Comparação da Condutividade Hidráulica na Zona de Raízes entre Dois Fragmentos de Florestas Secundárias de Montanha em Nova Friburgo/RJ

Autores

Fraga, J.S. (UFRJ) ; Coelho Netto, A.L. (UFRJ) ; Sato, A.M. (UFRJ)

Resumo

Na tentativa de melhor compreender o papel da cobertura florestal no controle de movimentos de massa, este estudo objetivou a comparação do comportamento hidrológico de duas encostas florestadas de diferentes idades no município de Nova Friburgo/RJ. Os resultados indicaram diferenças na estrutura florestal, assim como na densidade e comprimento total de raízes grossas, propriedades físicas dos solos e na condutividade hidráulica saturada no metro superior do solo.

Palavras chaves

florestas secundárias; condutividade hidráulica ; zona de raízes

Introdução

Em Janeiro de 2011, chuvas extremas atingiram a região serrana do Rio de Janeiro, principalmente os municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, causando milhares de deslizamentos que resultaram em centenas de óbitos e danos econômicos superiores a 4 bilhões de reais (BANCO MUNDIAL, 2012). A sobreposição das cicatrizes de deslizamentos sobre um mapeamento de vegetação (1:100.000) indicou que mais de 60% das cicatrizes de Nova Friburgo ocorreram em encostas florestadas (COELHO NETTO et.al., 2013). Para Prandini et.al. (1977) e Ziemer (1981) o revestimento florestal é responsável pelo aumento na estabilidade de encostas, ao reduzir a quantidade de água disponível para infiltração, devido às perdas por interceptação e evapotranspiração, consumo e retenção de água pela vegetação, além de efeitos mecânicos de adição da resistência ao cisalhamento dos solos pelas raízes. Observações de campo indicam que a maioria dos fragmentos florestais nas áreas mais afetadas em Nova Friburgo encontra-se em estágios iniciais e médios de sucessão. Os atuais remanescentes de Mata Atlântica constituem verdadeiros mosaicos vegetacionais de diferentes históricos de uso e alterações de suas funções. Considerá-los como algo homogêneo seria desconsiderar a grande variabilidade de composição e processos ecológicos que influenciam nas propriedades mecânicas e hidrológicas dos solos, e, portanto na estabilidade de encostas (OLIVEIRA et al. 2012). Levando em conta a escassez de trabalhos que relacionem florestas e estabilidade de encostas no Brasil, associado à tentativa de melhor compreender o papel das florestas no controle de movimentos de massa, este estudo objetivou a comparação do comportamento hidrológico na zona de raízes entre dois fragmentos florestais de diferentes idades no município de Nova Friburgo/RJ, avaliando as propriedades físicas dos solos e a densidade de raízes finas e grossas em diferentes profundidades no metro superior do solo.

Material e métodos

A escolha dos sítios amostrais seguiu o pressuposto de localizarem-se nas proximidades da bacia do Córrego Dantas, por esta ter sido uma das áreas mais afetadas pelos deslizamentos no evento de 2011. Buscou-se, primeiramente a partir de imagens de satélites e posteriormente por avaliações de campo, um fragmento que apresentasse a fisionomia de um estágio sucessional avançado e outro que fosse comum aos demais fragmentos presentes na bacia. Segundo relato de moradores antigos dos locais escolhidos, o fragmento mais avançado sucessionalmente corresponde a uma floresta de aproximadamente 50 anos enquanto o outro apresenta idade aproximada de 20 anos. O levantamento da vegetação (estrutura da comunidade e porcentagem de árvores mortas) foi realizado em seis parcelas de 10 m x 10 m em cada área, totalizando 0,12 ha, no qual todos os indivíduos com perímetro a altura do peito(PAP) maior ou igual a 15 cm tiveram suas medidas de altura e PAP contabilizadas. Para a análise das propriedades físicas dos solos, em cada área foi aberta uma trincheira de 1 m x 1 m x 1 m (1 m³) e coletadas três amostras de solo em 8 profundidades (0 cm, 10 cm, 20 cm, 30 cm, 40 cm, 50 cm, 75 cm, 100 cm), para caracterizar o teor de agregados em peneiras de > 2 mm, 2 -1 mm, 1 - 0.,5 mm e 0,5 - 0,25 mm (EMBRAPA, 1997), porosidade e granulometria (ABNT - NBR 7181/84 com metodologia modificada sem defloculante e sem dispersor). Na abertura destas trincheiras também foram coletadas as raízes grossas (> 2 mm de diâmetro) e finas em diferentes profundidades. Os ensaios de condutividade hidráulica saturada (Ksat) foram realizados em cinco pontos aleatórios (10 no total), utilizando o permeâmetro de Guelph(Soilmoisture Equipment Coorp.). Em cada ponto a Ksat foi mensurada em três profundidades diferentes (15, 30 e 75 cm) com a utilização de duas cargas hidráulicas (5 e 10 cm) para garantir maior acurácia dos resultados.

