Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

Mapeamento geomorfológico da Bacia do Rio Turvo-RJ: Médio Vale do Rio Paraíba do Sul

AUTORES
Xavier, R.A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA) ; Coelho Netto, A.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO)

RESUMO
Foram observadas 222 depressões fechadas em divisores de drenagem e apenas 33 voçorocas, sugerindo baixa efetividade dos processos mecânicos, sobretudo ao compararmos com a sub-bacia do rio Piracema, tributária do rio Bananal, com 117 voçorocas e apenas 1 depressão fechada. A sub-bacia do rio das Pedras concentrou 21 das 33 voçorocas ativas, os mais espessos pacotes fluviais e apenas 16 depressões fechadas.

PALAVRAS CHAVES
feições geomorfológicas; denudação mecânica; denudação química

ABSTRACT
222 closed depressions were observed in dividing drainage gullies and only 33, suggesting low effectiveness of mechanical processes, especially when comparing with the sub-basin of the River Spawning, Bananal tributary of the river, with 117 craters and only a closed depression. The sub-basin of the Rio das Pedras concentrated 21 of 33 active gullies, the thickest packages river and only 16 closed depressions.

KEYWORDS
geomorphological features; mechanical denudation; chemical denudation

INTRODUÇÃO
A Região Sudeste do Brasil, particularmente os Médios Vales dos Rios Doce e Paraíba do Sul, vem sendo amplamente estudados nas quatro últimas décadas. Estudos anteriores mostraram grande efetividade erosiva-deposicional na região, registradas através da identificação de espessos pacotes de sedimentação fluvial que teriam se originado já no Pleistoceno tardio e inicio do Holoceno (Meis, 1977; Meis & Machado, 1978; Meis e Monteiro, 1979; Meis & Moura, 1984; Coelho Netto, 1999). Sumarizando estudos de quase 20 anos na bacia do Rio Bananal, Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, Coelho Netto (1999) apresentou um modelo evolutivo para a bacia, onde destacou que a evolução é espacialmente não-uniforme, episódica e sincronizada na escala da bacia, ocorrendo sucessivas gerações de rampa e complexos de rampa além do desenvolvimento de superfícies pedimentares. Dessa maneira, os processos de erosão e agradação ocorreram de forma sincronizada em toda a bacia, tendo um aumento na intensidade da dissecação das encostas em direção ao baixo curso devido o maior aporte de fluxos subterrâneos que exfiltram na superfície através de fluxos artesianos. No mesmo trabalho, Coelho netto (op cit) questionou até onde o modelo evolutivo da bacia do rio Bananal poderia ser aplicado. Baseada em evidências de campo na bacia do Rio Turvo, localizada na vertente Mantiqueira, em frente a bacia do rio Bananal, a autora observou que apesar das mesmas condições climáticas e de uso e cobertura do solo, a bacia do Rio Turvo possui feições bem diferentes da bacia do Rio Bananal. Diante da crescente constatação da variabilidade de feições geomorfológicas existentes no Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, o presente trabalho apresenta um mapeamento geomorfológico sistemático da bacia do rio Turvo, com o objetivo de identificar, quantificar e espacializar as feições geomorfológicas predominantes na bacia, indicadoras do trabalho mecânico e/ou químico atuante na bacia, no tempo geológico recente.

