Discussão dos condicionantes e mecanismos de um deslizamento no município de Luís Alves, Santa Catarina.

Autores

Luiz, E.L. (UDESC) ; Gerente, J. (UDESC) ; de Gasper, B. (UDESC) ; Bini, G.M.P. (UEPG)

Resumo

Este trabalho discute os condicionantes e mecanismos de um deslizamento que ocorreu no município de Luís Alves, SC, em novembro de 2008, após chuvas intensas. Ele causou grande modificação na encosta em que ocorreu e fez duas vítimas. O material mobilizado atravessou um rio e subiu a encosta oposta, dada a energia do movimento. A partir de uma retroanálise se observou que áreas embaciadas no topo da elevação podem ter contribuído para a saturação do material e sua posterior liquefação.

Palavras chaves

deslizamento; retroanálise; processo geomorfológico

Introdução

Em novembro de 2008 no vale do Itajaí, em Santa Catarina, ocorreram movimentos de massa generalizados nas encostas de morros e montanhas em função de chuvas excepcionais. Nos dias 22 e 23 de novembro choveu em torno de 250 mm em 24 horas (SEVERO, 2009). Após o evento, o município de Luís Alves, no vale do Itajaí, possuía diversas encostas com cicatrizes de movimentos de massa e outras com áreas instáveis ameaçando romper e os fundos de vales estavam entulhados de sedimentos. As cicatrizes e os depósitos de movimentos de massa em Luís Alves demonstram não existir um único condicionante e/ou mecanismo responsável pela deflagração do processo nas diferentes encostas. A geologia dos terrenos do município é muito diversa, pois pertence ao Complexo Granulítico de Santa Catarina, com rochas metamórficas submetidas a diferentes retrabalhamentos tectônicos e intrusões magmáticas e hidrotermais. Desta forma, Os materiais que constituem as encostas das elevações podem ser de diferentes naturezas e variam tanto em profundidade quanto lateralmente. Há solos com diferentes horizontes, mantos de alteração com muitas heterogeneidades derivadas da rocha de origem. Cada um destes materiais possui propriedades diferentes, tais como granulometria, estrutura, porosidade, permeabilidade, resistência ao cisalhamento. Além disso, as encostas apresentam geometrias diferenciadas, pois espelham diferenças litológicas e de lineamentos estruturais. Uma ocorrência de deslizamento foi escolhida para se estudar seus possíveis condicionantes e mecanismos de ocorrência e compreender a complexidade dos movimentos de massa na região. Este deslizamento tem uma particularidade muito interessante, a inércia do deslocamento da massa foi tão grande que atravessou o fundo do vale e subiu a encosta oposta. Este foi o motivo de sua escolha. O presente estudo pretende analisar o que ocorreu, como ocorreu e por que ocorreu o deslizamento e contribuir para estudos de suscetibilidade de movimentos de massa na área.

Material e métodos

Para a compreensão do processo foi realizada visita em campo, retirada de amostras de solo e análise de fotografias aéreas e modelos digitais de terreno. Em campo, foram observados os materiais que compõem o manto de alteração dentro da cicatriz, a geometria da cicatriz e do depósito, além da drenagem e do relevo em torno. Também foram realizadas conversas com moradores da área que vivenciaram o fenômeno. Também em campo, foram caracterizados os materiais que constituem a encosta em termos de cor, textura, estrutura e resistência à penetração. A resistência à penetração foi medida com penetrômetro de bolso e a granulometria foi realizada a partir de peneiramento e pipetagem. As fotografias aéreas analisadas são referentes aos anos de 1978, com escala 1:25.000 (análise por estereoscópio de espelho), e de 2011, com escala 1:10.000, ambas de levantamentos aerofotogramétricos do estado de Santa Catarina. Também Foram utilizados dois modelos digitais de elevação (MDE) com datas anterior e posterior ao deslizamento. O primeiro MDE, com resolução espacial de 10 metros, foi gerado por interpolação com uso da ferramenta Topo to Raster/ArcGIS 10.1 a partir das curvas de nível do IBGE em escala 1:50.000 e equidistância de 20 metros. Optou-se por este produto por ser um dos poucos disponíveis com data anterior ao deslizamento estudado. Dele também foi gerado um mapa de declividade. Como dado altimétrico posterior ao deslizamento utilizou-se o modelo digital de elevação disponibilizado pela Secretaria do Desenvolvimento Sustentável (SDS) de Santa Catarina. Este MDE resulta de um aerolevantamento realizado entre os anos de 2010 e 2011, cuja escala é 1:10.000 e resolução espacial de 1 metro. Os dois MDEs, apesar de possuírem escalas e resoluções espaciais diferentes, serviram para comparação da situação do relevo anterior e posterior ao deslizamento, auxiliando na compreensão das causas e condicionantes deste.