Resultado e discussão

Amostrou-se um total de 434 indivíduos, 302 na área de 20 anos e 132 na área de 50 anos. As áreas basais (soma das áreas da seção transversal dos troncos de todas as árvores a altura do peito) foram de 26,9 e 31,6 m²/ha e a densidade de indivíduos 5033 e 2200 ind/ha, respectivamente. A porcentagem de árvores mortas foi de 12,9% (área de 20 anos) e 8,3% (área de 50 anos), ambas com alto valor se comparado ao 1,5% encontrado para florestas avançadas por Oliveira (1999) na Ilha Grande, Angra dos Reis/RJ. A porcentagem de árvores mortas demonstra a taxa de substituição dos indivíduos arbóreos e é relevante no que se refere à estabilidade de encostas porque as raízes em decomposição geram dutos que favorecem recargas pontuais de água no solo, além de não desempenharem o papel de consumo de água do solo e não proporcionarem adição de resistência ao cisalhamento do solo (NOGUCHI et. al., 1997; TSUKAMOTO & MINEMATSU, 1987). As análises granulométricas indicam uma predominância de areia fina (≥ 50% em todas as profundidades) e quantidades não representativas de argila em ambas as áreas. A metodologia modificada utilizada não faz uso de defloculante nem dispersor, refletindo as condições que os agregados do solo apresentam em campo, sendo que as argilas presentes no solo encontram-se agregadas, comportando-se como areias ou silte. A área de 20 anos apresentou a maior porosidade entre as áreas e profundidades (65,1%), porém apresentou também menor valor de porosidade encontrado (59,4%), demonstrando maior variabilidade do que a floresta de 50 anos. Nas profundidades em que foram realizados os ensaios de Ksat houve uma tendência inversa da porosidade. Na floresta de 20 anos, a porosidade diminuiu com a profundidade, enquanto que na de 50 anos, aumentou. No fragmento de 50 anos, mais de 90% dos agregados de todas as profundidades ficaram retidas na peneira de >2mm, demonstrando uma maior estabilidade dos agregados na área de floresta mais antiga, o que pode ser atribuído aos indícios de campo do solo e da serrapilheira com maior presença de matéria orgânica, ciclagem de nutrientes mais eficiente e elevada presença de minhocas ao longo do perfil. Os valores de condutividade hidráulica variaram da ordem de 10-5 a 10-3 cm/s e os menores valores foram encontrados na floresta de 20 anos como mostra tabela 1. Percebe- se que nas duas áreas há uma tendência de redução da média da Ksat dos 15 cm para os 30 cm ocorrendo um novo aumento dos valores na profundidade de 75 cm. Embora tenha ocorrido um aumento da média de condutividade hidráulica da profundidade de 30 cm para 75 cm, os valores encontrados nos cinco pontos ensaiados na floresta de 20 anos tiveram uma grande variabilidade (de duas ordens de grandeza), demonstrando uma maior heterogeneidade espacial das propriedades que influenciam na condutividade hidráulica. A densidade de raízes finas apresentou uma tendência de redução exponencial com a profundidade em ambas as áreas, sendo que mais de 60% das raízes finas nas duas áreas concentravam-se nos primeiros 15 cm do solo, já tendo sido observado em outros estudos que mais da metade das raízes finas se concentram nos primeiros cm do solo (GENET et.al., 2008). O fragmento de 50 anos apresentou maior densidade (com exceção das profundidades de 0-10 cm e 20-30 cm para raízes com diâmetro inferior a 20 mm) e distribuição mais equilibrada em profundidade das raízes grossas (tabela 2). A maior densidade de raízes grossas na trincheira do fragmento de 20 anos (tabela 2) foi devido à localização de uma única espessa raiz ao longo do perfil. Faz-se necessário o aumento do número de trincheiras para fornecer mais subsídios para estas observações. Apesar da densidade de raízes grossas ter sido maior na área de 20 anos, o comprimento total das raízes na área de 50 anos foi superior, demonstrando um maior recobrimento do solo pelas raízes, o que é importante tanto na redistribuição de água no solo, quanto no aumento da resistência ao cisalhamento do solo.

