Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

Formação de lagoas marginais no segmento final do Rio Piracicaba sob interferência do reservatório de Barra Bonita (SP)

AUTORES
Santos Corrêa, C.V. (UNESP) ; Heck Simon, A.L. (UFPEL) ; Lupinacci da Cunha, C.M. (UNESP)

RESUMO
Intervenções antrópicas podem desencadear desequilíbrios no sistema fluvial, tal como a construção de barramentos. O objetivo deste trabalho é o de analisar a dinâmica de formação de lagoas marginais na planície aluvial do rio Piracicaba, após a construção do Reservatório de Barra Bonita. Deste modo, observou-se que a extensão areal da lagoa marginal aumentou em cerca de 37%, enquanto lagos de meandro foram suprimidos em função do represamento.

PALAVRAS CHAVES
lagoas marginais; lagos de meandro; represa de Barra Bonita

ABSTRACT
Anthropogenic interventions can originate imbalances in fluvial system, like the dams building. In this article, the objective is to analyze the dinamics of formation marginais lakes in floodplain Piracicaba River, after the building of Barra Bonita dam. Noted it the areal extent of marginal lake increased in 37%, and meander lakes were suppressed.

KEYWORDS
marginal lakes; meander lakes; Barra Bonita dam

INTRODUÇÃO
Os canais meândricos dão origem a uma grande variedade de formas de lagos e depósitos de planície de inundação, conforme aponta Florenzano (2008). Desta forma, estes canais são complexos do ponto de vista morfohidrodinâmico, pois através do constante sistema de deposição e remoção de carga sedimentar, novas feições são originadas, retrabalhadas e suprimidas. Quando ocorre uma intervenção humana de grande intensidade, como a construção de grandes barragens, há o rompimento do equilíbrio longitudinal do rio. Praticamente todo barramento do canal fluvial interfere no seu sistema lótico, passando a ser um sistema com características lênticas. Esse tipo de interferência gera uma série de efeitos em cadeia que, dependendo da magnitude e área de abrangência, pode ser irreparável (CUNHA, 1995). Assim, o objetivo deste trabalho é de analisar a dinâmica de formação de lagoas marginais na planície aluvial do rio Piracicaba, entre os anos de 1962 e 2007, sob intermédio do reservatório de Barra Bonita. O reservatório de Barra Bonita é formado pela confluência entre os rios Tietê e Piracicaba, cujas atividades datam do início do ano de 1963. Este se localiza na zona de influência de duas unidades geomorfológicas do Estado de São Paulo, a Depressão Periférica Paulista e morfologias derivadas das Cuestas Arenítico-basálticas. As feições do relevo se desenvolvem sobre amplas planícies aluviais holocênicas, estabelecidas sobre litologias que datam do Triásssico- Cretáceo (Formação Pirambóia) e do Permiano (Formação Corumbataí).

MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia utilizada seguiu a Teoria Geral dos Sistemas aplicada à Geografia e à análise da dinâmica de sistemas morfohidrográficos (CHRISTOFOLETTI, 1979). Nesta, o sistema socioeconômico relaciona-se diretamente com os sistemas ambientais, através de inputs e/ou entradas excessivas e perturbações sobre estes – causando, na maioria das vezes, situações de descontrole e desequilíbrio ambiental. Assim, o estudo foi organizado em duas etapas, sendo a primeira a confecção e análise da carta geomorfológica do cenário de 1962, ano de pré- intervenção, considerado como morfologia original por Rodrigues (2005). Para tal, utilizaram-se pares estereoscópicos de fotografias aéreas pancromáticas em escala aproximada de 1:25000. Foram identificadas as feições relacionadas à morfohidrodinâmica do baixo curso do Rio Piracicaba, levando-se em consideração as peculiaridades da área de estudo. A simbologia adotada para os aspectos morfográficos pautou-se na integração das propostas de Tricart (1965) e Verstappen; Zuidan (1975). O procedimento fundamentou-se nas análises sobre o mapeamento geomorfológico realizados por Cunha (2001) e Simon (2007). Na identificação das respectivas feições para o cenário pós-intervenção, selecionado como o ano de 2007, foram utilizados os mesmos procedimentos anteriores, porém a imagem orbital selecionada para ser interpretada foi a do sensor óptico PRISM, do sistema japonês ALOS. Assim, a mesma simbologia foi empregada, de modo que posteriormente os mapas foram confrontados para a análise temporal da formação de lagoas marginais ao longo do baixo curso do Rio Piracicaba.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Estudos anteriores realizados por Simon et. al. (2010) e Corrêa (2010) evidenciaram um complexo sistema morfohidrodinâmico no curso considerado como de morfologia original no setor de fundo de vale do Rio Piracicaba (LEVANTEZA & PEREZ FILHO, 2009; RODRIGUES, 2005; SIMON, 2010). As feições de origem fluvial geralmente são expressas de acordo com o seu comprimento, entretanto no presente trabalho optou-se pela avaliação da área ocupada por estas feições no contexto geral do fundo de vale do segmento final do Rio Piracicaba. Assim, no cenário de 1962 as feições identificadas como lagos e lagos de meandro não possuíram porcentagens significativas. Num quadro geral representado na Tabela 1, a área total de todas as feições morfohidrográficas correspondia a 108,36 km2, sendo consideradas planícies aluviais, barras de meandro secas e inundadas, extensão do Rio Piracicaba, terraços fluviais, meandros abandonados, diques fluviais, lagos e lagos de meandro, leques aluviais e atividades de mineração. Nesse contexto, as áreas compreendidas por lagos e lagos de meandro correspondem a 0,95 e 0,65 km2 respectivamente, cerca de 1,48% do total. Os lagos de meandros localizavam-se em algumas áreas depressionárias dos meandros abandonados, susceptíveis às variações do nível do lençol freático, sendo que também foram encontrados em agrupamento com barras de meandro ou isolados nas planícies aluviais, fato que pode indicar a assimilação das barras de meandro e dos meandros abandonados pelo processo evolutivo das planícies aluviais. Os outros lagos, que possuíam distribuição relativamente mais notória na porção central do baixo curso do Rio Piracicaba, diferem-se dos lagos de meandro por não possuírem cordões arenosos originados pela deposição sucessiva de sedimentos pela hidrodinâmica do canal, sendo localizados ora nas planícies aluviais ora à jusante dos canais tributários do curso principal. Os dados referentes ao cenário de 2007 evidenciam a influência da construção do reservatório sobre o rio, principalmente no que tange à quantidade de lagos originada ao longo de sua planície aluvial e dos canais tributários. Desta forma, constatou-se que após o barramento os lagos de meandro, presentes até então por toda a planície aluvial do baixo curso do Rio Piracicaba, foram inundados pela imposição do reservatório de Barra Bonita. Entretanto, para os outros lagos, observou-se um notório aumento de sua extensão espacial, passando de 0,95 km2 para 35,34 km2, representando um acréscimo de 37,2% sobre a morfologia original. Estes atualmente distribuem-se em geral por toda a antiga e atual planície aluvial do rio, além de à jusante de alguns canais tributários. Sousa (2000) ressalta que um dos grandes impactos ambientais advindos da construção de reservatórios hidrelétricos é a formação de lagoas marginais. Para tanto, o autor sugere um minucioso estudo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), tendo como subsídio o uso de ferramentas cartográficas, tal como SIG’s (Sistemas de Informação Geográfica) e Sensoriamento Remoto, utilizando-se de indicadores adequados para cada tipo de impacto.

