Avaliação das mudanças na morfologia de canais fluviais em sub-bacia do Córrego do Cavalheiro - Analândia (SP)

Autores

Pinton, L.G. (UNESP/CAMPUS DE RIO CLARO (SP)) ; Cunha, C.M.L. (UNESP/CAMPUS DE RIO CLARO (SP))

Resumo

A variável antropogênica interfere na carga de sedimentos dos cursos d’água, refletindo em modificações de seus perfis transversais. Assim, o presente artigo teve como objetivo geral avaliar as mudanças na morfologia de feições vinculadas ao modelado de entalhe e deposicional. Esta proposta foi realizada com base no mapeamento geomorfológico evolutivo, que permitiu a identificação das alterações na morfologia dos vales e outras formas de relevo associadas à dinâmica fluvial.

Palavras chaves

Mapeamento geomorfológico; Antropogeomorfologia; Perfil transversal

Introdução

As intervenções antrópicas em cursos d’água remontam as civilizações hidráulicas. Atualmente, há uma diversidade de atividades antrópicas que afetam a dinâmica fluvial, especialmente em sistemas menores, tais como a urbanização, agricultura e pastagens (SHUMM, 2005). Dentre as possíveis implicações decorrentes de tais atividades, destaca-se a modificação na carga de sedimentos, que promove a definição de trechos ao longo do rio com predomínio de processos de entalhamento do canal e outros vinculados a agradação. Há variáveis naturais que interferem na resposta dos canais aos referidos processos. Contudo, a variável antropogênica opera numa escala de tempo histórica, que reflete na dificuldade em subestimar o grau de intervenção humana no curso dos rios nos dias atuais (NIR, 1983). A mudança no perfil transversal de um rio em curto período de tempo pode fornecer indícios da influência antropogênica na carga de sedimentos fluviais, já que vales em fundo plano assinalam a possível sobrecarga de sedimentos, enquanto vales em v remetem à erosão. Rodrigues (2005) sugere o emprego da cartografia geomorfológica de detalhe para estudo dos efeitos das ações antrópicas no meio físico. Ademais, acredita-se que o mapeamento geomorfológico evolutivo permite a identificação das mudanças nas morfologias dos vales e outras formas de relevo associadas à dinâmica fluvial. As constatações realizadas por Pinton (2009) na bacia do Córrego do Cavalheiro – Analândia (SP) sobre o aumento gradativo nas classes de uso da terra relacionadas às atividades antrópicas no período 1988-2009 direcionaram a escolha de uma sub-bacia hidrográfica de pequena extensão areal como área de estudo. Assim, o presente artigo teve como objetivo geral avaliar as mudanças na morfologia de feições fluviais vinculadas ao modelado de entalhe e deposicional. Esta proposta foi realizada com base na análise comparativa das cartas geomorfológicas da sub-bacia nos cenários de 1988 e 2009, com atualizações de campo.

Material e métodos

A orientação metodológica do presente artigo teve respaldo nos princípios que concernem à Teoria Geral dos Sistemas aplicados à ciência geográfica(CHRISTOFOLETTI, 1979). A escolha de uma sub-bacia hidrográfica do Córrego do Cavalheiro como área de estudo justifica o uso da abordagem sistêmica quanto ao critério funcional, pois essa se constitui em um sistema aberto que recebe (input) e perde (output) energia e massa. Quanto ao critério da complexidade estrutural, utilizou-se a concepção dos sistemas processos-respostas, os quais estabelecem um equilíbrio entre o processo e a forma, pois esses são derivados da combinação de sistemas morfológicos (forma) e em sequência (processo). Assim, qualquer alteração no sistema em sequência terá reflexos de alteração na forma (CHRISTOFOLETTI, 1979). Este aspecto do sistema foi avaliado por meio das informações contidas nas cartas geomorfológicas, já que os sistemas em sequência foram deduzidos a partir do mapeamento das formas de vertentes e interflúvios, as formas originadas pela ação das águas correntes e o modelado antrópico. Entende-se que tais formas constituem a resposta aos processos morfogenéticos vinculados à dinâmica fluvial que atuam sobre a área. Os princípios da Teoria Geral dos Sistemas se integram a proposta metodológica da Antropogeomorfologia(RODRIGUES, 2005). Nesta abordagem, o cenário geomorfológico de 1988 foi reconhecido como sendo o estágio pré-perturbação, correspondente a fase anterior à intervenção antrópica, enquanto que o cenário de 2009 compreende a perturbação ativa, representando a sequência de intervenções nas formas e materiais superficiais pela atividade antrópica. A elaboração destes documentos foi realizada segundo a proposta de Tricart (1965), utilizando-se pares estereoscópicos de fotografias; mapeamentos geológicos; base cartográfica e trabalhos de campo para a reambulação dos dados mapeados em 2009.Tais documentos ainda consideraram alguns símbolos da proposta de Verstappen e Zuidan(1975).

