Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

Compartimentação geomorfológica da bacia hidrográfica do Ribeirão Samambaia – SP: subsídios para a ocupação espacial.

AUTORES
Simon, A.L.H. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS) ; Cunha, C.M.L. (UNESP/RIO CLARO) ; Perez Filho, A. (UNICAMP)

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar a compartimentação geomorfológica da bacia hidrográfica do Ribeirão Samambaia – SP, a partir da identificação e análise de seus aspectos morfográficos e morfométricos. A elaboração dos mapas geomorfológico e de declividade da bacia subsidiou a identificação e análise das características de quatro compartimentos distintos que podem auxiliar ações de planejamento da ocupação da área: Reverso Cuestiforme, Front Cuestiforme, Média Bacia e Baixa Bacia.

PALAVRAS CHAVES
Cartografia do Relevo; Análise Ambiental; Planejamento Ambiental

ABSTRACT
This paper aims to present a geomorphological subdivision of Ribeirão Bonito watershed (Sao Paulo State), based on morphographic and morphometric characteristics of landforms. Geomorphological maps and slope maps of the basin supported the identification and analysis of four different compartments that can help planning the spatial occupation of the area: Reverso Cuestiforme, Front Cuestiforme, Média Bacia e Baixa Bacia

KEYWORDS
Geomorphological Mapping; Environmental Analysis; Environmental Planning

INTRODUÇÃO
A organização dos elementos físico-ambientais tem implicações diretas no processo de ocupação espacial (CHRISTOFOLETTI, 1999). As formas do relevo sustentam as atividades antrópicas, mas, quando a expansão de áreas agropastoris e urbano-industriais ocorre sem o reconhecimento de suas peculiaridades, podem acontecer mudanças na morfodinâmica que acarretam impactos tanto às estruturas socioeconômicas, quanto às condições de integridade dos sistemas geomorfológicos (CASSETI, 1991; SIMON, 2007). Assim, a compartimentação das formas do relevo, considerando a morfografia, morfometria e morfogênese, pode auxiliar na compreensão das condições naturais e no planejamento do processo de ocupação. Neste sentido, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de realizar a compartimentação geomorfológica da bacia do Ribeirão Samambaia – SP, a partir da identificação e análise dos aspectos morfográficos (avaliação da organização espacial das feições do relevo) e morfométricos (análise da declividade da área). A bacia do Ribeirão Samambaia comporta a área urbana do município de São Pedro. A evolução espacial desta cidade extrapolou os limites da bacia, alterando as características morfohidrográficas a partir da impermeabilização do terreno e de mudanças na morfologia das vertentes, com conseqüente alteração do escoamento superficial. O cultivo da cana-de-açúcar se destaca como principal prática agrícola na bacia, seguindo uma tendência característica das áreas localizadas próximas ao município de Piracicaba. A ocorrência das áreas de cana-de-açúcar se dá, sobretudo nas porções de baixa bacia (sobre vertentes convexas medianamente alongadas) vindo a ocupar também áreas do reverso cuestiforme (SIMON, 2010). Desta forma, a compartimentação geomorfológica pode destacar as condições que favorecem ou restringem a continuidade da dinâmica de uso da terra, viabilizando a estruturação de planos de ocupação que tenham como base as características geomorfológicas e os processos atrelados

MATERIAL E MÉTODOS
A compartimentação geomorfológica da bacia hidrográfica do Ribeirão Samambaia foi organizada a partir das informações obtidas no mapa geomorfológico e no mapa das classes de declividade da área, ambos em escala 1:50.000. O mapeamento geomorfológico enfatizou a morfografia, com destaque para as feições de relevo que indicam maior dinâmica erosiva desencadeada pelo escoamento superficial das águas pluviais. Os dados foram obtidos a partir da utilização da imagem PRSIM (Panchromatic Remote-sensing Instrument for Stereo Mapping), do ano de 2007, com 2,5 m de resolução espacial. As feições geomorfológicas foram vetorizadas no ambiente do AutoCadMAP 2004 e a simbologia utilizada seguiu as orientações de Tricart (1965) e Verstappen; Zuidan (1975), encontrando respaldo também nas adaptações destes dois conjuntos de simbologia propostos por Cunha (2001) e Simon (2010). O mapeamento da declividade da bacia do Ribeirão Samambaia foi elaborado a partir da orientação de De Biase (1970) e das adaptações sugeridas por Sanchez (1993). As classes de declividade foram definidas a partir da proposta de Lepsch et al. (1991) com adaptações pertinentes à área em estudo, considerando os seguintes intervalos: ≤3%; 3-6%; 6-12 %; 12-20 %; 20-30 %; 30-45 %; ≥45 %. Trabalhos de campo foram realizados no sentido de constatar e verificar as informações obtidas a partir dos mapeamentos geomorfológicos e de declividade, possibilitando maior controle no detalhamento das feições mapeadas sem a propriedade estereoscópica da imagem PRISM no cenário de 2007

