Geomorfologia e geocronologia de depósitos aluvionares do baixo rio Branco - Norte da Amazônia

Autores

Cremon, (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE) ; Rossetti, D.F. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE) ; Sawakuchi, A.O. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – INST. DE GEOCIÊNCIAS)

Resumo

Este trabalho analisou a evolução do rio Branco baseado na caracterização dos depósitos aluvionares em seu baixo curso, integrando dados geomorfológicos, geocronológicos e sedimentológicos. Três unidades foram mapeadas e datadas por carbono-14 e LOE. Foi constatado que as idades variaram de 15.500 anos AP ao atual. Caso tenha ocorrido uma captura da drenagem rio Branco para a bacia dos rios Negro/Amazonas, como sugerido na literatura, tal evento pode ter ocorrido há somente 15.500 anos AP.

Palavras chaves

Rio Branco; Geocronologia; Amazônia

Introdução

A análise de terraços fluviais e demais depósitos aluvionares associados possibilita reconstituir mudanças ambientais continentais ocorridas no Quaternário, além de servir de base para modelar mudanças ambientais futuras. A maioria dos grandes sistemas fluviais do mundo está localizada no continente sul-americano, principalmente na bacia Amazônica (LATRUBESSE et al., 2005). Esses sistemas fluviais, passaram por mudanças significativas durante o Quaternário. Estas resultaram em variações tanto morfológicas quanto sedimentares, cujos registros ficaram preservados na paisagem por meio de terraços fluviais. A caracterização de terraços fluviais associados aos rios amazônicos é de grande interesse para se reconstituir a história evolutiva da bacia amazônica. Apesar disto, trabalhos que abordem este tema são ainda escassos. O rio Branco, localizado no estado de Roraima, constitui-se em um dos rios amazônicos de grande expressão. Este rio tem vazão média de 2875 m³/s, sendo o principal afluente do rio Negro. Apesar de sua importância para o entendimento do sistema fluvial amazônico, inexistem estudos visando a caracterização geomorfológica e geocronologia dos depósitos aluvionares desse rio que possibilitem determinar sua evolução na paisagem amazônica. Hoje, este rio flui para sul, porém tem sido hipotetizado que no passado sua orientação era para norte/nordeste, ou seja, em direção ao mar do Caribe, acompanhando a orientação principal da Bacia Tacutu (SCHAEFER e DALRYMPLE, 1995). Essa orientação teria se mantido até o final do Neógeno ou mesmo início do Quaternário, período em que a drenagem do alto rio Branco foi reorganizada e reorientada para as bacias do rio Negro/Amazonas. Entretanto, faltam dados para analisar a evolução desse sistema fluvial. Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução do rio Branco por meio da caracterização dos depósitos aluvionares em seu baixo curso, integrando dados geomorfológicos, geocronológicos e sedimentológicos.

Material e métodos

O mapeamento de terraços e demais unidades fluviais do baixo rio Branco foi baseado em produtos de sensoriamento remoto. Para isso, foram utilizadas imagens PALSAR/ALOS e o modelo digital SRTM. Duas campanhas de campo foram realizadas nos verões de 2013 e 2014 para detalhamento da sedimentologia dos terraços fluviais e coleta de amostras para estudos geocronológicos. Dezenove amostras foram coletadas para datação radiogênica por C14 AMS (accelerator mass spectrometry), realizadas no Beta Analytic Laboratory, além disso, sete amostras foram datadas por luminescência opticamente estimulada (LOE) de grãos de quartzo no Laboratório de Espectrometria Gama e Luminescência do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc/USP). Idades por C14 foram convertidas para o calendário atual (cal a AP) com auxílio do aplicativo CALIB 6.0 e calibradas segundo a curva INTCAL09 (REIMER et al., 2009). Idades por LOE foram obtidas com a divisão da dose acumulada (Gy) pela taxa de dose da amostra (Gy/tempo). O cálculo da dose acumulada seguiu o protocolo SAR (single-aliquot regenerative dose) (MURRAY e WINTLE, 2000; WINTLE e MURRAY, 2006). As medições LOE foram realizadas a 125ºC durante 40s, com pré-aquecimento das amostras a 200ºC durante 10s previamente às medições das doses natural e doses regenerativas das alíquotas. Para as doses teste, foi dado um pré-aquecimento de 160 ºC. Esses parâmetros apresentaram bom teste de recuperação de dose (dose recovery), mostrando-se consistentes para as datações por LOE. O cálculo da taxa de dose foi determinado pela radiação ionizante emitida por radionuclídeos (da série U238, série Th232 e K40) e por radiação cósmica. O conteúdo de água na amostra afeta em menor proporção a radiação ionizante e foi considerado nos cálculos. As medidas de concentração de radionúclideos foram mensuradas por espectrometria gama e a radiação cósmica calculada pelo modelo de Prescott e Stephan (1982) para obtenção da idade LOE-SAR.

