Aplicação do Índice Declividade x Extensão do Curso (RDE) para Averiguação de Efeitos Deformacionais Neotectônicos na Bacia do Alto Aiuruoca (MG)

Autores

Reis, A.V.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Moura, T.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Neto, R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar os resultados referentes à aplicação do Índice Declividade x Extensão do curso na Bacia do Alto Aiuruoca, tendo sido aplicado ao canal principal e a outros dezesseis afluentes pré-selecionados para os tratamentos morfométricos. Para os canais fluviais em questão foi realizada a extração de perfis longitudinais que contribuíram para detecção de possíveis anomalias vinculadas a esforços tectônicos recentes.

Palavras chaves

Neotectônica; Índice RDE; Rio Aiuruoca

Introdução

As paisagens essencialmente tectônicas são marcadas por grande complexidade evolutiva e dotadas de dinamismo significativamente arguto, com processos morfodinâmicos sobrepondo-se aos efeitos morfotectônicos e aos contextos morfoestruturais preexistentes. No sudeste brasileiro, a tipologia em questão compreende-se no domínio das faixas remobilizadas, representado, principalmente, pelas serras do Mar e da Mantiqueira. Inserida no quadro geomorfológico da Mantiqueira Meridional, a bacia do Alto Aiuruoca (Figura 1), limitada a norte pelo Planalto do Alto Rio Grande, figura como unidade especial adequada para se empreender estudos neotectônicos. A conceituação de neotectônica adotada é aquela indicada pela Comissão de Neotectônica da Associação Internacional de Estudos do Quaternário (INQUA) em 1978, atualmente em vigor, a qual considera os movimentos neotectônicos como “qualquer movimento ou deformação do nível geodésico de referência, seus mecanismos, sua origem geológica, independentemente de sua idade”, suas implicações para vários propósitos práticos e suas futuras extrapolações (SAADI, 1993). Segundo a descrição do Projeto RADAMBRASIL (1983), o relevo da Mantiqueira Meridional se apresenta influenciado por intenso tectonismo, com soerguimento de blocos e falhamentos dispostos no sentido NE-SO. Desenvolve-se sobre rochas proterozóicas granitizadas no Ciclo Brasiliano, assim como intrusões de granitos e intrusivas alcalinas. Vale destacar que para a região da Mantiqueira Meridional, existem trabalhos como Riccomini (1989), Hiruma & Riccomini (1999), Hiruma et al. (2001), Santos (1999), Chiessi (2004), Marques Neto (2012), entre outros que meditam sobre a geomorfologia da região e são de suma importância para os estudos neotectônicos empreendidos no presente trabalho.

Material e métodos

Conforme anunciado, o presente trabalho se pautou fundamentalmente na aplicação do Índice Declividade x Extensão do curso (RDE), proposto por Hack (1973) e bastante difundido por Etchebehere (2000, 2004). A mensuração do RDE é dada pela fórmula: RDE=(ΔH/ΔL).L Onde: ΔH = diferença altimétrica entre dois pontos extremos de um segmento ao longo do curso d’água; ΔL = projeção horizontal da extensão do segmento; L = comprimento total do curso d’água a montante do ponto para o qual o índice está sendo calculado. Os resultados obtidos para os diferentes trechos foram colocados em relação com o RDE total de cada curso d’água, obtido pela fórmula: RDE total= ΔH/logL Considera-se genericamente, em conformidade a Seeber & Gornitz (1983), que os valores compreendidos entre 2 e 10 representam anomalias de 2° ordem, e valores acima de 10 anomalias de 1° ordem. Complementando o Índice de Hack foi empreendida a extração dos perfis longitudinais (Figura 2) dos respectivos cursos d’água, que auxiliaram na visualização e na detecção das possíveis anomalias encontradas no cálculo da RDE. Em conformidade a Etchebehere (2000), foram medidas as extensões superficiais dos vales a cada intervalo altimétrico de 20 metros, tomando como referência os pontos onde os canais fluviais interceptam as curvas de nível das folhas topográficas na escala 1/50000. Os valores mensurados foram plotados em gráfico cartesiano com os intervalos de altitude no eixo das ordenadas e a extensão do vale nas abcissas, onde foram inseridos dados geológicos e estruturais visando estabelecer correlações entre anomalias e interferências dadas por falhas ou zonas de contato. A respeito dos materiais, foram acionadas as seguintes cartas topográficas na escala 1/50000: Agulhas Negras (SF-23-Z-A-I-4), Alagoa (SF-23-Z-A-I-2) e Aiuruoca (SF-23-X-C-IV-4). Os dados geológicos foram obtidos a partir do Mapa Geológico, folha de Pouso Alto do Projeto Sul de Minas, COMIG, 2002 (TROUW, et al.).

