Morfoestratigrafia e radarfácies das barreiras regressivas em Quissamã (RJ)

Autores

Rocha, T.B. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Fernandez, G.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE)

Resumo

O objetivo deste trabalho é investigar a morfoestratigrafia das barreiras regressivas em Quissamã, com utilização de GPR. Essas barreiras são representativas da progradação da linha de costa num período do Pleistoceno, associado à diminuição do nível médio do mar e aporte sedimentar da antiga foz do rio Paraíba do Sul. Contudo, superfícies erosivas, radarfácies de retrogradação e truncamentos nas cristas de praias marcam fases erosivas, provavelmente semelhantes ao contexto do delta atual.

Palavras chaves

GPR; Cristas de praia; rio Paraíba do Sul

Introdução

As barreiras costeiras são feições deposicionais arenosas, comuns em costas dominadas por ondas, onde estas predominam sob a forçante de maré, representado cerca de 15% dos totais de linhas de costas do mundo (Otvos, 2012). No caso das barreiras regressivas, estas têm como característica principal a progradação da barreira em direção ao mar, geralmente marcando uma sucessão de cristas de praias. Cada crista marca uma paleolinha de costa e resultam em planícies costeiras bem desenvolvidas. Ainda assim, essas feições podem apresentar registros erosivos frequentemente associados a eventos de alta energia ou oscilações secundárias do nível do mar, conforme apontaram Rodriguez e Meyer (2006). No Complexo Deltaico do Paraíba do Sul (CDPS) esta tipologia de barreira é predominante na paisagem, cuja evolução está associada a processos fluviais e costeiros, onde se destaca a atuação do rio Paraíba do Sul e os efeitos da oscilação do nível do mar no Quaternário. Este complexo pode ser visualizado como um conjunto de ambientes sedimentares relacionados as duas principais fases de orientação do rio. A mais antiga, quando a foz provavelmente situava-se entre Campos e Cabo de São Tomé; e a segunda fase, ou fase atual, onde a foz situa-se ao largo do município de São João da Barra, em Atafona (Silva, 1987). A primeira fase deixou como registro a planície de cristas de praia localizada entre Carapebus e Quissamã, área de estudo deste trabalho. De acordo com Rocha (2013), parte deste sistema de cristas de praia apresenta idades em torno de 80.000 anos, estabelecido pelo método da LOE, sendo associado a uma fase de diminuição do nível do mar consorciado ao aporte sedimentar abundante na antiga foz do rio Paraíba do Sul. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é investigar a morfoestratigrafia das barreiras regressivas em Quissamã, com utilização de GPR (Radar de Penetração do Solo), bem como caracterizar as principais radarfácies.

Material e métodos

Primeiramente foi realizado um mapeamento geomorfológico de detalhe a partir da vetorização de feições no ArcGis 9.3. Foram utilizadas Ortofotos georreferenciadas, com resolução espacial de 1m e ano de referência 2005, disponibilizados pelo IBGE. A alta resolução da imagem permitiu um mapeamento de detalhe, na escala 1:25.000. Especificamente sobre as cristas de praia, buscou- se mapear os truncamentos entre os alinhamentos predominantes e separá-las em unidades. Para aquisição das linhas de GPR, foi utilizada antena de 200 MHz em linhas transversais e longitudinais à costa, totalizando cerca de 7km de dados obtidos entre os anos de 2011 e 2012. O modo de aquisição predominante foi o Common- offset, que consiste em uma única antena para transmissão e recepção do pulso eletromagnético. Para o correto ajuste da profundidade foram adquiridas duas linhas em modo Common mid-point (CMP), de frequência de 80 MHz. Simultaneamente, a topografia foi obtida com DGPS de dupla freqüência, em modo cinemático com auxílio de veículo tracionado. O processamento dos dados foi realizado no programa RADAN 6.6 que oferece uma interface prática, considerando as propriedades geofísicas dos respectivos dados. Foram utilizadas ferramentas capazes de melhorar os dados coletados ou mesmo retirar sinais que significaram ruídos e não representaram informações do ambiente deposicional. Em geral essas técnicas abordam a aplicação de ganho, filtros, deconvolução para retirada de múltiplas e migração para remover difrações. A interpretação dos dados foi obtida a partir da descrição das radarfácies, considerando a morfologia, mergulho, continuidade, terminação e a relação entre os refletores adjacentes, conforme descritos por Neal (2004). Também foram identificadas as superfícies de radar, que limitam as camadas deposicionais e contatos erosivos. A interpretação e a produção das figuras finais serão realizadas no programa CorelDRAW X5.