Resultado e discussão

O movimento de massa ocorreu em uma encosta a jusante de uma sela. Esta encosta faz parte de um maciço com duas cristas paralelas, que aparentemente seguem um lineamento estrutural. Figura 1A e B. Entre estas duas cristas ocorrem áreas embaciadas (no topo), onde os moradores construíram açudes para a criação de peixes. A altura da encosta é de 260m, cujas altitudes variam entre 140 e 400m. Na base da encosta, há o fundo do vale do rio Serafim. O rio tem fluxo perene e corria sobre leito rochoso antes do deslizamento. A análise da forma anterior do setor da encosta em que ocorreu o deslizamento mostra uma área sem grandes incisões (Figura 1A). Ela tinha setores diferentes em relação à forma e à declividade. O setor da base da encosta tinha anfiteatros e declividade entre 16° e 19°, para montante havia um setor intermediário que possuía uma espécie de patamar com declividades de 19° a 27,7° e um setor superior com menores declividades, entre 0° e 19,8°. As rochas que afloram na cicatriz apresentam estrutura bandada (gnaisse) com pouco quartzo, muito feldspato e máficos, talvez piroxênio. Segundo Fornari (1998), afloram na região enderbitos, os quais eram rochas plutônicas que sofreram metamorfismo do tipo granulítico, cujas idades estão em torno de 2,7 e 2,8 bilhões de anos. A alteração desta rocha na área de estudo é muito profunda, contudo o solo que se desenvolve no seu topo é pouco desenvolvido. O material que está nas paredes laterais da cicatriz tem a seguinte organização: horizonte A com 10 a 15cm de espessura, textura argilo-siltosa e pouca matéria orgânica, cor acinzentada. Horizonte B incipiente, com pequena espessura, com textura argilo-siltosa e alguns fragmentos pequenos de rochas, estrutura de blocos subangulares média, cor vermelho-amarelada. O horizonte C é muito espesso, na cicatriz tem cerca de 8m de exposição e tem variabilidade de materiais: logo abaixo do horizonte B, é mais síltico-arenoso, com areia fina e aspecto mais maciço, muito resistente à penetração com penetrômetro de bolso, cerca de 4,5kg/cm2, com cor vermelho-escura. Em profundidade, ele grada para uma alteração com textura arenosa e cor clara, com evidências do “fabric” da rocha, um gnaisse. Este material é menos resistente a penetração, com uma resistência de 3,5kg/cm2. Água deve circular bem por ele. O uso da terra antes do movimento de massa era de capoeirão, segundo relato de moradores, e este tipo de vegetação é ainda o que aparece nos terrenos laterais da cicatriz. No meio da encosta passa uma linha do gasoduto, o qual está enterrado e foi atingido pelo deslizamento. A cicatriz é alongada e vai do topo da elevação até a base, atravessando o fundo do vale do rio Serafim, com o depósito subindo 30m na encosta do outro lado. Figuras 1B e 2. No terço superior da cicatriz, hoje aflora uma laje de rocha do tipo gnaisse pouco alterada. Sobre ela escoa um fluxo de água perene vindo de uma nascente ali localizada. Como ocorreu: os fatores condicionantes mais importantes para a deflagração do movimento foram a presença das áreas embaciadas no alto do maciço e a grande quantidade e intensidade das precipitações. Isto promoveu grande infiltração e a percolação de água para dentro da encosta. A qual se acumulou no contato manto de alteração/rocha. O solo e manto de alteração sofreram poro-pressões positivas em toda a sua espessura. Como o depósito mostra, houve um colapso de resistência de todo o manto de alteração e ele inteiro sofreu liquefação, se transformando em um fluxo denso e com grande capacidade de deslocamento. Os moradores locais relatam que o fenômeno ocorreu de uma vez só, com todo o solo se desmontando e escoando morro abaixo, com energia e fluidez suficiente para atravessar o fluxo forte do rio Serafim abaixo e subindo mais de 30m na encosta do outro lado, mas voltou um pouco por que perdeu energia. Parte do material depositou no interior do leito do rio, represando-o, porém a grande vazão do rio logo atravessou os sedimentos.

Figura 1. MDT da encosta antes (A) e depois (B) do movimento de massa.

Diferenças entre os modelos ocorrem por que eles apresentam resoluções espaciais distintas. Observar as áreas embaciadas no topo e o entalhe da encosta após o movimento de massa. Fonte: Fotografias aéreas SDS/SC, 2011.

Figura 2. Cicatriz do movimento de massa estudado

Observar que o material deslocado atravessou o rio (ao lado da estrada) e subiu na encosta do outro lado. Parte dos sedimentos seguiu com o rio. No detalhe está o depósito que subiu cerca de 30 m na encosta oposta. Fotos: Betina De Gasper

Conclusões

O movimento de massa estudado tem características muito interessantes, como a completa liquefação dos materiais em uma encosta tão curta, ou seja, a liquefação não ocorreu ao longo do transporte, mas provavelmente já na sua deflagração. Também a grande energia dos materiais liquefeitos para atravessar o rio Serafim, o qual já estava com vazão significativa por causa das chuvas excepcionais, e para subir a encosta oposta por mais de 30m. Suas características mostram que os materiais desta encosta receberam uma grande quantidade de água em subsuperfície, que provavelmente se acumulou no contato solo-rocha, gerando poro-pressões significativas ao ponto e destruir o ângulo de atrito interno e provocar um colapso de resistência ao logo de todo o perfil de alteração. A existência das áreas embaciadas de topo deve considerada como um condicionante especial, juntamente com a chuva, para a entrada de grande quantidade de água em profundidade na encosta, provocando o movimento de massa.

Agradecimentos

Referências

FORNARI, A. Geologia e metalogênese da porção meridional do Cráton Luís Alves/SC. 1998. 136p. Tese (Doutorado em Geociências). Programa de Pós-Graduação em Geociências da Universidade de Campinas. São Paulo.

SEVERO, D. L. A meteorologia do desastre. In: FRANK, B.; SEVEGNANI, L. TOMAZELLI, C. C. (Orgs.). Desastre de 2008 no vale do Itajaí: água, gente e política. Blumenau: Agência da Água do Vale do Itajaí, p. 71 – 77, 2010.


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