EFEITOS NA MORFOLOGIA FLUVIAL PROVOCADOS PELO BARRAMENTO DA UHE SANTO ANTÔNIO NO RIO MADEIRA

Autores

Coelho, A.L.N. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO/UFES) ; Cunha, S.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – PPG - CNPQ) ; Souza, C.A. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO – UNEMAT)

Resumo

O presente artigo, que faz parte de um projeto maior, tem como objetivo avaliar os efeitos nas geoformas fluviais provocados pela construção do barramento da UHE Santo Antônio no rio Madeira com uso de geotecnologias e imagens de satélites temporais. Os resultados evidenciaram mudanças no índice de sinuosidade do rio, ampliação da largura do canal e do espelho d`água tanto a montante como jusante da barragem a partir do traçado de perfis longitudinais, transversais e traçado das margens.

Palavras chaves

Geomorfologia da Amazônia; Análise Geográfica; Geotecnologias

Introdução

Em uma bacia hidrográfica, as características de tipologia de leito, tipologia dos canais, tipologia de padrões de drenagens, analisadas em conjunto, promovem uma dinâmica peculiar das águas correntes que, associada a uma geometria e hidráulica, favorece o transporte da carga sedimentar nas suas mais variadas formas (suspensão, saltação e rolamento), de acordo com a granulação das partículas (tamanho e forma) e das características da própria corrente, culminando em processos específicos de erosão, transporte e deposição ao longo do canal principal, elaborando uma forma de relevo fluvial em função destas características (BIGARELLA, 2003; CUNHA, 2005; CHRISTOFOLETTI, 1981 e 1980). Quando ocorre uma intervenção de grande intensidade, como é o caso das construções de barragens em um corredor fluvial, há o rompimento do equilíbrio longitudinal do rio, alterando seu sistema lótico (correntezas) passando a ser um sistema com características lênticas (ou de águas semi paradas) no reservatório mesmo que operando no modelo “fio d’água”. Esse tipo de interferência gera uma série de efeitos em cadeia que, dependendo da magnitude e área de abrangência, pode ser irreparável (CUNHA, 2012, 2007 e 2005; COELHO, 2008; BRANDT, 2000). Nesse contexto, o presente artigo teve como objetivo avaliar os efeitos nas geoformas fluviais provocados pela construção da Usina Hidrelétrica - UHE Santo Antônio no rio Madeira com base em imagens temporais pré e pós barramento, tomando como base, a variação do espelho d’água a montante e a jusante da UHE. Como objetivos específicos, o estudo pretendeu verificar a viabilidade/eficiência da aplicação de imagens de satélites da série Landsat-5 e 8 em ambientes fluviais; difundir o uso e aplicação das geotecnologias referentes aos produtos de Sensoriamento Remoto integrado com os Sistemas de Informações Geográficas no auxílio das pesquisas geomorfológicas.

Material e métodos

Para que os objetivos propostos nesse estudo fossem alcançados, o mesmo foi dividido em duas principais etapas, partindo da aquisição de referencial bibliográfico como: livros, artigos, dados, relatórios técnicos e pesquisa da série histórica de vazões (ANA, 2014). A segunda etapa iniciou-se com a aquisição dos Planos de Informações: limite estadual, limite municipal, corpo d`água (IBGE, 2014); imagens orbitais gratuitas, ortorretificadas padrão de Nível 1, dos satélites Landsat-8 OLI bandas 4-5-6 e 8 e Landsat-5 TM, bandas 3-4 e 5 orbita: 232, ponto: 66, horário central 9:40 horas com datas de passagens em 30/09/2008 (pré barragem), 27/08/2013 (pós barragem) e 08/04/2014 (inundação) junto ao Serviço Geológico Americano (USGS, 2014). Os mapeamentos e processamento de todos os dados vetoriais e matriciais foram realizados no SIG ArcGIS 10.2.2, iniciando com a adição dos Planos de Informações que foram ajustados, quando necessário, no sistema de projeção UTM, Datum SIRGAS-2000, Zona 20 sul. A organização dos dados raster iniciou-se com o processo de composição das imagens seguido da técnica de fusão de imagem Pan Sharpening da banda 8. O próximo passo foi à realização da análise e interpretação das imagens, conforme proposta de Jensen (2009) e a digitalização dos alvos de interesse (espelho d'água e traçado das margens) empregando a técnica de edição vetorial do SIG que foi posteriormente validada com dados das coordenadas de GPS e registro fotográfico em campo. Na sequência foi vetorizado o barramento da UHE seguido do traçado dos perfis longitudinais oito quilômetros e cem metros a montante e a jusante da barragem, com base na imagem de 2008. Após esse procedimento foram traçados oito perfis transversais com equidistâncias de dois quilômetros cada, a partir, da barragem com base nas imagens de 2008, 2013 e 2014 com o propósito de avaliar e quantificar as alterações nas geoformas fluviais.

