Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

Uso da terra na bacia hidrográfica Córrego do Marroti e Córrego Gonçalves e sua interferência nos elementos hidro-geomorfológicos: área de mineração de calcário

AUTORES
Paschoal, L.G. (UNESP / CAMPUS RIO CLARO) ; Cunha, C.M.L. (UNESP / CAMPUS RIO CLARO)

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo identificar e analisar as alterações impostas à dinâmica hidro-geomorfológica por meio de ações antrópicas vinculadas a atividade de mineração de calcário e à agricultura, enfatizando as alterações de relevo na bacia hidrográfica Córrego do Marroti e Córrego Gonçalves. Para tanto, o desenvolvimento desta pesquisa recorre às técnicas da cartografia temática que permitiram a obtenção de dados de uso da terra e geomorfológicos do ano de 2010.

PALAVRAS CHAVES
CartografiaGeomorfológica; uso da terra; mineração de calcário

ABSTRACT
This paper aims to identify and analyze the dynamic imposed by hydro-geomorphological changes through anthropogenic activity linked to mining and agriculture, emphasizing the significant alterations in the basin hidrographic of the Córrego Marroti and Córrego Gonçalves. To that end, this research uses the techniques of thematic mapping that allowed us to obtain data from land use and geomorphology of the year 2010.

KEYWORDS
geomorphology; land use; limestone mining

INTRODUÇÃO
A utilização dos recursos minerais pelo homem encontra-se relacionada ao seu desenvolvimento econômico e sócio-cultural, porém, o consumo exacerbado desses, com frequência extrapola o poder de resiliência dos sistemas ambientais, desencadeando desequilíbrios e transformações nas camadas (sub)superficiais da crosta terrestre e consequentemente, na paisagem. Conforme enfatizam Guerra e Marçal (2006, p. 47), “quase todas as atividades humanas, na superfície terrestre, causam algum tipo de modificação, sendo que a mineração talvez seja uma das que mais altera o relevo”. Diante disto, optou-se pela escolha das sub-bacias hidrográficas do Córrego Marroti e do Córrego Gonçalves como unidade de estudo (Figura 1), que além de expressivas parcelas destinadas ao cultivo da cana-de-açúcar, configuram-se em áreas onde a explotação do calcário ocorre intensamente com a finalidade de abastecimento do mercado da construção civil e de empreendimentos agrícolas, já que pode ser usado também como corretivo de solos ácidos. Essas sub-bacias, localizadas uma ao lado da outra, constituem-se em afluentes da margem esquerda do rio Corumbataí e situam-se entre as coordenadas geográficas 22º30’28’’S e 22º32’33’’S de Latitude e 47º36’0’’W e 47º33’49’’W de Longitude, e totalizam 9,6 km2 de área (Figura 1). Assim, o presente trabalho teve como objetivo identificar e analisar as alterações impostas à dinâmica hidro-geomorfológica por meio de ações antrópicas vinculadas principalmente as atividades de mineração de calcário e do cultivo da cana-de-açúcar, enfatizando as alterações de relevo na bacia hidrográfica Córrego do Marroti e Córrego Gonçalves. Para tanto, o desenvolvimento desta pesquisa recorre às técnicas da cartografia temática que permitiram a obtenção de dados de uso da terra e geomorfológicos do ano de 2010.

