Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

Inventário dos processos de movimetos de massa na Microbacia do Ribeirão do Baú, Ilhota, SC, no ano de 2008

AUTORES
Egas, H.M. (CEMADEN/MCTI) ; Pellerin, J.R.G.M. (UFSC) ; Flores, J.A.A. (UFSC) ; Farias, A.M.C. (UFSC)

RESUMO
Realizou-se uma análise da distribuição espacial das cicatrizes de movimentos de massa deflagrados na microbacia do Ribeirão do Baú (Ilhota – SC) a partir do evento de precipitação extrema ocorrido em novembro de 2008. Foram utilizadas imagens de satélite e trabalhos de campo para a confecção de mapas temáticos do meio físico e cadastro das cicatrizes de deslizamento e residências afetadas, possibilitando correlacionar fatores ambientais locais com a ocorrência das instabilidades das encostas.

PALAVRAS CHAVES
Movimentos de massa; mapeamento; Ribeirão do Baú

ABSTRACT
We conducted an analysis of the spatial distribution of the landslides of mass movements triggered in the watershed Ribeirão do Baú’s (Ihota - SC) from the extreme rainfall event occurred in November 2008. We used satellite images and field work for the preparation of thematic maps and records of the physical landslides scars of sliding and residences affected, enabling local environmental factors correlate with the occurrence of instability of slopes.

KEYWORDS
Mass movements; mapping; Ribeirão do Baú’s

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por principal objetivo a analise da distribuição espacial dos processos de movimentos de massa ocorridos em Novembro de 2008 da Microbacia do Ribeirão do Baú (MRB), Ilhota, SC. A MRB possui uma área de 62,89 km2 e perímetro de 45,92 km. Esta microbacia pertence à Bacia do Rio Luiz Alves, sendo o Ribeirão Baú um afluente de sua margem esquerda. As comunidades do Alto Baú, Alto Morro Baú/Baú Seco localizam-se na sua porção montante, estando à jusante a comunidade Baú Central. Toda esta região foi atingida por um evento de precipitação extrema (21 a 25 de novembro de 2008), que ocasionou uma significativa mudança da paisagem, grandes perdas materiais e dezenas de óbitos. A hipótese neste trabalho sustenta que a distribuição das cicatrizes e depósitos de deslizamentos recentes poderão balizar padrões de comportamento de instabilidades nas encostas em futuros eventos extremos (FERNANDES et al., 2001). Considerando este pressuposto, realizou-se o mapeamento do meio físico da bacia, que abordou aspectos geológicos, geomorfológicos, hidrográficos, pedológicos e do uso atual da terra. O inventário das cicatrizes e a caracterização da tipologia dos deslizamentos, associados às características ambientais cartografadas, permitiu uma visão geral dos efeitos do evento extremo na bacia. Como resultado gerou-se um mapa do evento de novembro de 2008 com a localização dos deslizamentos, massas deslizadas, fluxos de detritos, planícies fluvias e cursos d’ água modificados, inundações por represamentos, degraus de abatimento do terreno e as áreas com residências atingidas ou não.

MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa abordou o levantamento de referências ao tema de estudo em bibliografias, sites e órgãos competentes, utilizando-se trabalhos já realizados no Vale (Bacia) do Itajaí sobre a geologia, geomorfologia, uso do solo e o processo histórico dos desastres naturais. O embasamento teórico-metodológico da pesquisa teve como apoio bibliografias técnicas para mapeamentos de áreas de risco, movimentos de massa e inundações, geologia, geomorfologia (Guidicini e Neible (1984); IPT (1991); Fernandes e Amaral (1996); Fernandes et al. (2001)) e análises por geoprocessamento (Florenzano (2002) . Os mapeamentos seguiram diversas etapas como levantamentos cartográficos preliminares, trabalhos de campo e interpretação em gabinete por análise de imagens e geoprocessamento, que resultaram em cartogramas temáticos da área de estudo. Os mapeamentos foram realizados na escala 1:10000, de acordo com a precisão do GPS.O procedimento de análise de imagens partiu da composição e georreferenciamento das imagens Ikonos/Quickbird de 18 de janeiro de 2003 e 3 de agosto de 2009 (capturadas do Google Earth), Cbers pancromática abril de 2009 com resolução 2,7 m, Alos (canais 123) agosto de 2009 com resolução 2,5 m, Landsat janeiro de 2009 com resolução de 30m e SPOT 30m de 2005. Foram utilizadas fotografias aéreas obliquas (sobrevôos de helicóptero realizados entre dezembro de 2008 e novembro de 2009) que permitiram um bom detalhamento das cicatrizes dos deslizamentos. A reconstituição dos processos ocorridos no evento de Nov./2008 no Vale do Itajaí, SC, na área de estudo, com base nos materiais erodidos e transportados, foi realizada através da elaboração de um mapa de evento (inventário dos deslizamentos e fluxos), onde foram caracterizados e mapeados os processos de movimentos de massa, inundações, represamentos, cicatrizes de deslizamentos, degraus de abatimento do terreno, pipings, bem como as áreas e residências atingida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na área de estudo ocorrem rochas cristalinas e sedimentares com características geológicas e geomorfológicas bastante complexas. Os três domínios geológicos compreendem: (A) Complexo Luiz Alves (Arqueano e Proterozóico Inferior), constituído dominantemente de gnaisses granulíticos; (B) Grupo Itajaí (Proterozóico Superior), com arenitos, conglomerados e pelitos com características anquimetamórficas; e (C) Sedimentos Quaternários: com depósitos de encostas, aluvionares atuais e terraços fluviais. No aspecto geomorfológico observa-se na dissecação do modelado um forte controle estrutural, marcado por falhas, lineamentos e cabeceiras de drenagem que originam vales profundos e bem encaixados, com vertentes íngremes e antigos depósitos coluviais, revelando que os processos movimentos de massa em grande escala, como deslizamentos e fluxos de detritos, são recorrentes e freqüentes ciclos mais longo do tempo. A cobertura superficial das vertentes desenvolve-se a partir de um profundo intemperismo químico, gerando mantos de alteração bastante espessos com até 30 metros de profundidade segundo algumas observações pontuais realizadas. O evento de precipitação extrema em novembro de 2008 contabilizou um acumulado de 693mm em 5 dias (estação Luiz Alves Epagri/Ciram) e atingiu principalmente o baixo e médio Vale do Rio Itajaí, sendo o Complexo do Morro do Baú, situado no triângulo formado pelos municípios de Ilhota, Luiz Alves e Gaspar, as áreas mais afetadas. Os movimentos de massa generalizados afetaram grande parte das encostas, estando relacionados, em sua maioria, às cabeceiras de drenagem e canais de primeira e segunda ordem. Desta forma, o material deslizado passa a ser transportado junto à rede de drenagem, caracterizando os fluxos de detritos (Fig. 1), responsáveis pela deposição dos materiais nas planícies de inundação e fundos dos vales. Este processo de deposição, em alguns casos represaram temporariamente os cursos d ´agua, ocasionado, juntamente com o deflúvio acentuado da rede de drenagem durante o evento, inundações bruscas e novos fluxos de detritos com erosão e deposição acentuada de materiais nas planícies aluviais. No total foram mapeadas 569 cicatrizes de deslizamentos, ocorridos em novembro de 2008, na microbacia do Ribeirão Baú, conforme a Fig. 2. As cicatrizes correspondem a uma área de 1,68 km2, que equivalem a 2,67% da área total da microbacia. Cabe ressaltar que nesta avaliação não estão inclusas as massas deslizadas e o seu alcance, assim como as áreas afetadas pelos fluxos de detritos. O litotipo que obteve a maior porcentagem de área deslizada corresponde ao domínio das rochas granulíticas com 49,56% (metade do total da área deslizada) provavelmente relacionado à sua maior propensão ao intemperismo químico e que resultam em maior espessura dos mantos de alteração destas áreas. Do ponto de vista geomorfológico, os anfiteatros de erosão e cabeceiras de drenagem são feições, conjuntamente com os depósitos de tálus e as facetas triangulares, indicativas de áreas mais susceptíveis de ocorrerem movimentos de massa e sugerem aspectos evolutivos recorrentes. A complexa evolução tectônica local e os aspectos estruturais herdados demonstram claramente seus efeitos no intemperismo e na dissecação diferencial do relevo, assim como na ativação de processos de movimentos de massa atuais. Em relação ao uso do solo, 82% das cicatrizes mapeadas estão localizadas sobre áreas de mata em diferentes estágios de regeneração. As residências mapeadas e classificadas somam um total de 213, sendo que: 137 não foram atingidas e não se encontram em perigo, 15 não foram atingidas, mas encontra-se em perigo; 43 foram atingidas e destruídas pelos deslizamentos; e 18 atingidas por inundação. Ressalta-se que estas residências foram mapeadas em sua maioria no alto da bacia, pois foi o setor mais atingido e onde se concentraram as vistorias e os relatórios do CEPED/UFSC (BRASIL, 2009).