tabela 2

Parâmetros de estrutura da vegetação e das raízes coletadas nas trincheiras *referentes às parcelas de vegetação onde estão localizadas as trincheiras

tabela 1

Valores de Ksat (cm/s) nas florestas de 20 e 50 anos. Média dos cinco pontos amostrados; Desvio Padrão (DP); Valores mínimos (Mín.); Valores máximos (Máx).

Conclusões

Os dados encontrados nesse estudo demonstram diferenças entre os fragmentos de 20 e 50 anos que refletem mudanças estruturais e funcionais nas comunidades vegetais em relação aos seus estágios sucessionais que devem ser levados em consideração no que se refere à estabilidade de encostas. Sendo assim, simplesmente assumir os fragmentos florestais como áreas homogêneas constitui-se em uma extrema simplificação que pode acarretar em distorções no entendimento da funcionalidade hidro-mecânica destas áreas nas encostas em ambientes montanhosos. A maior variabilidade nos dados das propriedades físicas dos solos no fragmento de 20 anos pode estar relacionada a características funcionais dos ecossistemas e refletiu uma maior variabilidade nos dados de condutividade hidráulica saturada. Torna-se necessário o aumento na amostragem dos dados para se reconhecer tendências, assim como conhecer o comportamento hidrológico de florestas maduras e pouco alteradas para servirem como referência.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a colaboração dos estudantes e técnicos do Laboratório GEOHECO-UFRJ (IGEO – UFRJ) e Laboratório de Geotecnia (COPPE – UFRJ), assim como às agências de fomento à pesquisa CAPES, CNPq e FAPERJ que viabilizaram financeiramente a execução desta pesquisa.

Referências

COELHO NETTO, A. L. ; SATO, A. M. ; AVELAR, A. S. ; Vianna, L. G. G. ; ARAÚJO, I. S. ; FERREIRA, D. L. A. ; LIMA, P. H. ; SILVA, A. P. A. ; SILVA, R. P. January 2011: The Extreme Landslide Disaster in Brazil. In: Claudio Margottini; Paolo Canuti; KyojiSassa. (Org.).Landslide Science and Practice. 1ed.Berlin: Springer Berlin Heidelberg, v. 6, 377-384p. 2013 .
NOGUCHI, S., NIK, A. R., KASRAN, B., TANI, M., SAMMORI, T., & MORISADA, K. Soil physical properties and preferential flow pathways in tropical rain forest, Bukit Tarek, Peninsular Malaysia. Journal of Forest Research, 2(2), 115-120. 1997.
OLIVEIRA, R. R. O rastro do homem na floresta: Sustentabilidade e funcionalidade da Mata Atlântica sob o manejo caiçara. Rio de Janeiro: UFRJ Tese de Doutorado, Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1999.
OLIVEIRA, R.R. FRAGA, J.S., SALES, G.P.S., COELHO NETTO, A.L. Perda de Funções Ecológicas de Encostas de Angra dos Reis, RJ. PESQUISAS, BOTÂNICA Nº 63:41-53 São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 2011.
PRANDINI, L., GUIDICINI, G., BOTTURA, J.A., PONÇANO, W., SANTOS, A.R., Behavior of the vegetation in slope stability: a critical review. Bulletin of the International Association of Engineering Geology, n.16. p.51-55. 1977
TSUKAMOTO, Y.; MINEMATSU, H. Evaluation of the effect of deforestation on slope stability and its application to watershed management. IAHS Publication, v.167, p.181-189, 1987.
ZIEMER, R. R. The role of vegetation in the stability of forested slopes. In Proc. First Union of For. Res. Org., Div. I, XVII World Congress, Kyoto, Japan (pp. 297-308) 1981.



APOIO
CAPES UEA UA UFRR GFA UGB