Análise dos parâmetros geomorfológicos e da dinâmica fluvial: o caso do baixo curso do Rio Tietê (SP)

Autores

Aguilar, R.L. (UNESP - CÂMPUS RIO CLARO) ; Cunha, C.M.L. (UNESP - RIO CLARO)

Resumo

Partindo-se da necessidade de maior abrangência em mapeamentos geomorfológicos da dinâmica fluvial para o levantamento da sensibilidade ambiental a derramamentos de óleo, esta pesquisa, valendo-se de técnicas tradicionais de mapeamento geomorfológico, propõe a confecção de um mapa o qual possa colaborar com estes estudos. Para isso, foi necessário identificar e mapear as feições geomorfológicas a fim de avaliar o significado destas em termos de sua sensibilidade em um trecho do Rio Tietê.

Palavras chaves

Mapeamento Geomorfológico; Geomorfologia Fluvial; Sensibilidade Ambiental

Introdução

Em um ambiente de característica hidro-pluviométrica tropical, como recorrente à região sudeste brasileira, todos os danos por contaminação, mesmo que não diretamente incidentes em cursos fluviais, são drenados e refletidos nestes, tornando-se indispensável a confecção de um documento que, a partir da análise de parâmetros geomorfológicos, bióticos e socioeconômicos, definam os setores potencialmente sensíveis a danos decorrentes de derramamentos, representando uma referência a partir da qual as equipes mitigadoras atuarão em um trabalho de limpeza e reestabelecimento das condições naturais da área afetada. Estes documentos são as Cartas de Sensibilidade Ambiental ao Óleo (SAO) e são elaboradas pelo órgão responsável pelo meio ambiente (Ministério do Meio Ambiente, no caso brasileiro) de todos os países signatários da OPRC 90 (Oil Pollution Preparedness, Response and Co-operation) (WIECKZOREK, 2006). O levantamento e análise da morfologia do relevo trabalhado pelo sistema fluvial (objeto desta pesquisa) é de fundamental importância para a confecção de cartas de sensibilidade, uma vez que, o acesso e permanência no meio do material derramado, dependem da energia cinética da água, elemento transportador do poluente, que, por sua vez, está em função de elementos físicos do terreno, tais como declividade, natureza do substrato e exposição ao hidrodinamismo. Desta forma esta pesquisa objetivou o mapeamento e discussão das feições e da dinâmica fluviais como subsídio à uma pesquisa maior de mapeamento da sensibilidade à derramamentos de óleo.

Material e métodos

O mapeamento geomorfológico foi realizado a partir da interpretação de imagens orbitais e de cartas topográficas fornecidas pelo IBGE, tendo como base técnica as propostas de Jean Tricart (1965) e de Verstappen & Zuidam (1975). As imagens foram obtidas pelo sistema HRG-SPOT 5, Banda 4 com resolução de 2,5 metros. O mapeamento foi confeccionado na escala 1:30.000. Para Tricart (op. cit.) as cartas geomorfológicas devem conter quatro tipos de informação: morfometria, morfografia, morfogênese e cronologia, sendo esta última não considerada devido ao objetivo do trabalho. A morfometria, neste trabalho, inclui a rede de drenagem, as curvas de nível e os pontos cotados. A morfografia é representada através de símbolos que localizam e espacializam as formas em consideração. Estes devem transmitir ao intérprete a noção de quais processos originaram cada uma das feições, o que constitui a morfogênese. Assim, cada forma foi agrupada segundo sua origem em grandes grupos de modelados, a saber: Feições Hidrográficas, Formas de Acumulação e Modelado de Entalhe. As primeiras incluem as margens erosivas e as margens deposicionais, respondentes aos processos de alteração física da superfície associados ao trabalho do Rio Tietê, e foram representadas por linhas (alaranjada e marrom, respectivamente). As segundas englobam as praias fluviais, que foram cartografadas como linhas amarelas; os terraços fluviais representados por polígonos preenchidos com a letra “T”; as ilhas foram identificadas como polígonos pontilhados de amarelo; os leques aluviais foram representados por polígonos mosqueados em cinza; e por fim, os depósitos aluviais foram identificados como polígonos preenchidos com círculos pretos. Nos modelados de entalhe foram cartografadas as formas de fundo de vale, indicadoras dos processos locais de atuação fluvial. Fundos de vale entalhados foram identificados pela letra "v" sobre o traçado do canal, enquanto fundos de vales planos foram identificados pelo símbolo "]".