Resultado e discussão

No mapeamento de detalhe foi possível identificar seis unidades de sistemas de cristas de praias que se apresentam cortadas por uma pequena rede de drenagem, geralmente conectada a um complexo de lagoas costeiras. Estes corpos hídricos aparecem truncados por uma estreita barreira frontal, formando os sistemas barreiras-lagunas. Devido as dificuldades de acesso, as linhas de GPR foram obtidas somente sobre as unidades de cristas 3 à 6, que apresentam entre 100 e 150 m de largura e alinhamento NE-SW. Estas unidades foram separadas a partir dos truncamentos nos alinhamentos preferenciais das cristas (Figura1). As linhas GPR 04-A e GPR 05-A foram as linhas selecionadas para a apresentação das radarfácies de progradação das barreiras, obtidas de forma transversal e longitudinal respectivamente. Em ambos os perfis a espessura média do pacote deposicional registrado com antena de 200 MHz, foi de cerca de 8m. Na linha GPR 04-A, as principais unidades deposicionais identificadas foram interpretadas a partir da descrição das radarfácies de capeamento eólico (f1), berma e zona de estirâncio (f2), antepraia superior (f3) e antepraia inferior (f4). Os contatos entre as unidades apresentaram-se de maneira concordante, isto é, sem contatos erosivos (Figura 2). Esta configuração representa um típica sequência regressiva, em que a praia migra sobre a antepraia, progradando a linha de costa (Kraft e Chrzastowski, 1985). Considerando o perfil topobatimétrico da praia do atual delta do rio Paraíba do Sul como um análogo moderno das cristas de Quissamã, a espessura sedimentar das unidades morfodinâmicas (Rocha, 2010), são coerentes com as unidades das barreiras costeiras pleistocênicas. A ausência de sinal GPR a partir de -3,0 metros nos perfis interpretados pode também ser um indicativo da deposição costeira relacionado a um ambiente deltaico, devido à possível presença de lamas. Na seção longitudinal (GPR 05-A), a configuração da radarfácie f2 sugere como mecanismo de formação das cristas de praia a incorporação de bermas, com alguma componente lateral de crescimento dessas feições (f2a e f2b). Já a radarfácie f2c foi interpretada como produto do preenchimento da cúspides praiais (figura 2), por processos de espraiamento e refluxo das ondas, e também foi observado na barreira atual (GPR-09). Segundo Calliari et al. (2003), nesta região, as ondas arrebentam de forma mergulhante e se espraiam na face de praia com grande velocidade, concentrando energia na face praial, facilitando a erosão subaérea da praia e a formação de cúspides na berma. Na linha GPR 06-A, foram identificadas algumas superfícies erosivas, na unidade de pós-praia e estirâncio (figura 2). Cabe ressaltar que estas superfícies foram localizadas nos truncamentos entre as unidades 4 e 5 das cristas de praia, sendo forte indício de fases erosivas. Além disso, foram identificadas as radarfácies que migram em direção ao continente como a de leques de transposição (f7) e a de barras onshore (f3a). Estes refletores indicam fases erosivas no contexto da progradação da planície costeira. Presume-se que nestes períodos, grande parte do material erodido deva ser transportado para a antepraia, podendo formar barras. Posteriormente, estas podem retornar para o perfil emerso. Em casos de eventos de alta energia, como eventos de ressaca, essa morfodinâmica é bastante comum no perfil praial. Refletores semelhantes foram identificados em Engels e Roberts (2005) e Costas e FitzGerald (2011), embora sejam pouco comuns na literatura, podendo haver diferentes interpretações para as mesmas. No mesmo perfil, também foi observado uma superfície côncava, que trunca a unidade de radarfácies f2. Este refletor representa a superfície de um canal de drenagem, com cerca de 80 m de largura, localizado na depressão entre duas cristas. Neste caso, a radarfácie f5b foi interpretada como barras de canal, que ocorreriam a partir do retrabalhamento da borda das cristas de praia.

Figura 1

Mapeamento geomorfológico de detalhe da planície costeira entre Carapebus e Quissamã (RJ.

Figura 2

Linhas de GPR (04-A, 05-A, 06-A).Na GPR 06-A, notar a radarfácie f5b e sua localização na drenagem entre as cristas.

Conclusões

Apesar das barreiras regressivas de Quissamã serem representativas da progradação da linha de costa num período do Pleistoceno, associado à diminuição do nível médio do mar e aporte sedimentar, os truncamentos nos alinhamentos das cristas obtidos no mapeamento geomorfológico representam interrupções na progradação da planície, seguido de uma fase ou evento erosivo. No registro em subsuperfície, isto é corroborado pela identificação das radarfácies f3a, f7 e das superfícies erosivas. No caso do delta atual, os truncamentos das cristas também ocorrem de forma muito evidente próximo à desembocadura do rio Paraíba. Desta forma, espera- se que a planície de Quissamã tenha sido submetida a uma dinâmica costeira semelhante à planície do delta atual, considerando os registros relativos à progradação e as fases de erosão discutidas.

Agradecimentos

Referências

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COSTAS, S. & FITZGERALD, D. 2011. Sedimentary architecture of a spit-end (Salisbury Beach, Massachusetts): The imprints of sea-level rise and inlet dynamics. Marine Geology, n.284, p.203–216.
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ROCHA, T.B; FERNANDEZ G.B.; PEIXOTO, M.N.O; RODRIGUEZ, A. 2013. Arquitetura deposicional e datação absoluta das cristas de praia pleistocênicas no complexo deltaico do Paraíba do Sul (RJ). Brazilian Journal of Geology, 43 (4), 711-724.
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SILVA, C.G. 1987. Estudo da evolução geológica e geomorfológica da região da Lagoa Feia, RJ. 116 f. Dissertação (Mestrado em Geologia). Instituto Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro


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