ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS NA PRAIA DO ICARAÍ (CAUCAIA-CEARÁ) APÓS A CONSTRUÇÃO DE UM DISSIPADOR DE ENERGIA PARA CONTROLE DA EROSÃO COSTEIRA

Autores

Paula, D.P. (UVA) ; Farrapeira Neto, C.A. (UFC) ; Souza, M.A.L. (ENGENHEIRO) ; Dias, J.M.A. (UALG)

Resumo

A Praia de Icaraí situa-se no município de Caucaia, no estado do Ceará, fazendo parte da Região Metropolitana de Fortaleza. Atualmente, a linha de costa desse município está totalmente artificializada por infraestruturas urbanas. Em 2011, emergencialmente foi construído ao longo de 1,5 km um dissipador de energia do tipo Barra Mar para atenuar o processo erosivo. Desse modo, o presente trabalho teve por objetivo avaliar as alterações morfológicas após a construção da estrutura de contenção.

Palavras chaves

Erosão costeira; Proteção costeira; Evolução morfológica

Introdução

Para alguns autores (e.g. Montefalcone et al., 2010; Paula et al., 2013; Dias et al., 2013), a erosão costeira detectada nas últimas décadas é resultante, especialmente da redução do suprimento de sedimentos em direção à zona costeira, que por sua vez é resultante de múltiplos fatores, como o aumento da pressão antrópica em áreas de contribuição sedimentar, desenvolvimento urbano acelerado das orlas costeiras, antropização das bacias hidrográficas, construção de barramentos ao longo dos tributários fluviais e o desenvolvimento de atividades econômicas com foco na orla costeira (e.g. turismo). Essas antropizações repercutem diretamente na dinâmica sedimentar da zona costeira, a exemplo do litoral de Caucaia no Ceará. A Praia de Icaraí situa-se no município de Caucaia, no estado do Ceará, o qual faz parte da Região Metropolitana de Fortaleza. Desde meados do século XX que o litoral do Município foi objeto de intensa procura com objetivos balneares, tendo-se construído, junto à linha de costa, em suplemento aos núcleos piscatórios, diversas infraestruturas urbanas. A ocupação urbana do litoral de Caucaia ocorreu nas praias mais próximas a Fortaleza em direção ao litoral do município vizinho (Pecém) (Lima, 2002; Morais et al., 2005a e 2005b; Moura et al., 2012). O litoral de Caucaia tem sofrido uma evolução acentuada ao longo das últimas três décadas, como resultado não só da vilegiatura que se desenvolveu entre as décadas de 1970 e 1980, mas também da erosão costeira que destruiu parte do patrimônio edificado entre as décadas de 1990 e 2000. Em 2011, a Prefeitura Municipal de Caucaia promoveu a construção, em caráter emergencial, de uma obra de engenharia de proteção costeira, designada por dissipador de energia Barra Mar. O dissipador é uma estrutura vertical construída com blocos de concreto. Logo, o presente estudo teve por objetivo avaliar as transformações fisiográficas/morfológicas induzidas na Praia do Icaraí após a construção da estrutura.

Material e métodos

No sentido de avaliar a evolução morfológica da Praia do Icaraí após a construção do dissipador de energia foram estabelecidas cinco seções de monitoramento topográfico (Figura 1). É de relevar que a obra não se dispõe de forma perfeitamente regular relativamente à praia e ao alinhamento geral da linha de costa, existindo partes ligeiramente salientes e outras um pouco reentrantes. Estas heterogeneidades podem eventualmente induzir comportamentos diferentes na praia adjacente. Na impossibilidade de aferir qual é a expressividade das variações laterais da praia devido às heterogeneidades aludidas, assume-se que tal variabilidade é irrelevante, e que os perfis de monitoramento refletem efetivamente o comportamento da praia no setor respectivo (S1 – setor a barlamar da obra; S2 – setor oriental da obra; S3 – setor oriental da obra; S4 – setor ocidental da obra; S5 – setor a sotamar da obra). Todos os perfis foram referenciados ao Zero Hidrográfico definido pela Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha – DHN. Os perfis topográficos foram executados obedecendo ao método da Estadia (Birkmeier, 1981). O Referencial de Nível (RN) de cada perfil, isto é, a cabeça ou ponto inicial do perfil, foi estabelecido num ponto estável que não sofra alterações altimétricas devido a ação marinha ou eólica. A referência utilizada para calcular as cotas altimétricas do terreno (diferença de nível) foi o nível do mar. Isso foi possível a partir da transposição de cotas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Os perfis foram ainda georeferenciados com auxílio de um DGPS (Differential Global Positioning System) com precisão de ±5 mm. Os perfis aludidos foram repetidamente reocupados, numa base mensal, por forma a permitir, através da análise topográfica comparativa, a determinação das variações morfológicas que ocorreram na praia. Na realização dos perfis topográficos da praia foi utilizada uma estação total.