Deslizamentos e fluxos de detritos

Grande deslizamento translacional no Gnaisse (Tifa dos Rincos)que gerou fluxo de detritos e atingiu diversas residências.

Mapa do evento de 2008 na Microbacia do Ribeirão do Baú, Ilhota, SC

Inventário dos movimentos de massa na microbacia e das residências atingidas em 2008.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A região costeira de Santa Catarina, entre o oceano e o Planalto da Serra Geral, se constitui, generalizadamente, em área de risco de ocorrência de desastres naturais dos tipos inundações e movimentos de massa, devido às suas condições regionais climáticas, geológicas, geomorfológicas e de uso do solo. Daí a necessidade de organização e planejamento do espaço como forma de mitigar os danos destes processos. O mapa do evento de novembro de 2008 na Microbacia do Ribeirão do Baú pode indicar que estas feições constituem áreas de risco a ocorrer novos eventos perigosos aos seus moradores. Há uma necessidade de conhecer melhor os eventos pluviométricos que deflagram os deslizamentos e os aspectos físicos locais. Deste modo é necessário a instalação de uma rede de pluviômetros de detalhe no território para estabelecer índices (limiares) de correlação para cada domínio geológico-geomorfológico, assim evitando-se novas tragédias.

AGRADECIMENTOS
Manifestamos os nossos agradecimentos ao Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres (CEPED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) por disponibilizar parte do material empregado neste trabalho e ao apoio logístico das equipes de campo. A Fundação de Amparo a Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC) pelo aúxilio no projeto de pesquisa. A CAPES pelo auxílio das bolsas de mestrado e aos Laboratórios de Análise Ambiental, Geoprocessamento e Geologia em que foram realizadas as pesquisas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria Nacional de Defesa Civil. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas Sobre Desastres. Resposta ao Desastre em Santa Catarina no ano de 2008: avaliação das áreas atingidas por movimentos de massa e dos danos em edificações durante o desastre. Florianópolis, CEPED, 2009.

FERNANDES, N.F; GUIMARÃES, R. F.; GOMES, R. A. T.; VIERA, B. C.; MONTGOMERY, D. R.; GREENBERG, H. Condicionantes Geomorfológicos dos Deslizamentos de Encostas: Avaliação de Metodologias e Aplicacao de Modelo de Previsão de Áreas Susceptíveis. In: Revista Brasileira de Geomorfologia. Volume 2, n0 1 (2001) 51-71.

FERNANDES, N.F.; AMARAL, C.P. Movimentos de Massa: Uma abordagem Geológico-Geomorfológica In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. Geomorfologia e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. 372 p.

FLORENZANO, Tereza Gallotti. Imagens de satélite para estudos ambientais. São Paulo: Oficina de Textos, 2002.

GUIDICINI, G.; NIEBLE, C. M. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. 2º edição. São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda,1976,194 p.

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A. Ocupação de encostas. Marcio Angelieri Cunha (coordenador). Publ. IPT 1831. IPT, S. Paulo, 1991.