ASSIMETRIA EM BACIAS DE DRENAGEM NO SUDESTE DE MINAS GERAIS: VARIABILIDADE ESPACIAL DE CONDICIONANTES GEOTECTÔNICOS

Autores

Henriques, R.J. (IGC/UFMG) ; Marent, B.R. (IGC/UFMG) ; Valadão, R.C. (IGC/UFMG)

Resumo

Através da averiguação de assimetrias em bacias de drenagem por meio do índice geomórfico FABD, este estudo reconhece, caracteriza e espacializa as principais condições anômalas e evidencia diferentes formas de manifestações morfotectônicas responsáveis por derivar variados modelados de relevo. A área investigada abrange uma extensa porção que compreende divisores hidrográficos entre bacias do São Francisco, Doce, Paraná e Paraíba do Sul, em Minas Gerais.

Palavras chaves

Índice geomórfico FABD; Morfotectônica; Formas de relevo

Introdução

A área investigada neste trabalho abrange parte dos divisores hidrográficos entre as bacias dos rios São Francisco, Doce, Paraíba do Sul e Paraná, no estado de Minas Geras. Está inserida em um mosaico complexo de unidades de relevo que, segundo classificação do IBGE (2006), contém trechos dos planaltos Centro-Sul Mineiro, Alto Rio Grande, Quadrilátero Ferrífero, Campos das Vertentes e Mantiqueira/Caparaó, bem como da depressão do Rio Paraíba do Sul. Seu arcabouço morfoestrutural deriva de uma evolução geológica policíclica, que envolveu superposições orogênicas pré-cambrianas e reativações tectonomagmáticas fanerozoicas (MOREIRA & CAMELIER, 1977 apud SANTOS, 1986). De acordo com Cherem (2012), esses divisores se organizam em degraus escalonados delimitados por proeminentes feições escarpadas. Na área investigada a bacia do Paraíba do Sul ocupa posição altimétrica mais baixa, ao passo que as bacias do São Francisco e do Paraná ocupam o degrau mais elevado; a do Doce ocupa posição intermediária. Esse escalonamento tem sua origem associada ao lento soerguimento crustal do Brasil Oriental (THOMAS & SUMMERFIELD, 1986; RICCOMINI et al., 2004; ZALÁN & OLIVEIRA, 2005), que resultou na reativação de estruturas herdadas do pré- cambriano durante o evento Sul-Atlantiano (SHOBBENHAUS & CAMPOS, 1984; HASUI, 1990; SAADI, 1993). Essa reativação impôs à região forte controle tectonoestrutural (REZENDE, 2013), que por vezes se expressa na organização da rede de drenagem mediante manifestações litoestruturais e neotectônicas. É nesse contexto que se insere este trabalho, cujo objetivo está voltado para a identificação de possíveis condicionantes tectônicos ativos ou passivos, revelados segundo anomalia de cursos fluviais em suas respectivas bacias de drenagem, por meio do emprego do Fator de Assimetria de Bacia de Drenagem (FABD), de acordo com proposta de HARE & GARDNER (1985).

Material e métodos

Definida a área de estudo, foram cartografadas vinte e quatro bacias de drenagem e definidos seus respectivos cursos fluviais de maior extensão por meio do software ArcGis 9.3. Topografia e drenagem foram extraídas da Base GeoMinas (1:50.000). Nessas bacias foi aplicado o Fator de Assimetria de Bacia de Drenagem (FABD) e elaborado mapa de gradiente de assimetria (Figura 01), dado que a área da porção direita da bacia é dividida por sua área total cujo resultado se refere à sua magnitude assimétrica. Sua fórmula é expressa por FABD = 100 x (Ar/At), na qual Ar compreende a área da margem direta da bacia e At sua área total. O resultado quantitativo resultante da aplicação desse fator varia entre 0 e 100, sendo que o valor 50 é indicativo de uma bacia simétrica. Organizou-se tabela contendo variáveis que possam causar anomalias nas bacias, que contempla as seguintes variáveis: registro de sismos no período 1824 – 2007 (CPRM, 2007); arcabouço litológico, na escala 1:1.000.000 (HEINECK et al., 2003); lineamentos estruturais, nas escalas 1:100.000 (VIANA, 1991; RAPOSO, 1991; BRANDALISE & VIANA, 1993; RIBEIRO et al., 2003; NOCE et al., 2003; GRADIM et al., 2011; SANTOS & BALTAZAR, 2013; SILVA & BALTAZAR, 2013 ) e 1:250.000 (SILVA, 1982; FERRARI, 1982; BALTAZAR, 1984; SILVA, 1984); tipologia dos solos, na escala 1:600.000 (FEAM, 2010). As feições morfotectônicas foram identificadas por meio da interpretação de imagens orbitais conjugadas a seções topográficas regionais elaboradas a partir de curvas de níveis equidistantes (30m x 30m). A etapa final constou do mapeamento de agrupamentos que expressam a síntese dos principais condicionantes responsáveis pelas assimetrias de cursos fluviais em suas respectivas bacias de drenagem (Figura 02).