Resultado e discussão

Como é normal, a Praia do Icaraí está sujeita a intensas transferências longitudinais e transversais de sedimentos, pelo que os perfis que foram sendo levantados entre Dezembro de 2011 e Março de 2013 apresentam grande variabilidade. O perfil S1, localizado a barlamar da obra, denuncia intensas transferências sedimentares transversais. Entre Dezembro de 2011 e Maio de 2012 este setor revelou tendência de acumulação, com aumento de altura da praia, que atingiu o máximo do período de observação no mês de Maio (embora na parte mais afastada do mar esse máximo tenha sido atingido em Março). Seguiu-se fase erosiva, bem nítida já em Julho, mas cujo máximo foi alcançado em Outubro e Novembro de 2012. Posteriormente verificou-se recuperação. Comparando os perfis de Dezembro de 2011 e Março de 2013, verifica-se que, em termos genéricos, existiu tendência erosiva, com recuo da extremidade interna da praia de uns dois metros. O perfil S2 localiza-se já na zona afetada pela estrutura de engenharia e tem a particularidade de, na zona entre marés, ocorrerem afloramentos de rochas de praia. Na alta praia cotas maiores apenas foram observadas em Fevereiro e Março de 2012. A sucessão dos perfis no tempo denuncia intensas transferências sedimentares transversais. Comparando a situação inicial (Dezembro de 2011) com a final (Março de 2013), verifica-se que ocorreu erosão generalizada.O perfil S3 está localizado, grosso modo, a meio da estrutura de contenção. Em Dezembro de 2011 a cota da alta praia era elevada, aproximando-se, na extremidade interna, dos 4 metros. Em Janeiro de 2012 verificou-se forte erosão da parte emersa, sem correspondente acumulação na parte submersa monitorada, a qual manteve mais ou menos a configuração, com tendência para a perda sedimentar. Não é possível saber se tal comportamento correspondeu a transferências sedimentares transversais (com acumulação a maiores profundidades), ou a perda efetiva de areia neste perfil. Na praia emersa, o máximo de erosão foi verificado em Março de 2013, e na parte submersa em Dezembro de 2012. A tendência geral do perfil é de abaixamento generalizado de cota, não obstante alguns períodos de recuperação parcial. Vale destacar que as fortes ressacas do mar ocorridas em fevereiro de 2013 foram responsáveis por danificar um trecho médio de 100 m da obra nessa seção, resultando na acomodação dos blocos de concreto ao longo da faixa de praia. Como não houve recuperação da estrutura, esses 100 m equivalem hoje a mais de 300 m de estrutura colapsada. O perfil S4, situado na parte ocidental da estrutura, revela comportamento diferenciado relativamente aos anteriores. Após a conclusão da obra, verificou- se em Janeiro de 2012 acumulação geral em todo o perfil, principalmente na baixa praia e no domínio submerso, tendo-se atingido as cotas máximas observadas em todo o período de monitoramento nessas zonas. Comparando a situação inicial (Dezembro de 2011) com a final (Março de 2013), verifica-se que não existem grandes diferenças. O perfil S5, localizado a sotamar da área intervencionada, denuncia forte ação eólica e intensa dinâmica dunar, temas estes que estão fora do âmbito deste relatório. Os máximos de erosão ocorreram em Fevereiro de 2012, na praia emersa, e em Agosto de 2012 no domínio submerso. A comparação das situações inicial e final não revela modificações muito significativas.

