Anais: Ensino de Geomorfologia, formação e profissionalização do Geomorfólogo

O sistema conceitual de ambiente e o ensino das temáticas físico-naturais na Geografia Escolar

AUTORES
Morais, E. (UFG)

RESUMO
O sistema conceitual de ambiente apresentado por professores de Geografia de Goiânia/GO (Brasil) é objeto de análise deste trabalho. Os referenciais metodológicos e a análise dos conceitos de ambiente, sustentabilidade e conservação, que compõem os sistemas conceituais elaborados pelos docentes, são realizados com base na metodologia de pesquisa qualitativa. Apresenta a necessidade da incorporação da dimensão social nas discussões ambientais. A expectativa dessa defesa é a de ir além da abordagem determinista e demonstrar que a relação entre sociedade e natureza é dinâmica.

PALAVRAS CHAVES
Geografia escolar; Ensino; Ambiente

ABSTRACT
The conceptual system of environment presented by teachers from Goiânia/GO (Brazil) is the matter analyzed in this paper, based on the qualitative research methodology. The concepts of conservation, sustainability and environment are treated in the analysis of the conceptual system of environment presented by Geography teachers. It concludes with a defense of the inclusion of the social dimension in environmental discussions. The expectation of this defense is to go beyond the deterministic approach and demonstrate that the relationship between society and nature is dynamic.

KEYWORDS
School geography; Education; Environment

INTRODUÇÃO
Apresentamos, no presente trabalho, os resultados parciais obtidos com a realização da tese O ensino das temáticas físico-naturais na Geografia escolar (MORAIS, 2011). Trata-se da discussão em torno do sistema conceitual de ambiente elaborado por professores de Geografia que atuam na Rede Municipal e/ou Estadual de Educação de Goiânia/GO. Fazemos essa análise por acreditar que a maneira como o ensino é encaminhado na escola tem uma relação direta com a formação teórico-metodológica do docente, a qual articula objetivos, conteúdos e métodos. Assim, a concepção que o professor possui de ambiente influi na maneira como ele seleciona e aborda o ensino de temas relativos a esse conceito. Uma das metodologias que utilizamos na tese para compreender como é encaminhado o ensino das temáticas físico-naturais na Geografia escolar foi a elaboração de sistemas conceituais, realizado pelos docentes durante uma oficina. Buscamos, a partir desse sistema conceitual, refletir sobre as seguintes indagações: quais conceitos compõem o sistema conceitual que o docente possui de ambiente? Há interação entre elementos físico-naturais e sociais nesses sistemas? O sistema conceito de ambiente apresentado pelo docente indica a forma como ele encaminha o ensino das temáticas físico-naturais relativas a relevo, rochas e solos no ensino básico? O objetivo da elaboração desse sistema foi o de averiguar como os professores estruturavam esse conceito e onde e como situavam, no seu interior, as temáticas físico-naturais do espaço geográfico. É assentada nesses questionamentos que encaminhamos a análise do presente artigo no intuito de apresentar os resultados obtidos com a oficina, bem como as contribuições da realização desta atividade para revalorizar o trabalho com as temáticas físico-naturais do espaço na Geografia escolar.