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram definidos quatro compartimentos geomorfológicos: Reverso Cuestiforme, Front Cuestiforme, Média Bacia e Baixa Bacia. O Compartimento Geomorfológico do Reverso Cuestiforme abrange uma área de 7,41 km², onde predominam vertentes convexas medianamente alongadas, com declividades situadas entre 12-20% e 20-30%, conectadas a fundos de vale com seção transversal em “V”. Os topos são bem delineados e margeados por rupturas de declive suaves que escalonam as vertentes e formam patamares em áreas de topos. O contato deste compartimento geomorfológico com o front cuestiforme ocorre a partir de um rompimento altimétrico brusco, caracterizado pela linha de cuesta, pela qual os canais fluviais perpassam a partir de quedas e rápidos. As lavouras de cana-de-açúcar apresentaram uma significativa expansão neste compartimento (SIMON, 2010) e esta situação requer planejamento da ocupação para a manutenção da dinâmica fluvial em área de nascentes. Situado na área de ocorrência das maiores amplitudes topográficas da bacia do Ribeirão Samambaia (600 a 900 metros), o Compartimento Geomorfológico do Front Cuestiforme abrange uma área de 9,34 km² onde predominam declividades superiores a 30%, correspondentes às morfologias desenvolvidas sobre os depósitos de tálus e à cornija. A rede de drenagem apresenta densidade significativa em função do contato litológico entre as Formações Botucatu e Serra Geral, com presença de nichos de canais de primeira ordem e segmentos de ribeirões com nascentes no setor do reverso cuestiforme. Os canais fluviais apresentam, em sua maioria, seção transversal em “V”. A imposição estrutural existente dificulta os processos de ocupação e uso da terra que possam comprometer as características da morfohidrografia (SIMON, 2010). O Compartimento Geomorfológico da Média Bacia está situado entre as cotas altimétricas de 560 e 600 metros, onde ocorrem morfologias suavemente dissecadas, com predomínio de vertentes convexas muito alongadas e declividades que se concentram entre 3-6% e 6-12%. Abrange uma área de 27,75 Km². O contato das vertentes com os fundos de vale é marcado por rupturas topográficas suaves. Os canais fluviais de primeira ordem passam a se organizar, em geral, nas porções mais à jusante das concavidades de vertente, revelando uma baixa densidade de drenagem. Os principais canais fluviais apresentam pequenos segmentos retilíneos interrompidos por ‘cotovelos’, indicando possível influência de falhamentos na organização da rede de drenagem. A Formação Pirambóia ocorre como litologia predominante, entretanto, rupturas abruptas no declive sugerem transição com litologias mais resistentes da Formação Serra Geral ou arenitos silicificados. Existe uma tendência de expansão do núcleo urbano neste compartimento (SIMON, 2010), fato que demanda um planejamento deste uso, baseado na legislação ambiental, a fim de possibilitar a manutenção das características de rede de drenagem e da dinâmica fluvial. Em direção a foz predominam morfologias mais dissecadas, vertentes convexas pouco e medianamente alongadas e linhas de cumeada bem definidas pertencentes ao Compartimento Geomorfológico da Baixa Bacia, que ocupa uma área de 28 Km². A amplitude topográfica varia entre 460 e 560 metros e predominam declives situados entre 12–20%; 20–30%. Os fundos de vale apresentam, em geral, seção transversal em “V” nos altos cursos e seção transversal plana nos baixos cursos dos canais fluviais, onde ocorrem planícies aluviais de pequena extensão que se conectam com outras mais bem desenvolvidas. A Formação Pirambóia ocorre como litologia predominante. Neste compartimento ocorreu a maior expansão das lavouras de cana-de-açúcar da bacia (SIMON, 2010). Este processo deve ser acompanhado da manutenção das áreas florestais e de pasto sujo nos fundos de vale, a fim de diminuir as intervenções na dinâmica morfohidrográfica e evitar a evolução de feições erosivas localizadas

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compartimentação geomorfológica da bacia do Ribeirão Samambaia possibilitou a compreensão da organização espacial das formas e da geometria do relevo. Estes compartimentos podem ser utilizados no planejamento da ocupação espacial da área. Na bacia em questão os compartimentos do reverso cuestiforme e da baixa bacia merecem atenção, pois concentram nichos de nascentes que precisam ser preservados das práticas agrícolas atreladas ao cultivo de cana-de-açúcar, evitando processos erosivos acelerados e a diminuição das densidades de rios e de drenagem. O compartimento da média bacia apresenta-se propício à expansão urbana nos patamares verificados em área de topo, mas os fundos de vale precisam ser preservados da urbanização. O compartimento do front cuestiforme, com cobertura vegetal preservada, apresenta potenciais morfohidrográficos (saltos, cascatas, cornija e tálus), favoráveis à exploração turística, desde que se preservem as condições naturais, evitando outras formas de ocupação

AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo auxílio financeiro concedido (processo BP.DR 2008/54524-2)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo:Ed. Contexto. 1991. 147 p. (Coleção Caminhos da Geografia).
CHRISTOFOLETTI, A . Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo: Edgard Bluncher, 1999. 236 p.
CUNHA, C. M. L. A cartografia do relevo no contexto da gestão ambiental. 2001. 128f. Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambiente) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001.
SIMON, A. L. H. A dinâmica do uso da terra e sua interferência na morfohidrografia da bacia do Arroio Santa Bárbara – Pelotas (RS). 2007, 185f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – IGCE/UNESP, Rio Claro, 2007.
_____. Influência do reservatório de Barra Bonita sobre a morfohidrografia da baixa bacia do Rio Piracicaba – SP: contribuições à Geomorfologia Antropogênica. 2010. 150f. Tese (doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001.
TRICART, J. Principles et méthodes de la géomorphologie. Paris: Maisson, 1965. 496p.
VERSTAPPEN, H. T.; ZUIDAN, R. A. van. ITC system of geomorphological survey: manual ITC textbook. Enschede: ITC, 1975. v. 1.