Resultado e discussão

Três unidades morfológicas foram identificadas no vale do rio Branco, sendo essas compostas por terraço fluvial, planície e ilhas. Essas unidades são alagadas em períodos de grandes cheias atingindo largura superior a 10 km em algumas áreas no vale aluvial, como evidenciado em imagens PALSAR/ALOS do período de cheia (linha vermelha na Figura 1-a). Além do grande número de ilhas ao longo do canal aluvial, dois níveis topográficos são distinguidos nos dados topográficos SRTM (contorno preto na Figura 1-b). Esses níveis foram definidos como planície e terraço aluvial (Figura 1-c) cujo desnível altimétrico está em torno de 2 m do terraço para a planície e desta para as ilhas quase não há diferença topográfica, podendo ocorrer localmente algumas variações. O entorno do rio Branco é constituído pela Formação Içá, tida como de idade plio-pleistocênica. O terraço fluvial é representado, na base, por areias em geral grossas a médias contendo estratificação cruzada bem preservada. Esses depósitos gradam para cima a siltes e argilas, constituindo sucessões granodecrescentes ascendentes. Idades obtidas para a base arenosa variaram de 15.430 +/- 1163 (LOE) a 10.009 +/- 786 anos AP. Para o intervalo argiloso registrou-se duas idades em torno 7600 anos cal AP (Figura 2). A planície fluvial consiste em areias finas a médias que se intercalam com argilas e turfas. As idades para essa unidade, variaram de 5429 +/- 25 anos cal AP ao atual (Figura 2). As ilhas são constituídas por depósitos heterolíticos que se intercalam com areias finas a grossas e argilas. Essa unidade apresentou as idades mais jovens na paisagem, com variação entre 2850 a 460 anos cal AP (Figura 2). Se a hipótese de captura de drenagem da bacia do rio Branco para a bacia dos rios Negro/Amazonas for correta, então é possível que tal evento tenha ocorrido muito recentemente, já que a cronologia dos depósitos sedimentares estudados indica início de sedimentação há apenas 15.500 anos AP. Alternativamente, pode-se hipotetizar que a origem do rio Branco possa ser mais antiga, porém neste caso não teria havido preservação dos depósitos sedimentares representativos dos estágios iniciais de evolução desse sistema fluvial.

Figura 1

Unidades geomorfológicas mapeadas no vale do rio Branco em seu baixo curso.

Figura 2

Relação das idades nas unidades geomorfológicas do baixo rio Branco.

Conclusões

Neste trabalho apresenta-se pela primeira vez, a caracterização de unidades geomorfológicas do rio Branco em seu baixo curso, bem como suas descrições sedimentológica e geocronológica. Foi possível constatar que o preenchimento sedimentar deste vale fluvial possui idades preservadas muito recente. Caso realmente tenha ocorrido a captura da drenagem da bacia do rio Branco para a bacia dos rios Negro/Amazonas, como sugerido na literatura, então os dados apresentados mostram que tal evento pode ter ocorrido há somente 15.500 anos AP.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro concedido pela FAPESP (Proc. #2010/09484-2 e #13/50475-5).

Referências

Latrubesse, E.M., Stevaux, J.C., Sinha, R. Tropical rivers. [i]Geomorphology[/i] v. 70, p. 187-206, 2005.
Murray, A.S., Wintle, A.G. Luminescence dating of quartz using an improved single-aliquot regenerative-dose protocol. [i]Radiation Measurements[/i], v. 32, p. 57-73, 2000.
Prescott, J.R., Stephan, L.G. The contribution of cosmic radiation to the environmental dose for thermoluminescence dating. [i]PACT Journal (Council of Europe)[/i], v. 6, p. 17-25, 1982.
Reimer, P.J.; Baillie, M.G.L.; Bard, E.; et al. IntCal09 and Marine09 radiocarbon age calibration curves, 0-50,000 years cal BP. [i]Radiocarbon[/i], v. 51, n. 4, p. 1111-1150, 2009.
Schaefer, C.E.G.R., Dalrymple, J. Landscape evolution in Roraima, North Amazonia, Planation, paleosols and paleoclimates. [i]Zeit. Geomorph[/i], v. 39, p. 1-28, 1995.
Wintle, A.G., Murray, A.S. A review of quartz optically stimulated luminescence characteristics and their relevance in single-aliquot regeneration dating protocols. [i]Radiation Measurements[/i], v. 41, p 369-391, 2006.


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