MATERIAL E MÉTODOS
A bacia do rio Turvo drena a vertente esquerda (Serra da Mantiqueira) do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul em direção a zona transtensional de Volta Redonda-RJ. A bacia possui uma área de cerca de 410 km2 e apresenta formas convexo-côncavas bastante afeiçoadas e fundos de vales largos com presença de níveis de terraços pouco espessos (em torno de 4 a 11 metros). A geologia da bacia do rio Turvo apresenta uma extensa área dominada pela Unidade Suite Rio Turvo, composto por granada biotita granito porfiróide foliado. O granitóide Turvo é circundado por rochas da Megassequência Andrelândia: biotita gnaisse bandado com intercalações de silimanita-granada-biotita gnaisse, anfibolitos e rochas calcissilicáticas. Há também ocorrência local de rochas quartzíticas, principalmente na faixa de ocorrência da escarpa de falha. Na porção leste da bacia é observado a presença do Complexo Juiz de Fora, com ortogranulitos bandados. A pesquisa buscou conhecer as principais feições geomorfológicas existentes na bacia, como forma de reconhecimento dos processos geomorfológicos predominantes. Assim, foram identificadas as seguintes feições: depressões fechadas em divisores de drenagem, voçorocas, planícies de inundação, leques aluviais, terraços fluviais e knickpoints. Foram utilizadas fotografias aéreas que cobriam toda a bacia. As feições identificadas foram lançadas sobre 2 bases topográficas de referência: uma disponibilizada em forma digital pelo IBGE na escala 1:50.0000, e outra editadas pelo Serviço Cartográfico do Exército, na escala 1:25.000. Com a utilização da estereoscopia foi realizada a restituição da rede de drenagem. Com o intuito de compartimentar a bacia em domínios geomorfológicos, foi utilizado o modelo proposto por Meis et. al. (1982), onde os autores definiram o uso de bacias de 2ª ordem como o recorte para análise topográfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A compartimentação topográfica mostrou espacialmente a distribuição dos 4 domínios de amplitude do relevo. O domínio do relevo onde predomina encostas escarpadas de grande amplitude ocorre ao longo da escarpa de falha na bacia do rio Turvo, no sentido SW-NE, e nas cabeceiras da bacia do rio Pedras na posição NO. No restante das cabeceiras tanto da bacia do rio Pedras quanto do rio Turvo prevalecem bacias com amplitude entre 200 e 400 metros. O compartimento formado por colinas convexo-côncavas, com amplitude de relevo entre 100 e 200 metros, prevalece em grande parte da bacia do rio Turvo. As bacias com baixa amplitude de relevo, inferior a 100 metros, tiveram pouca representatividade espacial, sendo marcante no baixo curso do rio Pedras. Foram mapeadas 33 voçorocas ativas em toda a bacia do rio Turvo, com uma relação de 0,08 voçorocas por km2. Desse total, destaca-se que 21 voçorocas foram observadas na sub-bacia do rio Pedras, possuindo uma relação de 0,16 voçorocas por km2 (tabela 1). Essa característica revela uma relativa baixa atividade erosiva por voçorocamento uma vez que na bacia do rio Bananal, Cambra (1999) observou 117 voçorocas ativas na sub-bacia do rio Piracema, com uma relação de 0,9 voçorocas por km2. Desta maneira, podemos dizer que na paisagem geomorfológica do MVRPS encontramos feições erosivas de forma mais freqüente na bacia do rio Bananal do que na bacia do rio Turvo, e que nesta ultima bacia, apresenta a sub-bacia do rio Pedras com maior concentração dessas feições. De modo geral, foi observado na maior parte da bacia apenas um nível de depósito nos fundos de vale, o que representa a atual planície de inundação dos rios. Os terraços fluviais encontrados são restritos há algumas áreas da bacia, principalmente antes de confluências de canais tributários, que funcionam também como níveis de base locais. Esta característica observada difere da bacia do rio Bananal, onde os depósitos nos fundos de vale estão associados a ocorrência de níveis de base rochosos (Dantas, 1995). O mapeamento geomorfológico revelou uma grande quantidade de depressões fechadas em divisores de drenagem, o que significa importante papel desempenhado pelos processos de denudação química. Em toda a bacia do rio Turvo foram observadas 222 depressões fechadas, o que representa 0,54 depressões/km2. Todavia, as depressões não possuem uma distribuição uniforme por toda a bacia, elas estão concentradas mais no alto curso da bacia do rio Turvo (0,74 depressões/km2) e são menos comuns na sub-bacia do rio Pedras (0,12 depressões/km2). Além dessa distinção entre a sub-bacia do rio Pedras e o restante da bacia do rio Turvo, o tipo de rocha também interfere na concentração das depressões fechadas. De forma geral, as rochas somadas dos domínios Andrelândia e Juiz de fora apresentaram densidade de 0,5 depressões/km2, enquanto nos Terrenos Terciários não encontramos depressões fechadas. Analisando os tipos de rochas de cada domínio, observamos que o quartzito apresentou a maior densidade, sendo 1,3 de depressões/km2. Uagoda et al.(2009) e Uagoda et al. (2010), estudando feições cársticas em rochas não carbonáticas na bacia do ribeirão Santana, Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, encontraram uma densidade de depressões fechadas de 5,1/km2 em áreas de quartzito impuro, de 4,1/km2 em áreas de quartzito grosseiro e de 3 depressões fechadas/km2 no domínio do gnaisse. Além do quartizito, outros dois tipos litológicos apresentaram alta densidade de depressões fechadas, Silimanita-granada-biotita gnaisse e os ortognaisses, com 0,96 e 1,06 depressões/km2 respectivamente. Em relação aos diferentes compartimentos topográficos, foi observado que a maior concentração de depressões está no relevo com desnivelamento entre 400 e 700 metros, apresentando 0,82 depressões/km2. Os compartimentos mais dissecados apresentaram menor densidade de depressões fechadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A bacia do rio Turvo apresenta características morfológicas distintas da bacia do rio Bananal, onde, de modo geral, observou-se o predomínio de feições típicas de denudação geoquímica, como as depressões fechadas em divisores de drenagem. As depressões foram comuns em todos os tipos litológicos, prevalecendo uma maior densidade nos quartzitos. A bacia do rio Turvo, excluindo a sub-bacia do rio das Pedras, apresenta baixo gradiente topográfico, os tributários da margem esquerda são pouco desenvolvidos, pois drenam sentido anti-mergulho (anti-dip), e os da margem direita estão sobre a forte resistência dos quartzitos. A sub-bacia do rio das Pedras apresentou a maior concentração de voçorocas, os maiores depósitos fluviais estocados e poucas depressões fechadas. Assim, a maior eficiência erosiva desta sub-bacia teria favorecido a abertura das depressões, tal como sugerido por Coelho Netto (2003).

AGRADECIMENTOS
Os autores são gratos ao CNPq e a FAPERJ por financiarem esta pesquisa.

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