MATERIAL E MÉTODOS
Esse trabalho desenvolve-se de acordo com os ditames da antropogeomorfologia, que possui seus alicerces na perspectiva sistêmica. Assim, Christofoletti (1999) cita que, relacionado ao estudo das organizações espaciais, deve-se abordar dois componentes básicos que permitam entender a estrutura e o funcionamento destas, ou seja, as características dos sistemas ambientais físicos e as do sistema socioeconômico. Assim, recorreu-se às seguintes técnicas cartográficas: *Carta de uso da terra - O uso da terra foi identificado com base em fotografias aéreas em escala aproximada de 1:5.000 do ano de 2010. A interpretação das fotografias aéreas ocorreu com base na proposta de Ceron e Diniz (1966). Assim, foram identificadas seis classes de uso da terra durante este estudo: pasto limpo, pasto sujo, cana-de-açúcar, cobertura herbácea em antigas áreas de mineração, minas a céu aberto e matas. As fotografias aéreas foram escaneadas e georreferenciadas no programa ArcGis 9.3, de acordo com a carta topográfica na escala 1:10.000, o que permitiu gerar o mosaico da área de estudo. Em seguida foram identificadas diretamente na tela do computador as classes de uso da terra passíveis de serem assinaladas sem erro; posteriormente, recorreu-se aos pares estereoscópicos de fotografias aéreas para sanar eventuais dúvidas; e por último, realizou-se trabalho de campo para averiguação das dúvidas atreladas à fotointerpretação. *Carta geomorfológica - A elaboração do mapeamento geomorfológico da área de estudo seguiu a proposta de Tricart (1965), a qual afirma que este tipo de mapeamento deve comportar quatro tipos de informações de naturezas diferentes, a saber: - dados morfometricos, representados por meio das curvas de nível e cotas altimétricas; dados de morfografia e morfogênese, obtidas a partir da interpretação de pares estereoscópicos de fotografias aéreas; e cronologia, representada parcialmente, por meio dos dados que compõem a carta geológica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como resultado da aplicação das técnicas citadas, obtiveram-se as cartas de uso da terra de 2010, bem como as cartas geomorfológicas de detalhe deste mesmo ano, a partir das quais foi possível extrair as informações que compõe a Figura 2. Estes dados permitem realizar considerações relevantes a respeito da dinâmica empregada no uso da terra e sua interferência no modelado do relevo. A partir dos dados dispostos na Figura 2a, é possível constatar que o uso da terra mais expressivo constitui-se na cultura da cana-de-açucar (4,1 km2). O valor elevado em área destinada a esse cultivo provém do estimulo dado pelo Governo Federal, por meio da campanha Pró-álcool, instituída pelo Decreto no 76593 em 14 de Novembro de 1975, após a crise do petróleo em 1973, o qual visava à substituição em grande escala do uso de combustíveis derivados do petróleo pelo álcool. É possível constatar sobre as parcelas destinadas a esse cultivo, o predomínio de rupturas de caráter suave, que possuem ao todo uma extensão de 20,3 km (Figura 2b). Este fato evidencia que provavelmente a morfologia das vertentes tem se alterado de acordo com o tipo de uso da terra e de técnicas de manejo como a de plantações em curva de nível e terraceamentos aplicadas às mesmas. Já as rupturas classificadas como abruptas, que totalizam 6,5 km (Figura 2b), concentram-se principalmente no contato entre a cultura da cana-de-açúcar com os demais usos da terra, como é o caso das áreas de matas, pastagens e de mineração. A classe de uso da terra denominada Mata, compreende áreas de mata regenerada, matas ciliares e florestas de encostas. No geral, se trata de matas vinculadas a fundo de vale e poucos resquícios de matas em área de encostas e topos. A categoria denominada pasto limpo, é caracterizado por uma vegetação de porte rasteiro, e o pasto sujo apresenta intercalado à vegetação gramínea, alguns gêneros arbustivos, que se estabeleceram de forma espaçada no terreno e pode estar ligado à falta de manutenção das áreas por parte de seus proprietários. As áreas de mineração existentes nas bacias hidrográfica do Córrego Morroti e Córrego Gonçalves são notórios e há registros de que a extração do calcário Dolomítico ocorra na área desde meados da primeira metade do Século XX. Assim, as bacias hidrográficas apresentam 3,1 km2 de seu uso destinado às áreas de mineração a céu aberto e coberturas herbáceas em antigas áreas de mineração (Figura 2a). Sobre as áreas denominadas como “coberturas herbáceas em antigas áreas de mineração”, observa-se que uma vegetação, no geral de porte rasteiro se estabeleceu e que o solo nestas áreas passaram por uma grande remobilização. A categoria de minas a céu aberto caracteriza-se pela ausência de cobertura vegetal e apresenta o material de recobrimento removido a fim de expor os depósitos que se desejam explotar. Estas condições de uso da terra resultaram em alterações hidro-geomorfológicas, como o surgimento de patamares em cava de mineração suaves (15,8 km) e abruptos (19,2 km), que descaracterizaram um extenso interflúvio existente entre as bacias hidrográficas, e de reservatórios artificiais, que corresponde a um total de 0,04 km2 de área (Figura 2b), fruto da explotação de grandes quantidades de matéria-prima abaixo do nível do lençol freático.

FIGURA 1

Localização da área de estudo. Organização: Letícia Giuliana Paschoal, 2010.

FIGURA 2

Figura 2 – Dados quantitativos extraídos das cartas de uso da terra (a) e da carta geomorfológica (b) referentes as bacias hidrográficas em análise.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados possibilitaram identificar as principais atividades antrópicas e as respectivas alterações hidro-geomorfológicas ocorridas na área, provenientes principalmente da atividade agrícola do plantio da cana-de-açúcar e de mineradoras de calcário. Como a existência de rupturas predominantemente suaves em meio à plantação de cana, que indica a evolução destas vertentes em função das técnicas de manejo empregadas na área, ou o surgimento de patamares em cava de mineração de calcário, que refletem a explotação em grande escala deste recurso mineral, que excede o afloramento do nível do lençol freático fez surgir reservatórios artificiais em áreas antes consideradas de topo. Como consequência das análises, tornou-se possível apontar algumas medidas de redução aos impactos ambientais que ocorrem na área, tais como a adoção de rotatividade de culturas, manutenção das medidas de manejo como a implantação de curvas de nível e terraceamento, recuperação das áreas de APP, entre outros.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à FAPESP pelo suporte financeiro de trabalho (Processo n.: 2011/01688-0)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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