propiciam que o escoamento da drenagem chegue mais rápido ao canal principal. Logo, eventos de precipitação intensa possuem maior pico de vazão em relação às bacias circulares sob mesmas condições de substrato. Já em relação à densidade de drenagem, terrenos com baixa densidade são mais característicos de áreas de substrato poroso, dominadas por rochas sedimentares, principalmente arenitos, como é o caso da Formação Caiuá predominante na área de estudo. Consequentemente, haverá um domínio de solos arenosos. Esse fator, combinado a forma alongada da bacia propicia que em eventos de precipitação concentrada, o material erodido (arenoso) seja rapidamente transportado para o canal principal que ao passar para uma área plana, no caso os terraços e planícies, ocorre o desconfinamento do fluxo (redução do stream power) e deposição dos sedimentos. Eventos climáticos intensos são os que mais constroem e destroem formas de relevo, logo uma atenção especial tem sido dada em relação à variabilidade e sazonalidade climática que ocorre no tempo. Eventos extremos como flash floods e mesmo a variabilidade climática de regimes bimodais propiciam condições para o desenvolvimento de leques aluviais (Denny, 1967; Leier et al., 2005). Logo, é possível formular a hipótese de que além de condições mais secas que o atual entre 3.500 a 1.500 anos AP, também houve uma maior variabilidade climática intra-sazonal nesse período, que favoreceu um rápido transporte de sedimentos e deposição dos leques aluviais da calha do rio Paraná.



Tabela 1 – Concentração de isótopos radioativos, dose anual, dose acumulada e idade LOE.



Figura 1 – a) Relação entre a espessura (m) dos leques e o índice de circularidade das bacias de drenagens; b) relação entre a espessura (m) dos leques e a densidade de drenagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As interpretações feitas aqui foram baseadas em um número reduzido de datações, no qual maior amostragem nesse sentido serviria de suporte para elas ou mesmo para outras conclusões. No entanto os dados aqui apresentados mostram que os leques aluviais com morfologia bem preservada na calha do Alto rio Paraná possuem idade que se encaixam no período seco entre 3.500 a 1.500 anos AP. A análise morfométrica dos leques com suas respectivas bacias de drenagem sugerem que condições de maior variabilidade climática (sazonalidade) foram fundamentais para o desenvolvimento e espessura dos leques. Sendo assim, interpreta-se que além de mais seco, condições de maior sazonalidade também vigoraram nesse período, que propiciou maior atividade morfogenética na região.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq pelo financiamento do projeto 473253/2007-0.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BULL, W. B. Alluvial Fans and Near-Surface Subsidence in Western Fresno County California. Geological Survey Professional Paper, p. 1-71, 1964.
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GUERREIRO, R. L. Evolução Geomorfológica e Paleoambiental dos Terraços da Margem Esquerda do Alto rio Paraná. Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Geografia, UEM, Maringá, 2011.
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