Anais: Geomorfologia fluvial

Hidrossedimentologia em perspectiva geoecológica: o aporte da bacia de drenagem do alto rio São João à Represa de Juturnaíba – RJ

AUTORES
Pimenta, M.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) ; Vicens, R.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Castro, P.I. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE)

RESUMO
Analisando o aporte de água e sedimentos à Represa de Juturnaíba através de correlações entre mapeamentos físico-geográficos e dados hidrossedimentológicos do rio São João à montante dela, encontrou-se que a unidade ambiental de maior interferência na produção hídrica é a de montanhas, com associações de cambissolos e neossolos litólicos e maiores volumes precipitados; já as de latossolos e argissolos em colinas dissecadas e morros residuais, as principais áreas-fonte de sólidos suspensos.

PALAVRAS CHAVES
hidrossedimentologia; bacia hidrográfica; geoecologia das paisagens

ABSTRACT
Water and sediment discharge to Juturnaíba reservoir was analyzed through correlation ships between thematic maps and hydro-sedimentologial data in São João river. The humid mountain with cambisoils and litholic soils was the main environmental unit in the water volume production while the eroded hills and residual relief with clayey oxisoils was the main source of suspended solid discharge.

KEYWORDS
hidrossedimentology; basin; landscape geoecology

INTRODUÇÃO
Em perspectiva geomorfológica, os rios são um dos principais agentes de esculturação do relevo através dos processos de erosão e sedimentação em decorrência do escoamento de suas águas (CHRISTOFOLETTI, 1981). A origem desses fenômenos está fundamentada nas propriedades geológicas, geomorfológicas e pedológicas associadas à hidrodinâmica pluvio-fluvial, podendo sofrer interferências por atividades humanas areolares ou alteração direta nos cursos d’água (PENTEADO, 1974). Quanto ao comportamento hidrossedimentológico, a sua análise dinâmica é indicativa do controle que as características do espaço geográfico imprimem à produção de água e sedimentos de uma bacia de drenagem, informando sobre a perspectiva evolutiva da paisagem e sendo, portanto, indispensável à gestão ambiental. Assim, a relevância do presente estudo está ligada ao diagnóstico do meio como subsídio ao uso sustentável da terra e à preservação das funções-chave da paisagem (DIAKNOKV & MAMAI, 2008). A partir deste entendimento, buscou-se a compreensão dos fatores ambientais reguladores de processos hidrossedimentológicos com foco nos canais fluviais, adotando-se como área de estudo uma bacia de drenagem que englobasse uma alta geodiversidade ambiental e usos múltiplos da água e da terra, representando assim uma variedade de paisagens capaz de imprimir na rede hidrográfica diferentes respostas em descargas sólida e hídrica. Objetivando o entendimento da estrutura e funcionamento do sistema fluvial da bacia do alto rio São João, foram realizadas correlações entre fatores ambientais advindos de mapeamentos temáticos – climáticos, geológicos, geomorfológicos, pedológicos e de uso da terra – integrados através de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) reunindo unidades de síntese ambiental, e de dados hidrossedimentológicos coletados in situ; para por fim estabelecer parametrizações entre as áreas de cobertura na superfície das unidades ambientais e os seus escoamentos de água e sedimentos correspondentes.