Conclusões

Na generalidade, a análise da evolução dos perfis de praia permite deduzir que: a) as ressacas do mar, principalmente as do segundo semestre, induzem grandes movimentações sedimentares, quer transversais, quer longitudinais; b) em Março de 2013 todos os perfis, na alta praia, revelavam cotas inferiores às observadas em Dezembro de 2011, o mesmo se verificando na baixa praia (neste caso com exceção do perfil S5); c) a comparação dos perfis de Março de 2013 com os de Dezembro de 2011 revela comportamentos heterogêneos, com aumento de cotas em S1 e S4, diminuição em S2 e S3, e sem grandes variações em S5; d) devido seguramente a deficiências de abastecimento sedimentar, a globalidade da praia revela tendência, a médio – longo prazo, para progressiva perda de areia e, consequentemente, de redução da área da praia emersa; e) as marés da superlua (em que a Lua cheia está a menos de 10% do perigeu) ocorrida a 6 de Maio de 2012, ocasionou, em termos genéricos, robustecimento dos perfis (certam

Agradecimentos

Ao CNPq pelo financiamento do projeto “Impactos costeiros no litoral de Caucaia (Ceará, Brasil) induzidos pelas obras costeiras construídas a sotamar e pelas ressacas do mar (Processo: 483811/2013-0) e pela concessão de uma bolsa de iniciação científica. A FUNCAP pela concessão de suas bolas de iniciação científica.

Referências

Birkemeier, W.A. (1981) - Fast accurate two person beach surveys. 17p., Series: Coastal engineering technical aid n.81-11. U.S. Army, Corps of Engineering Research Center, Vicksburg. Disponível em https://ia600509.us.archive.org/9/items/fastaccuratetwop00birk/fastaccuratetwop00birk.pdf.
Dias, J.A.; Cearreta, A.; Isla, F.I.; Mahiques, M.M. (2013) - Anthropogenic impacts on Iberoamerican coastal areas: Historical processes, present challenges, and consequences for coastal zone management. Ocean & Coastal Management, 77: 80–88. doi:10.1016/ j.ocecoaman.2012.07.025.
Lima, S.F. (2002) - Modelagem numérica da evolução da linha de costa das praias localizadas a oeste da cidade de Fortaleza, Ceará: trecho compreendido entre o rio Ceará e a Praia do Cumbuco. 113p., Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. Disponível em http://hdl.handle.net/10183/2458.
Montefalcone, M.; Parravicini, V.; Vacchi, M.; Albertelli, G.; Ferrari, M.; Morri, C.; Bianchi, C. N. (2010) - Human influence on seagrass habitat fragmentation in NW Mediterranean Sea. Estuarine, Coastal and Shelf Science, 86(2):292–298. doi:10.1016/j.ecss.2009.11.018.
Morais, J.O.; Pinheiro, L.S.; Oliveira, G.G. (2005) - Erosive processes and economic valoration impacts at Caucaia Litoral, Northeastern, Brazil. In: CARICOSTAS 2005, 1:20-40, 2nd International Conference on Integrated Coastal Zone Management, Universidad de Oriente, Santiago de Cuba, Cuba.
Moura, M.R.; Abreu Neto, J.C.; Sousa, P.H.G.O. (2012) - Geoprocessamento aplicado à análise da evolução da linha de costa da Praia do Icaraí, Caucaia, Ceará. In: 1º Simpósio de Integração das Ciências do Mar (I SICMar), São Paulo. Disponível em http://sicmar.com.br/doc/trabalhos/1011
Paula, D.P.; Dias, J.M.A.; Ferreira, O.; Morais, J.O. (2013) - High-rise development of the sea-front at Fortaleza (Brazil): Perspectives on its valuation and consequences. Ocean & Coastal Management. 77:14-23. doi: 10.1016/j.ocecoaman.2012.03.004.


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