Tabela 1

Extensão espacial das principais feições geomorfológicas de fundo de vale (segmento final do Rio Piracicaba - SP – 1962 e 2007)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude da construção do reservatório de Barra Bonita, caracterizado como um input excessivo ao sistema, o aparecimento de novos lagos na planície aluvial do baixo curso do Rio Piracicaba evidencia a busca do novo perfil de equilíbrio pelo canal, que se modifica e se adequa a nova condição estabelecida. Além de afetar o fluxo natural do rio, a formação de lagoas marginais pode acumular grandes quantidades de matéria orgânica, originando pequenos pântanos, e por se caracterizar por um sistema lêntico, a decomposição da matéria orgânica far-se-á por organismos anaeróbicos, contribuindo para o processo de eutrofização no corpo aquático e para a liberação de gás sulfídrico e metano na atmosfera, gases contribuintes do efeito estufa.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo auxílio financeiro concedido a partir dos processos BP.DR 2 2008/54524-2 e BP.IC 2008/58315-9.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CHRISTOFOLETTI, A. Análise de sistemas em Geografia. São Paulo, Editora Hucitec, 1979, 144p.

COELHO, A. L. N. Geomorfologia Fluvial de Rios Impactados por Barragens. Caminhos de Geografia (revista on-line), Uberlândia, v. 9, n.º 26, p. 6-32. Acesso em: 15 mar. 2012. Disponível em: http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html.

CORRÊA, C. V. S. Alterações morfohidrográficas do setor de fundo de vale do Rio Piracicaba sob influência do reservatório de Barra Bonita (SP). 2010. 76f. Trabalho de Conclusão de Curso (Ecologia) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2010.

CUNHA, S. B. Impactos das Obras de Engenharia Sobre o Ambiente Biofísico da Bacia do Rio São João (Rio de Janeiro – Brasil). Rio de Janeiro: Instituto de Geociências, UFRJ, 1995. 378 p.

CUNHA, C. M. L. A cartografia do relevo no contexto da gestão ambiental. 2001. 128f. Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambiente) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001.

FLORENZANO, T.G (org). Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. 318 p.

LEVANTEZA, M. B. ; PEREZ FILHO, A. Geomorfologia Antropogênica: alterações na evolução dos canais de primeira ordem na bacia hidrográfica do córrego da aroeira (Mira Estrela-SP), decorrentes da construção da barragem de Água Vermelha. In: Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, 13, 2009, Viçosa. Anais... Viçosa: UFV, 2009.

RODRIGUES, C. Morfologia Original e Morfologia Antropogênica na definição de unidades espaciais de planejamento urbano: um exemplo na metrópole paulista. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, v. 17, p. 101-111, 2005.

SIMON, A. L. H. A dinâmica do uso da terra e sua interferência na morfohidrografia da bacia do Arroio Santa Bárbara – Pelotas (RS). 2007,. 185 p. Dissertação (Mestrado em Geografia), IGCE/UNESP, Rio Claro, 2007.

SIMON, A.L.H. Influência do reservatório de Barra Bonita sobre a morfohidrografia da baixa bacia do Rio Piracicaba: contribuições à Geomorfologia Antropogênica. 2010. 150 p. Tese (Doutorado em Geografia). Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Rio Claro, 2010.

SIMON, A. L. H.; CORRÊA, C. V. S.; PEREZ FILHO, A.; CUNHA, C. M. L. Análise da morfologia original nos estudos sobre a evolução do relevo antropogênico. In: Seminário Latino Americano de Geografia Física, 6, 2010, Coimbra. Anais... Coimbra: Universidade de Coimbra, 2010.

SOUZA, W. L. Impacto Ambiental de Hidrelétricas: uma Análise Comparativa de Duas Abordagens. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético). COPPE/UFRJ, 160 pag. 2000.

TRICART, J. (1965) Principes et méthodes de la géomorphologie. Paris, Masson.

VERSTAPEN, H.T.; ZUIDAM, R.A. van (1975) ITC System of geomorphological survey . Netherlands, Manuel ITC Textbook, Vol. VII, Chapter VII.3.