MATERIAL E MÉTODOS
Como busca aos fatores ambientais que controlam os processos hidrossedimentológicos da bacia do alto rio São João, foi realizado um monitoramento sazonal entre os anos de 2009 e 2011 em pontos de coleta privilegiando outlets de suas sub-bacias. Neles, foi efetuada a mensuração da descarga líquida (Ql) pelo método área-velocidade, com elaboração de perfis transversais e utilização de fluxômetro; além da amostragem de água no talvegue dos canais fluviais que, posteriormente, em análise laboratorial por gravimetria, estabeleceu a concentração de sedimento suspenso (Css) (CARVALHO, 1994). O mapeamento da paisagem deu-se a partir da interrelação dos seguintes elementos: macroestruturas do relevo em litologia (DRM,1980) e compartimentação geomorfológica (PIMENTA et al, 2010), tipos climáticos (CRONEMBERGUER et al, 2011) e associações pedológicas (CARVALHO FILHO et al, 2001), além do uso da terra provindo do Processamento Digital de Imagens SPOT 2008 no programa eCognition Developer de acordo com metodologia proposta por Cruz et al (2007). A interação destes fatores ambientais consistiu na sua reunião, em formato digital vetorial e georreferenciado, na plataforma ArcGIS 9.3 através da ferramenta Intersect do Analysis Tools. A correlação quantitativa entre os dados coletados in situ e processados em gabinete deu-se pelo cálculo do coeficiente de Pearson, capaz de mensurar associações numéricas em pares de variáveis (LANDIM, 2003): utilizou-se as áreas parciais (de compartimentação geomorfológica, uso da terra e unidades de síntese ambiental) que recobrem cada sub-bacia e seus respectivos parâmetros hidrossedimentológicos. Em geral, elas mostraram-se mais fortes em escala logarítmica, por isso esta foi a adotada, indicando a relação geométrica comum aos fenômenos da natureza, e também foram testadas quando ao nível de significância de 0,01. Para as análises, foram considerados aqueles superiores a 0,3; sendo até 0,6 substancial e, acima deste limite, relações fortes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da análise dos coeficientes de correlação, notaram-se os mais intensos na relação Css-compartimentação geomorfológica: negativos para vales intramontanos [0,71] / montanhas baixas [-0,43] e positivos para colinas dissecadas [0,62] / morros residuais [0,48], indicando este ser um forte fator de controle da produção hidrossedimentológica. Entende-se que a disponibilização de sedimentos ao sistema depende das diferentes condições de ordem geológico- estrutural e seus correspondentes escoamentos em substratos mais ou menos friáveis/permeáveis. Assim, áreas montanhosas em terreno cristalino com maiores densidades de drenagem e precipitações concentradas apresentaram as menores contribuições para os sólidos em suspensão, por conta do material menos intemperizado das altas declividades dispondo menor quantidade de silte e argila, e as maiores Ql – nota-se sua correlação substancial com montanhas baixas [0,44]. Essa distribuição espacial é mostrada na Figura 1, onde as Ql e Css da bacia do alto rio São João exibidas no eixo central correspondem ao canal principal, e os tributários estão dispostos em suas margens correspondentes, identificados topologicamente. Examinando os gráficos, nota-se a diferenciação entre as sub-bacias da margem esquerda, que drenam a Serra do Mar, exibindo baixas Css e elevados caudais; e as da margem direita, que, mesmo com menores áreas e comprimento total de canais, possuem os incrementos mais expressivos de sólidos suspensos, o que indica sua eficiência na produção e transporte desses sedimentos. Ou seja, na bacia do alto rio São João não há proporcionalidade direta entre as descargas hídrica e sólida; além disso, ressalta-se como consequência os valores decrescentes de Css de montante para jusante no exutório, com queda em torno de 48%, enquanto as descargas líquidas aumentam. Quanto ao uso da terra, os coeficientes de Pearson indicaram relação menos intensa: a influênciadas áreas com coberturas originais (florestas e formações pioneiras) foi em prol das menores taxas de sólidos suspensos nos canais fluviais [-0,34], assim como estas se tornam maiores nos sub-sistemas com influência antrópica [0,34]. Ademais, ressalta-se a Ql com correlações muito fracas nesta variável [0,00 e 0,07, respectivamente]. Examinando o cruzamento da compartimentação geomorfológica com o uso da terra, as maiores correlações foram encontradas em Css-colinas dissecadas/morros residuais; tendo coeficientes positivos tanto para as coberturas originais [0,59/0,44] quanto para as de influência antrópica [0,52/0,48], indicando estas feições geomorfológicas como importantes contribuidoras à produção de sedimentos da bacia hidrográfica em questão. E, mais uma vez, as montanhas baixas mostraram proporção inversa ao incremento dos sólidossobcoberturas naturais [-0,44]aos mesmos níveis quando não se considerou o uso da terra. Sendo que, esta unidade, avaliando-se as Ql, foram as que melhor explicaram o seu incremento [0,43], inclusivesob influência antrópica [0,38]. Pode-se concluir, portanto, que enquanto os menores patamares do relevo controlam a produção sedimentológica, os maiores são responsáveis pelas entradas mais expressivas de água no sistema. Nas análises das unidades de síntese ambiental, apresentada de forma simplificada na Figura 2, quanto à Css, valores positivos foram encontrados para os latossolos sobre colinas dissecadas [0,78], argissolos sobre morros residuais [0,63] e montanhas baixas [0,69], em áreas modificadas antropicamente. Nas montanhas, as correlações negativas surgiram com os neossolos litólicos em ambos os tipos de cobertura do solo [-0,57/-0,33], o que evidencia sua baixa contribuição para o transporte de sedimentos finos. Já em relação às Ql, novamente apresentam correlação mais forte com as montanhas de embasamento cristalino Pré-cambriano, sendo maiores nas unidades com solos de drenagem pouco eficiente: cambissolos [0,65] e neossolos litólicos [0,63].

Figura 1

Média das Ql (m³/s) [gráfico azul] e das Css (mg/l) [gráfico marrom] de 2009 a 2011. O hachurado refere- se a valores inferidos.

Figura 2

Síntese ambiental pedo-geomorfológica da bacia de drenagem do alto rio São João.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, conclui-se: -Variáveis hidrossedimentológicas indicativas de forças destrutivas/acumulativas subsidiaram análises de fatores ambientais eficazmente integrados em SIGs mostrando alta potencialidade em estudos de dinâmicas da superfície; -O compartimento geomorfológico das montanhas, com os maiores volumes precipitados e densidades de drenagem, sobre associações de cambissolos e neossolos litólicos ,indicaram maior influência na produção hídrica da bacia; -As principais áreas-fonte de sólidos suspensos encontradas foram as de latossolos e argissolos em colinas dissecadas e morros residuais, com drenagem subdentrítica em solos com baixa fertilidade natural e alta susceptibilidade à erosão laminar e em sulcos; -A necessidade de estudos em hidrossedimentologia para planejamento da exploração de recursos naturais com análise integrada da paisagem para subsídio às práticas sustentáveis que garantam o equilíbrio sistêmico dos processos fluviais e a qualidade dos recursos hídricos.

AGRADECIMENTOS
Os presentes autores agradecem ao CNPq pelo fomento à pesquisa concedido através de bolsas de estudo (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) e auxílios (Edital Universal).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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