Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

O mapeamento das inundações na área central da cidade do Rio de Janeiro, baseado na análise de formas e processos pretéritos e atuais.

AUTORES
Braga, F.F. (UERJ)

RESUMO
As inundações representam um dos problemas mais complexos nas áreas urbanas. A cidade do Rio de Janeiro possui um longo histórico de enchentes, que, ao longo do tempo, foram potencializas pelas interferências no meio físico. Com base nos estudos das formas e processos, pretéritos e atuais, na área central da cidade do Rio de Janeiro, este trabalho visa analisar as causas e efeitos das inundações, utilizando o mapeamento para diferenciar setores análogos e reconhecer áreas críticas. Para tanto, foram feitos levantamentos bibliográficos, cartográficos e trabalhos de campo.

PALAVRAS CHAVES
Enchente; urbanização; Drenagem

ABSTRACT
Floods represent one of the most complex problems in urban areas worldwide. The city of Rio de Janeiro has a long history of floods, which, gradually, were enhanced by the physical environment interferences. Based on studies about forms and processes, former and later, in the downtown area of Rio de Janeiro, this research aims to analyze the causes and effects of flooding, using mapps with demarcation between equivalent sectors, where are evident the most critical areas of occurrence. Hence, the work was based on a literature review and field work.

KEYWORDS
Floods; Urbanization; Drainage

INTRODUÇÃO
O processo de urbanização, concretizado na conversão do meio físico para o assentamento humano, é amplamente difundido em todo o mundo, intervindo diretamente nas dinâmicas dos ambientes. Face a complexidade dos componentes e processos nas áreas urbanas, é necessário compreender a singularidade dos processos locais inseridos e articulados aos processos mais abrangentes, junto a análise de uma gama diversificada de fatores concernentes às dinâmicas físicas e humanas. Entre os problemas mais comuns às grandes cidades, as enchentes urbanas vem se constituindo em um dos mais importantes impactos sobre a sociedade, acarretando uma série de danos diretos e indiretos. Não obstante, a cidade do Rio de Janeiro, desde o início de seu processo de ocupação, no século XVI, apresenta um longo histórico de inundações, que antes se constituíam em um processo natural, típico de áreas costeiras, com repercussões mais localizadas, mas paulatinamente, com os processos de ocupação e urbanização, ganharam novas conotações em função das transformações no espaço físico e na drenagem, interferindo nos fixos e fluxos urbanos e criando demandas por intervenções. Fatores ambientais, sócio-econômicos e políticos contribuem para a permanência destes problemas, já que possuem influências diretas sobre as formas de ocupação e de organização do espaço sobre o qual a cidade se estabeleceu. Por se tratar de um processo conhecido desde a ocupação da cidade, torna-se imprescindível planejar formas de ação que tragam soluções que minimizem não só prejuízos de âmbito material, mas também humano. Para tanto, é necessário uma ampla investigação dos fatores que contribuem para as ocorrências das enchentes na cidade. Deste modo, esta pesquisa pretende contribuir com a análise das causas e efeitos das enchentes, considerando processos pretéritos e presentes, e com a identificação dos locais afetados pelas inundações, destacando as áreas críticas.

MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa bibliográfica destaca principalmente teses, dissertações, monografias, periódicos, sites e mapeamentos. A disposição do relevo original associada à dinâmica de drenagem da cidade do Rio de Janeiro se constituem na principal referência para a delimitação da área de estudo, que abrange dois dos atuais bairros cariocas: Centro e Cidade Nova, aqui denominados ‘Área central’. A determinação dos divisores de drenagem atuais deste área baseou-se na análise das cotas altimétricas e curvas de nível da cidade na carta topográfica gerada pelo IPP, em escala 1: 2.000, bem como em trabalhos de campo. Foram categorizados 3 tipos de divisores: divisores antigos, remanescente de antigos divisores e novos divisores antrópicos (as grandes vias construídas no século XX, cujas estruturas de drenagem subterrânea e/ou altura mais elevada de suas pistas em relação às áreas adjacentes impedem a passagem das águas pluviais) Para a análise das ocorrências das enchentes, foram setorizadas seis áreas que apresentam situações análogas. Foram baseadas nos atuais divisores e em formas e processos pretéritos que permanecem influenciando as inundações. Com relação ao mapeamento das enchentes, foram definidas 2 categorias: Áreas sujeitas às enchentes – Caracterizam-se pelo acúmulo constante de águas, em eventos pluviais concentrados, sem apresentarem danos mais graves. Áreas críticas – Caracterizam-se por apresentarem acúmulos de águas elevados (em torno de 20cm ou mais), dificultando o trânsito e/ou trazendo danos diretos e indiretos aos residentes e comerciantes locais, além dos riscos à saúde. A definição das áreas sujeitas à enchente, bem como as áreas mais críticas foram calcadas nas observações e relatos obtidos em trabalhos de campos, análise de cartas topográficas e pesquisa em material jornalístico e bibliográfico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com relação ao relevo e a drenagem atuais do centro da cidade, foram diferenciadas três categorias de divisores (figura 1) Os terrenos de topografia mais elevada que não sofreram desmontes permanecem como importantes divisores de drenagem, possuindo hoje uma diferenciada capacidade de escoamento superficial devido ao processo de ocupação que sofreram e o consequente aumento das descargas líquidas e sólidas. Os demais divisores originais do centro, que sofreram processos de desmonte, atualmente se constituem em terrenos com topografia que variam de 5 a 10 metros, o que implica em uma dinâmica diferenciada de escoamento superficial. Ainda em relação aos desníveis na superfície do centro da cidade observou-se que as construções mais recentes se sobrepõem ao nível topográfico das mais antigas. Isso ocorre nas duas principais vias da área central, ambas construídas já no século XX, baseadas em projetos mais modernos e melhor dimensionados. Em quase toda a sua extensão a Av. Presidente Vargas possui um nível topográfica maior do que as ruas do seu entorno. A via funciona como um divisor também porque não há passagem transversal de águas entre as pistas externas, com exceção do trecho em que se inicia o Canal do Mangue. Na Av. Rio Branco também há condições topográficas e/ou eficiência da rede de drenagem semelhantes. Na figura 2 é apresentado o mapa com os setores de ocorrência de enchentes. Nesses setores foram individualizadas áreas que possuem características análogas. Há também a indicação de todas as áreas que estão sujeitas às inundações, bem como as mais críticas. Após uma análise individualizada entre os setores de enchentes foi possível concluir que as enchentes fazem parte do cotidiano carioca, antes mesmo de sua ocupação, iniciada no século XVI. No entanto, esses fenômenos tornaram-se problemáticos efetivamente na medida em que adensava-se o ocupação carioca, iniciada na área central da cidade. O ambiente de clima tropical úmido, cercado por lagoas, brejos e alagadiços, representavam entraves ao estabelecimento da população que se dirigia à cidade do Rio de Janeiro. A expansão da ocupação desta cidade ocorreu através de um longo processo de transformações. No entanto, as intervenções promovidas não foram adequadamente acompanhadas por planejamentos que considerassem tais limitações. A implementação de aterros, canalizações e asfaltamentos, que inicialmente eliminaram feições cuja função natural era receptar a drenagem das águas pluviais, aumentavam o escoamento superficial e tornavam as enchentes mais viáveis, mais freqüentes e mais problemáticas para a população. Não obstante, os locais onde se situavam antigas lagoas e brejos são, em grande parte, justamente àqueles considerados locais críticos, pela recorrência, intensidade e repercussão das enchentes. O relevo do centro, com suas mudanças abruptas de gradiente, possui uma ação concentradora da drenagem e a ocupação destes divisores agrava ainda esse processo. Os sistemas de drenagem artificial, compostos pelas galerias pluviais, não acompanham proporcionalmente o adensamento populacional da área central, já que as intervenções, de caráter pontual em sua maioria, não apresentam eficiência em longo prazo. Estas galerias não suportam a vazão conduzida em sua estrutura, seja pelo seu mau dimensionamento e/ou pela má conservações e obstruções que ocorrem pela presença de lixo. A proximidade com a Baía de Guanabara também é outro fator que dificulta o escoamento das águas pluviais, uma vez que é o local de deságüe da drenagem urbana do centro da cidade e está sujeita às variações de maré. A quantidade de pessoas afetadas, por se configurar em uma área de serviços e comércio, bem como por ser área de ligação e passagem para diversos bairros da cidade são questões sensíveis à população e que tornam a situação crítica, pois as ocorrências de enchentes não são medidas somente pela sua intensidade e abrangência, mas também pela repercussão e danos causados ao cotidiano da cidade.

Figura 1

Mapa dos antigos e novos divisores de drenagem

Figura 2

Mapa-síntese de ocorrência de enchentes na área central da cidade do Rio de Janeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O nível baixo da topografia da cidade, que remonta as antigas feições que faziam do Rio de Janeiro uma grande área alagadiça, lagunar ou embrejada, cujas características limitavam a ocupação inicial, continuam representando uma situação análoga nos dias atuais e mesmo após quatro séculos e meio de ocupação e implementações de políticas públicas, as enchentes estão presentes. Deste modo, o conhecimento sobre as formas e processos pretéritos e atuais contribui na indicação de causas e efeitos de intervenções já promovidas, a fim de direcionar futuras intervenções. Nas circunstâncias em que se dão as enchentes no centro, cuja função da drenagem subterrânea é primordial, a manutenção efetiva das condições de funcionamento deste sistema torna-se uma fundamental ação em curto prazo para minimizar esse problema. No entanto, é necessário um trabalho de planejamentos locais integrados para o conjunto da área central, que atue nas causas do problema, vislumbrando soluções gerais e de caráter mais permanente, levando em conta a natureza do problema e os recursos de tecnologias modernas hoje disponíveis pela engenharia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
- ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: IPP, 2006.

- AMADOR, Elmo da Silva. Baía de Guanabara e ecossistemas periféricos: Homem e natureza. Rio de Janeiro: E.S. Amador, 1997.

- BRAGA, Fernanda Figueiredo. Relevo e drenagem do centro da cidade do Rio de Janeiro : enchentes e políticas públicas no passado e no presente. 2010. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

- BRANDÃO. Ana M. de P. Macedo. Clima urbano e enchentes na cidade do Rio de Janeiro. In: CUNHA, Sandra B. da; GUERRA, Antônio J.T. (Orgs.). Impactos ambientais urbanos no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

- INSTITUTO MUNICIPAL DE URBANISMO PEREIRA PASSOS (Rio de Janeiro, RJ). Um passeio no tempo. Rio de Janeiro: IPP, 2002. Disponível em: <http://portalgeo.rio.rj.gov.br/EOUrbana/>. Acesso em: 17 jan. 2009
- SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI. São Paulo: Nobel/FUNDAP, 1993.

- VIEIRA, Viviane Torres de; CUNHA, Sandra Baptista da. Mudanças na drenagem urbana de Teresópolis. In: CUNHA, S. B. da; GUERRA, A. J.T. Impactos ambientais urbanos no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.