Resultado e discussão

A análise de variáveis endógenas e exógenas em conjunto com resultados obtidos pela aplicação do índice FABD (Figura 1) permitiu o reconhecimento e caracterização de cinco principais agrupamentos, cujas especificidades evidenciam causas da ocorrência de anomalias nas bacias de drenagem investigadas (Figura 02). O Grupo 1 evidencia forte condicionante litológico impresso na organização da drenagem, de modo que essa se instalou preferencialmente em substrato rochoso mais tenro. Abrange as bacias SF4 e DO1, cujo índice expressa maiores resultados assimétricos (SF = 83 e DO1 = 21), marcados registros de descontinuidades em orientação WNW–ESE que delimitam contatos litológicos. Em imagens orbitais essas bacias revelam feições morfotectônicas associadas a essas descontinuidades. Todavia, essas feições não se relacionam diretamente com as anomalias verificadas na drenagem. Esse grupo, revela, em seção altimétrica regional, topografia relativamente suave e aplanada. No Grupo 2 há lineamentos extensos, de expressão regional, que seguem marcada orientação WSW-ENE. Esses lineamentos correspondem, em sua grande maioria, a falhas transcorrentes dextrais, que entrecortam as bacias PR4 e DO2. Atividades sísmicas são comuns ao longo de larga faixa que acompanha essas descontinuidades, o que justifica a complexa trama de feições morfotectônicas nela presente. O índice FABD revela assinatura de assimetrias que se espalham por praticamente todo esse grupo, sendo PR1 e PR4 as bacias cujo índice apresentou resultados menos assimétricos (ambas FABD 41). Os extensos lineamentos delimitam contatos litológicos entre suítes intrusivas, rochas metamórficas e corpos granitoides. Seções topográficas regionais evidenciam declínio geral da superfície para NW nas bacias PR5 e PR4, bem como para SW na bacia PR3. Geomorfologicamente modelado em litotipos do Complexo Piedade, constituído predominantemente por gnaisses bandados, o Grupo 3 apresenta falhas contracionais de orientação SW-NE. Descontinuidades menores promovem anomalias como offsets, deflexões de canais e inflexões de modo mais localizado na drenagem. Em imagens orbitais que recobrem a zonalidade desse grupo se reconhecem feições geomorfológicas geneticamente vinculadas à tectônica ativa, porém o modelado superficial é mais suavizado quando comparado aos demais agrupamentos. No Grupo 4 a drenagem, disposta em orientação SW-NE, se instalou predominantemente ao longo de extensa faixa compreendida por rochas do Complexo Mantiqueira,; nas áreas em que os litotipos pertencem ao Complexo Piedade, essa orientação assume assinatura WNW-ENE. Associado ao primeiro complexo se verificam descontinuidades menores, derivadas de planos de bandamentos litológicos. As bacias pertencentes a esse grupo apresentam assinatura morfotectônica que se configuram como expressivas cristas estruturadas em shutter ridges, dispostas em diferentes degraus altimétricos e de grande extensão longitudinal. Por fim, no quinto agrupamento, os contatos litológicos são marcados por estruturas organizadas sob forma de trama, onde as principais descontinuidades se orientam na direção WSW-ENE, entrecortadas quase que perpendicularmente por lineamentos N-S de menor extensão. A drenagem apresenta semelhanças quanto às suas inflexões em relação ao Grupo 3, o que difere para esse quinto agrupamento são feições morfotectônicas que se apresentam de maneira mais adensada na qual, em certas porções chegam a derivar proeminentes cristas estruturadas em shutter ridges.

FIGURA 01

Assimetria das bacias de drenagem em MG: (A) Mapa do índice FABD; (B) Seções topográficas regionais e indicação de inclinações gerais da superfície.

FIGURA 02

Espacialização de condicionantes tectônicos ativos ou passivos que podem causar disposições anômalas de cursos fluviais em suas respectivas bacias.

Conclusões

Em um contexto geral, a coleção de agrupamentos (1 a 5) revela a organização anômala dos cursos fluviais em suas respectivas bacias de drenagem, em consequência do marcante condicionamento tectônico a que estão submetidos. Apenas em um deles – Grupo 1 – o cenário tectônico se revela pouco expressivo na organização da configuração geomorfológica das bacias que o integram, bem como na espacialidade da rede hidrográfica; a zonalidade desse grupo ocupa posição cratônicas .Para além dessa posição cratônica, localizada na porção noroeste da área investigada, é marcante a assinatura morfotectônica. Nesse contexto, as bacias de drenagem que integram os grupos 2, 3, 4 e 5 contêm feições geomorfológicas marcantes que apontam para a atuação ativa do componente geotectônico (morfotectônica), seja por meio da geração de “novas” descontinuidades litosféricas, ou mesmo pela reativação de paleodescontinuidades, num sistema denominado tectônica ressurgente por HASUI (1990).

Agradecimentos

Referências

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