Resultado e discussão

A bacia hidrográfica do rio Madeira possui uma área total de aproximadamente 1,35 milhões de km², representando 23% da bacia Amazônica. Em território brasileiro, ocupa uma área de 548.960 km², constituída no médio curso por platôs com declividade acentuada que cortam transversalmente os principais tributários do corredor fluvial do rio Madeira em terrenos antigos do cráton do Amazonas, características que se adéquam às condições para a construção de usinas hidrelétricas, a exemplo, do trecho de cerca de 300 km, entre Abunã e Porto Velho onde foi construída a UHE Santo Antônio, próxima a capital de Rondônia (ANA, 2013). Uma característica peculiar da bacia do rio Madeira são seus afluentes que apresentam reduzidas descargas hídricas, constituindo apenas 25% do total do volume de água, com o restante (75%) relacionado diretamente com a atuação climática da região Andina boliviana. O regime hídrico de cheia ocorre de fevereiro a abril com as máximas em março e abril e vazante de julho a setembro, com as mínimas mais frequentes, em setembro (ANA, op. cit.). Em Porto Velho, a estação 15400000 monitorada pelo CPRN, localizada sete quilômetros a jusante do barramento da UHE Santo Antônio, registrou no período histórico de 1967 a 2012 uma vazão média do rio Madeira de 18.719 m³/s. Os valores de cheias médias apresentam-se em torno de 48.000 m³/s e as máximas diárias superiores a 60.000 m³/s como a ocorrida em 07/04/2014 (CPRM, 2014 e ANA, 2014). As temperaturas registradas pela estação do INMET de Porto Velho e região são típicas de clima tropical, com médias anuais variando de 26,2 ºC no mês mais quente (setembro) e 24,6 ºC no mês mais frio (julho) com amplitude das médias mensais inferior 2 °C. A umidade do ar é elevada (cerca de 80%) em praticamente o ano todo com precipitação média anual superior a 2.000 milímetros de 156 dias de chuva por ano, em média (INEMET, 2014 e ANA, 2013). As obras da UHE Santo Antônio iniciaram em 2008, com o enchimento do reservatório em setembro de 2011 e a produção de energia em 29 de março de 2012 (Figura 1). Quando concluída, em 2015, a usina operará com 44 turbinas do tipo “Bulbo” gerando uma potência instalada mínima de 3.150,4 MW no modelo “a fio d’água” (Empresas e Negócios, 2013). A Figura 2 apresenta a imagem do canal principal do rio Madeira na UHE Santo Antônio e adjacências em 08/04/2014 com destaque para o espelho d`água (tons de cinza escuro a preto), possibilitando também, comparar as mudanças na posição das margens em 2008 antes da construção do barramento (linha branca), em 2013 após a construção (em laranja) e, em 2014 durante a inundação com o traçado das margens em azul, podendo constatar a diminuição do índice de sinuosidade do corredor fluvial. Os traçados das margens evidenciam, em 2013, alterações a jusante do barramento com base nos perfis transversais e valores da tabela da Figura 2 (PJ1, PJ2, PJ3 e PJ4), sobretudo, às localizadas a margem direita na área urbana da cidade de Porto Velho, setor do canal principal que se configura numa margem côncava, atualmente coberta com rochas, de forma a conter o processo erosivo iniciado após a construção do barramento (foto da Figura 2). A montante da barragem verificou-se um aumento “esperado” da largura do canal conforme mostram os valores dos perfis transversais da tabela da Figura 2 (PM1, PM2, PM3 e PM4) em 2013. Em relação à área coberta do espelho d`água, no setor do canal principal, 8,1 km a montante e 8,1 km a jusante da barragem, houve um crescimento de 9,17 km² entre 2008 e 2013, sobretudo, a montante, afogando os vales adjacentes, notadamente, os situados na margem esquerda (Figura 2). Em 2014 a imagem revela o impacto da inundação (em tons de cinza escuro a preto) com acréscimo de 2,17 km² do espelho d´água se comparado o ano de 2013, cobrindo os bancos arenosos na margem convexa esquerda a jusante do barramento em frente ao cais flutuante na cidade de Porto Velho.

Figura 1

Imagens temporais de satélites do rio Madeira antes e após a construção da UHE de Santo Antônio.

Figura 2

Avaliação dos perfis, áreas e sinuosidade do trecho do rio Madeira da UHE Santo Antônio

Conclusões

O uso das geotecnologias e campanhas de campo permitiram identificar e quantificar mudanças nas geoformas fluviais provocadas pelo barramento da UHE como a redução do índice de sinuosidade do rio, mudança do fluxo das águas correntes após o barramento desencadeando processos erosivos da margem direita. Foi possível também identificar, através da imagem de 08/04/2014, a área inundada neste setor do rio. Ressalta-se que outros efeitos devem ser analisados conjuntamente, como por exemplo, as alterações nas características das águas; perda de parte da fauna terrestre; desequilíbrio na cadeia alimentar, além de fatores sócio-econômicos e culturais. Por fim, a metodologia utilizada possibilita a aplicação em outros corredores fluviais antropizados constituindo-se numa importante informação no diagnóstico e ordenamento mais adequado desses ambientes.

Agradecimentos

Referências

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