Resultado e discussão

A aplicação do Índice RDE foi realizada em 16 afluentes pré-selecionados, além do canal principal. Todos os 17 canais acusaram anomalias de 2ª ordem, porém apenas 6 deles apresentaram anomalias de 1ª ordem. Com o auxílio dos perfis longitudinais (Figura 2), pode-se visualizar de forma mais clara tais anomalias, que se apresentam através de mudanças bruscas no declive do curso, o que fica claro pela própria aproximação das curvas de nível nas cartas topográficas. O aumento da energia do canal tende a repercutir no aumento dos valores, causando o aparecimento das anomalias. Para o Rio Aiuruoca, canal principal da bacia estudada, encontrou-se anomalias de 1ª ordem próximas à zona de contato entre o Planalto do Alto Rio Grande e a Mantiqueira Meridional, nas adjacências da área urbana de Aiuruoca, onde RDE assinalou anomalias com valores bem expressivos (19,1 e 25,6), forte indício de um controle tectônico ativo na região. Outras anomalias de menores valores, porém de expressiva importância, distribuem-se pelo perfil do rio, todas elas de 2ª ordem, sendo a maioria compreendida entre os valores de 5 a 8,6. As anomalias de 1ª ordem coincidem com um trecho onde ocorre a mudança de uma litologia essencialmente de biotita gnaisses e xisto feldspático com intercalações de muscovita xisto e quartzito para metagranitoides indivisos (Figura 1). Além disso, são delineadas pela supressão da planície de inundação que o rio desenvolve a montante. Entre os demais canais, apenas os córregos do Braço da Lapa, dos Nogueiras, do Isidoro e os ribeirões Água Preta e Vargem Grande, denunciaram anomalias de primeira ordem. No córrego do Braço da Lapa encontrou-se 22 anomalias de 2ª ordem e duas de 1ª ordem com valores de 17,7 e 17,8 que correspondem a um trecho de grande encaixamento do canal na estrutura e uma forte ruptura de declive. O córrego dos Nogueiras, cujo perfil está demonstrado na Figura 2, apresentou 16 anomalias de 2ª ordem e duas de 1ª, sendo estas últimas marcadas pelos valores de 10,9 e 12,2, sendo que ambas marcam trechos com rupturas de declive relativamente brandas e entalhamento vertical do canal. Vale destacar ainda que nos trechos entre 1640 e 1600m o córrego sofre um desvio, passando de uma orientação NE-SW para NW-SE que coincide com uma mudança litológica de metagranitoides para leucogranitos e diatexitos associados (Figura 1). No córrego Isidoro também foram anotadas duas anomalias de 1ª ordem com valores de 13,6 e 13,7, respectivamente, sendo que ambas correspondem a uma abrupta ruptura de declive (bem demonstrada no perfil longitudinal) e consequente adaptação do canal ao controle. No caso do ribeirão Água Preta, encontrou-se 4 anomalias de 1ª ordem, com valores de 10,6, 21,3, 21,4 e 12,6. O curso por si só apresenta uma retilineidade que lhe é peculiar e é um dos maiores afluentes do rio Aiuruoca. Em suas anomalias de 1ª ordem é possível visualizar entre as altitudes de 1500 e 1400m uma intensa ruptura no declive e consequente encaixamento do ribeirão à estrutura. Já o ribeirão da Vargem Grande, último afluente a apresentar anomalias de 1ª ordem, deflagrou valores de 13,7 e 13,8 que também corresponderam a quebras no declive do canal. Além disso, pode-se salientar que o mesmo perpassa por dois contatos litológicos: um próximo à altitude de 2060m e outro no trecho de 1780m a 1760m, deflagrando uma anomalia de valor 2,2 correspondente à mudança na orientação do canal que passa do sentido N-S para NE-SW. Em geral, as anomalias de 2ª ordem vinculadas a sistemas de encachoeiramento relacionados a rupturas nos perfis longitudinais dos canais (Figura 2), a adaptações dos cursos d’água por interferência de falhas relacionadas ou não a desvios na orientação das linhas de drenagem, e a contatos litológicos. Ainda que em certos casos tais feições reflitam condicionantes morfoestruturais, boa parte das evidências é de cunho morfotectônico, coadunando assim uma tectônica ativa a disposições estruturais pretéritas.

Figura 1 - Localização da Bacia do Alto Aiuruoca/Geologia



Figura 2 - Perfis Longitudinais

Perfis longitudinais dos Ribeirão da Aberta; Ribeirão da Vargem Grande; Ribeirão Dois Irmãos; Ribeirão dos Campos; Rio Aiuruoca e Ribeirão Água Preta.

Conclusões

Conforme foi averiguado nos resultados, a aplicação do Índice de Hack associada à extração do perfil longitudinal do vale revela que tais técnicas são complementares, verificando-se coincidências entre as anomalias encontradas e as deformações no traçado dos perfis. Além de denotarem fortes indícios de atividade neotectônica, as técnicas em questão subsidiam o trabalho de campo na medida em que as anomalias encontradas sinalizam pontos de interesse para controle. Em geral, as anomalias detectadas estão relacionadas a desníveis altimétricos que formam verdadeiros degraus no perfil longitudinal do canal. Enquanto outras estão relacionadas a trechos em que há alteração na direção do curso, abertura ou supressão de planícies de inundação. Desta forma, considera-se que a bacia em análise encontra-se tectonicamente afetada, haja vista os fortes indicativos fornecidos pela aplicação de RDE se convergem com apreciação feita em campo e com a literatura consultada ao longo do estudo.

Agradecimentos

Referências

CHIESSI, C. M. Tectônica Cenozoica no Maciço Alcalino de Passa Quatro (SP-MG-RJ). 2004. Dissertação (Mestrado em Geologia). Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

ETCHEBEHERE, M. L. C.; Terraços neoquaternários no Vale do Rio do Peixe, Planalto Ocidental Paulista: implicações estratigráficas e tectônicas. Rio Claro, 2000. 264p. Tese (Doutorado em Geociências) - IGCE, UNESP.

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SEEBER, L. GORNITZ, V. River profiles along the Himalayan arc as indicators of active tectonics. Tectonophysics, v. 92, p. 335-367, 1983.

TROUW, R.A.J. et al 2003. Geologia da Folha Pouso Alto 1:100.000. Geologia e recursos minerais do sudeste mineiro. Projeto Sul de Minas - Etapa I (COMIG, UFMG, UFRJ, UERJ), Relatório Final, 1ª ed., Belo Horizonte, Companhia Mineradora de Minas Gerais – COMIG.


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