Resultado e discussão

A sub-bacia hidrográfica do Córrego do Cavalheiro (Figura 1) é caracterizada por um possível aumento dos processos erosivos lineares sobre os laminares no período 1988-2009. Esta suposição advém da constatação no aumento do número total e extensão de sulcos erosivos e manutenção das voçorocas, ao lado da queda expressiva na extensão das rupturas topográficas e quantia de leques aluviais. Em relação aos leques aluviais, a eliminação desses no período (4 em 1988 para 0 em 2009) indica uma provável retomada erosiva de cursos d’água envolvidos diretamente com tais feições, bem como um decréscimo no fornecimento de sedimentos advindos dos processos erosivos a montante destes cursos d’água. Esta última conjectura é invalidada ao considerar o comportamento descrito das feições erosivas lineares, em específico, a maior distribuição espacial dessas em 2009 no reverso do setor cuestiforme, suposta área de origem do material que sustentava os quatro leques aluviais mapeados na área de estudo em 1988. Ao considerar tal contexto, acrescido do ganho de energia existente nas cuestas, acredita-se que a maior carga de sedimentos nos cursos d’água, procedente das feições erosivas lineares, promove gradiente para erosão nos leques aluviais. Nir (1983) reforça tal asserção ao indicar que a erosão a jusante é maior do que nas áreas de intervenção a montante, devido ao aumento da velocidade das partículas de sedimentos em sua trajetória. Além da descaracterização de tais áreas de acumulação fluvial, a referida dinâmica sugere a distinção entre um perfil erosivo em 2009 e deposicional em 1988 do sistema fluvial desta sub-bacia do Córrego do Cavalheiro. A constatação de um modelado de entalhe com vale de fundo em v no cenário de 2009 em trecho a jusante dos leques aluviais identificados em 1988, preteritamente mapeado com vale em fundo plano (Figura 1), confere indícios dos referidos perfis. Ademais, o aumento na extensão dos vales em v na sub-bacia de 13 metros para 17 metros e a consequente diminuição dos setores de vale em fundo plano (4,5 metros para 1,3 metros) reforça a retomada erosiva no cenário de 2009. Shumm (2005) atenta que o entalhamento do canal não é um fato local, mas pode ser o resultado de um maior ajuste do curso d’água a controles externos. No caso desta sub-bacia, acredita-se que tal controle esteja relacionado a intensa mudança na dinâmica do uso da terra verificada na bacia do Córrego do Cavalheiro no período. De acordo com Pinton (2009), houve uma diminuição de 5,3% da área coberta por matas (18,4% para 13,1%) e o surgimento de uma ocupação de 10,2% de cana-de-açúcar. O uso de maquinário no plantio de cana-de-açúcar tende a obliterar os sulcos erosivos, porém esses passam a ser estabelecidos nos canais coletores que compõem os terraços agrícolas, caracterizados pela concentração do escoamento superficial. É importante salientar ainda que a introdução da cana-de-açúcar pode justificar a mencionada diminuição na extensão das rupturas topográficas, já que este cultivo é comumente realizado por meio do plantio em curvas de nível, cuja técnica conservacionista de caráter mecânico possibilita a descaracterização e, muitas vezes, a eliminação desta feição geomorfológica. Assim, a evidente modificação na carga de sedimentos dos canais indica a influência do desmatamento e da referida atividade agrícola no desequilíbrio de um sistema fluvial.

Figura 1 - Mudanças na morfologia dos canais fluviais

Sub-bacia hidrográfica do Córrego do Cavalheiro – Analândia (SP): ênfase no trecho a jusante de antigas feições deposicionais.

Conclusões

A avaliação dos dados advindos da cartografia geomorfológica retrospectiva permitiu a identificação das mudanças morfológicas do relevo relacionado à dinâmica fluvial num período de 21 anos. A mensuração realizada do comprimento dos tipos de vales mostrou o elevado potencial destas formas como indicador das alterações no perfil transversal dos cursos d’água, mas restrito à identificação de particularidades acerca da dinâmica erosiva-deposicional em sub-bacias hidrográficas de pequena extensão areal. O uso desses em sistemas de maior dimensão pode configurar generalizações sobre a dinâmica morfogenética. Por fim, evidencia-se a contribuição aos estudos na área de Antropogeomorfologia, já que as intervenções antrópicas na forma de mudanças do uso da terra configuraram-se como variável responsável pela modificação na carga de sedimentos dos cursos d’água e possível comprometimento do sistema fluvial.

Agradecimentos

Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP – Processo nº. 2012/20513-0.

Referências

CHRISTOFOLETTI, A. Análise de sistemas em Geografia. São Paulo: Hucitec, 1979.

NIR, D. Man, a geomorphological agent: an introduction to anthropic geomorphology. Jerusalém: Ktern Pub. House, 1983.

PINTON, L. de G.; CUNHA, C. M. L. da. Implicações geomorfológicas da dinâmica do uso da terra da bacia do Córrego do Cavalheiro – Analândia/SP – Brasil. In: ENCUENTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, 12., 2009, Montevidéu, Uruguai. Anais… Montevidéu: Universidad de la República, 2009. Disponível em: <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Procesosambientales/Geomorfologia/09.pdf>. Acesso em 6 mar. 2014.

RODRIGUES, C. Morfologia original e morfologia antropogênica na definição de unidades espaciais de planejamento urbano: exemplo na metrópole paulista. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 17, p. 101 – 111, 2005.

SHUMM, S. A. River variability and complexity. New York: Cambridge, 2005.

TRICART, J. Principes et méthodes de la géomorphologie. Paris: Masson, 1965.

VERSTAPPEN, H. T.; ZUIDAN, R. A. van. ITC System of geomorphological survey: manual ITC textbook. Enschede, Netherlands, 1975.


APOIO
CAPES UEA UA UFRR GFA UGB