Resultado e discussão

O trecho mapeado consiste em um canal meândrico, alternando margens abruptas, sujeitas a intensas atividades erosivas (maior energia cinética da água) com margens de topografia mais suave e formação de praias e extensos depósitos aluviais (menor energia cinética da água). A feição constituída pela ação humana de mais notável evidência, mesmo em escala de observação reduzida, é, sem objeção, a ocupação mais a montante pelo terreno alagado associado à represa de Barra Bonita, a qual diminui a energia cinética do Rio Tietê, promovendo uma dinamização da atividade de deposição e elevando o nível de base regional. Deste modo, seus tributários têm, também, a energia cinética reduzida, contribuindo para um marcante espraiamento das águas e extensão das áreas de deposição. Este processo é muito mais evidente à margem esquerda do Rio Tietê, pois enquanto esta se caracteriza por topografia menos acidentada e um gradiente vertical de menor valor, a margem direita, por estar associada a uma falha inversa de transcurso paralelo ao rio, apresenta desnível mais acentuado, contribuindo para menor espalhamento da massa hídrica na cobertura do terreno. Fig. 01: Trecho meândrico do Rio Tietê, ilustrativo do constante retrabalhamento de suas margens. Org.: AGUILAR, R. L. de A figura 01 expõe apenas um trecho da área mapeada, o qual mostra-se, no entanto, como sintético das feições observadas, ao mostrar o trabalho de um curso fluvial próximo ao nível de base, o que corresponde a um terreno de baixa declividade, em que o rio divaga através de sua planície a fim de dispersar sua energia, exortando um marcante retrabalhamento permanente em suas margens. Este processo de divagação foi, todavia, obstado após a elevação regional do nível de base, fazendo com que a lâmina d’água preenchesse praticamente toda a planície, agora submersa. Pode-se, portanto, inferir que a atividade modeladora no trecho tenha sido reduzida bastante após a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Barra Bonita, uma vez que o rio, nos limites de sua planície, já não possui a energia com que outrora a trabalhava. Por isso, em um ambiente em que se esperaria a ocorrência de margens (côncavas) erosivas, observa-se um progressivo aumento da deposição de materiais trazidos pelo fluxo, levando a um processo ambivalente de erosão durante as cheias e deposição durante a vazante (cenário da imagem orbital). No istmo ao centro da figura, por exemplo, onde se poderia supor a existência de margens erosivas em franca evolução, foram encontradas, ao contrário, estreitas faixas deposicionais entre o talude e o rio. O mesmo ocorre um pouco à montante, onde se visualizam extensas praias, levando a uma verdadeira inversão dos processos fluviais. Processo semelhante é visto na margem côncava oposta, em que a baixa energia fluvial e a recarga permanente de sedimentos transportados pelos tributários do Tietê reduzem a extensão das margens erosivas em detrimento da ampliação dos depósitos e praias. Se as margens erosivas mostram uma evolução tímida após a elevação do nível de base, as margens deposicionais, de forma antagônica, estão em acelerada expansão. Assim são vistos, em ambas as projeções marginais na figura, extensos depósitos aluviais progressivos. Decorre desta evidência que poderia ocorrer uma redução na largura do curso fluvial, fato que não deve ser observado, pois à medida que a extensão transversal do rio diminui sem o acompanhamento simultâneo na redução da vazão, este, sempre em busca do equilíbrio, aumenta as variáveis velocidade e profundidade, com elevação da energia cinética no trecho, o que acarreta em uma retomada erosiva das margens côncavas e diminuição da deposição nas margens convexas (CHRISTOFOLETTI, 1980). É importante ressalvar que este equilíbrio não é, contudo, estático. Ou seja, não ocorre um ciclo pressupondo uma sucessão dos eventos descritos, mas estes estão em simultânea ocorrência, em equilíbrio dinâmico.


Trecho meândrico do Rio Tietê, ilustrativo do constante retrabalhamento de suas margens. Org.: AGUILAR, R. L. de

Conclusões

Através do exposto percebe-se a substancial alteração nos processos fluviais de modelagem após a instalação, a jusante, do reservatório de Barra Bonita. Este fato tem sido recorrente no Estado de São Paulo a partir de meados do século XX, quando a necessidade crescente por produção de energia elétrica instigou à construção de inúmeros reservatórios em cursos fluviais do interior, descaracterizando completamente muitos destes (caso emblemático do rio Tietê). Deste modo, este estudo corrobora a hipótese de a redução da energia cinética promovida por tais reservatórios promover um alçamento no nível de base regional com consequente drástica redução nos processos erosivos e forte assoreamento de vastas áreas adjacentes aos rios. Estas informações são essenciais para a avaliação da sensibilidade dessa área ao derrame de óleo.

Agradecimentos

Agradeço ao apoio intelectual e à orientação metodológica oferecidos pela Professora Cenira durante a realização desta pesquisa e ao financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), determinante na execução dos trabalhos.

Referências

CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 1980, 188p.
CUNHA, C. M. L. A Cartografia do Relevo no Contexto da Gestão Ambiental, 2001. 128f. Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambiente) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2001.
GUERRA, Antonio Teixeira; GUERRA, José Teixeira. Novo dicionário geológico-geomorfológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. 648 p.
MORELLI, J. N. Conheça o Petróleo. 2º ed, São Paulo: Melhoramentos, 1966, 152p.
NUNES, B. A. et al. Manual Técnico de Geomorfologia (Manuais Técnicos em Geociências nº05), Rio de Janeiro: IBGE, 1995.
ROSS, J.R. Geomorfologia: Ambiente e Planejamento. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2010. 85p.


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