MATERIAL E MÉTODOS
A presente pesquisa foi desenvolvida tendo como referência a metodologia de pesquisa qualitativa, a qual valoriza o significado conferido pelos atores ao objeto de investigação. Evidencia, portanto, o caráter social da pesquisa e do pesquisador. Os sujeitos envolvidos na presente pesquisa - 14 professores - são docentes que atuam na Rede Municipal de Educação (RME) e Rede Estadual de Educação (REE) de Goiânia/GO. Essas redes de ensino foram selecionadas pelo papel importante que desempenham na formação de crianças, jovens e adolescentes em Goiânia e pelas pesquisas já desenvolvidas e em desenvolvimento junto a profissionais que atuam nessas redes. A seleção dos professores foi realizada com base na concepção de Geografia expressa por eles nas entrevistas semiestruturadas que havíamos realizado com 60 docentes no início da pesquisa da tese. Optamos por atuar junto a docentes que possuíam concepções diferenciadas de Geografia: relação sociedade-natureza; posicionamento no mundo; relação entre ser humano e espaço; Geografia como ciência de síntese e em questões gerais. Os dados que obtivemos com a análise da oficina foram coletados por intermédio de anotações realizadas durante e após a oficina. Coletamos informações expressas pelos professores verbalmente e em situações comportamentais quando refletiam sobre uma determinada situação-problema. No planejamento dessas atividades, levamos em consideração o pensamento de Viana (2003): o que observaríamos, como registraríamos as observações, quais procedimentos utilizaríamos para garantir a validade das observações, que tipo de relação estabeleceríamos com os professores. Assim, planejamos a oficina considerando que a temática abordada deveria: estar relacionadas à realidade da escola e dos alunos; acrescentar elementos às análises que comumente são realizadas pelos professores; apresentar metodologias diferenciadas; conceber o professor e seus conhecimentos como o centro da discussão; contemplar as diferentes opiniões expressas; valorizar a participação dos professores nas atividades individuais e coletivas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nessa oficina discutimos aprendizagem, tendo como referência Libâneo (2006). No intuito de favorecer essa aprendizagem discutimos a formação de conceitos a partir de Vygotsky (1993) e solicitamos aos docentes que elaborassem o sistema conceitual de ambiente. Como resultado verificamos que, foi unânime a designação de meio ambiente neste sistema conceitual em detrimento de termos como ambiente, meio ambiente, socioambiental, etc. Resultado este equivalente ao que obtivemos no levantamento feito nos livros didáticos. Nos últimos anos, vemos crescer o debate sobre o termo que melhor expressa as questões que envolvem o entorno físico e social. Todavia, essa discussão ainda não ocorre na escola. Por meio dela, indicamos a maneira como encaminhamos o processo de ensino e aprendizagem ao tratar as diferentes temáticas. Quanto à elaboração do sistema conceitual, um aspecto positivo foi a presença de aspectos físicos e sociais para a compreensão do ambiente abordado por nove professores. Todavia, predominam nestes sistemas a perspectiva do social com base no uso dos elementos físico-naturais, no sentido de recurso natural. Um dos docentes, por exemplo, destacou que a exploração econômica desses recursos, por um lado, gera os problemas ambientais e, de outro, a manutenção da vida no planeta, o que provoca a busca pela sustentabilidade. Muitos questionamentos têm sido levantados sobre a efetivação da sustentabilidade no contexto do modo de produção capitalista. Foladori (2001) questiona as possibilidades de redução dos problemas ambientais com vistas à sustentabilidade sem alterar a forma social de produção, ou seja, o capitalismo. Para o autor, “[...] a sociedade humana, antes de deparar com limites naturais ou físicos, está frente a frente com contradições sociais” (FOLADORI, 2001, p. 18). Neste sentido, a questão ambiental deve ser entendida, primeiramente, com base nas relações sociais, aquelas que se estabelecem entre os seres humanos para depois serem estendidas às relações técnicas, ou seja, aquelas que os seres humanos desenvolvem com outros seres vivos ou abióticos. Embora sejam observados nos sistemas conceituais tanto os aspectos físico-naturais quanto os sociais, poucos conseguiram demonstrar que o ambiente resulta da interação entre eles e ninguém explicitou em que medida as questões de ordem social, como a fome e a pobreza, são também um problema ambiental. Apenas dois professores inseriram o espaço como elemento de seu sistema conceitual. A referência utilizada por um desses professores esteve relacionada às discussões acerca da qualidade de vida, tendo como eixo a preservação. Este é um conceito bastante discutido nos dias atuais, uma vez que carrega a perspectiva de manutenção das características originais de um determinado lugar ou elemento. Fonseca; Braga e Cicillini (2007) fazem uma crítica à perspectiva preservacionista utilizada para tratar o ambiente, visto que ela visa unicamente a uma mudança de comportamento do indivíduo e não a uma mudança de valores da sociedade. Fundamenta-se nos aspectos biológicos do ambiente e numa concepção de preservação que ignora as relações sociais. As práticas cujas bases estão assentadas nesta perspectiva são destituídas de referenciais teórico-metodológicos e alheias aos questionamentos de seus determinantes. Moraes (2005) denomina esta perspectiva de naturalista por estar restrita a uma postura filosófica naturalista diante do mundo, da história e da relação ser humano-natureza. O ser humano é visto como fator de alteração do equilíbrio do ambiente, não como sociedade. Se compreendemos o ambiente como o resultado da inter-relação entre o físico e o social, é necessário destacar como os seres humanos, situados historicamente, se relacionam entre si, do ponto de vista das classes sociais, e como se relacionam com as temáticas físico-naturais, seja esse relacionamento positivo ou não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção de ambiente predominantemente apresentada pelos docentes envolve os elementos físico-naturais e sociais. Todavia, não evidencia que essa relação ocorre por meio do trabalho e que além dos problemas circunscritos ao ambiente físico-natural, como as erosões, há aqueles relativos às epidemias, à fome ou à guerra. Contribuem para uma visão negativa de ambiente, pois parte destes apresenta apenas os elementos relativos aos problemas ambientais. Não incorporaram em suas análises, a ideia de que os locais que não apresentam esses problemas também fazem parte do ambiente. Tem sido inserida de forma gradativa a dimensão social nas discussões ambientais, graças ao entendimento de que a crise ambiental não poderia mais ser resolvida dissociando-se sociedade e natureza. Embora se perceba uma evolução no conceito de ambiente não se conseguiu ainda superar uma gênese e estrutura fortemente marcadas por princípios naturalistas. Essa é uma etapa a ultrapassar, o que significa também compreender os elementos físico-naturais, pois somente assim identificaremos os motivos pelos quais a sociedade os utiliza e os transforma de maneira desigual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
FOLADORI, Guilhermo. Limites do desenvolvimento sustentável. Trad. Marise Manoel. Campinas, SP: Unicamp, 2001.
FONSECA, Valter M.; BRAGA, Sandra R.; CICILLINI, Graça A. A educação ambiental como possibilidade de unificar saberes. Terra Livre, Presidente Prudente, ano 23, v. 1, p.239-256, jan./jul. 2007.
LIBÂNEO. José Carlos. Sistema de ensino, escola, sala de aula: onde se produz a qualidade das aprendizagens? In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. (Org.) Políticas de currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006.
MORAES, Antônio Carlos Robert. Meio Ambiente e Ciências Humanas. 4. ed. São Paulo: Annablume, 2005.
MORAIS, Eliana Marta Barbosa de. O ensino das temáticas físico-naturais na Geografia escolar. 2011. Tese (Doutorado). Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação: a observação. Brasília: Plano Editora, 2003.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. Trad. Jeferson Luíz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.