Índices de gradiente e anomalias morfoestruturais em rios extensos: exemplo dos rios Uraricoera-Branco, RR

Autores

Cremon, (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE) ; Rossetti, D.F. (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE)

Resumo

Este trabalho comparou índices de gradiente aplicados sobre o perfil longitudinal dos rios Uraricoera-Branco, norte da Amazônia. Foi constatado que os índices k, SL e SL/ktotal são correlacionáveis entre si e, para trechos extensos, possuem forte correlação com a declividade. O índice DS é independe dos demais índices e não tem correlação com a declividade. Portanto, este índice é apontado como de maior potencial de aplicação na detecção de anomalias em rios extensos.

Palavras chaves

índices de gradiente; perfil longitudinal; rios Uraricoera-Branco

Introdução

A análise de perfis longitudinais tem tido abordagem frequente em geomorfologia, podendo indicar ajustes do sistema fluvial a mudanças de clima, litologia, tectônica e nível de base. Perfis longitudinais de cursos fluviais em equilíbrio (estado estacionário) a essas variáveis apresentam teoricamente morfologia com decaimento de altimetria sob forma exponencial, ou seja, com declividades maiores à montante e gradativamente menores à jusante (CHRISTOFOLETTI, 1981). Variações dessas condicionantes são detectáveis por anomalias ao longo de um perfil longitudinal. Dentre os índices de gradiente mais amplamente utilizados pode-se destacar o k e SL (HACK, 1973), a combinação SL/ktotal (SEEBER e GORNITZ, 1983) e, mais recentemente, o DS (GOLDRICK e BISHOP, 2007). Esses índices têm sido utilizados em geomorfologia tectônica. Entretanto, faltam estudos visando analisar correlações entre esses índices ao longo do perfil longitudinal, bem como entre anomalias indicadas por eles com as morfoestruturas. Nesse trabalho procedeu-se com a comparação estatística dos resultados de aplicação de índices de gradiente k, SL, SL/ktotal e DS em um rio tropical de grande dimensão a fim de analisar suas aplicabilidades na detecção de anomalias morfoestruturais em perfis longitudinais de grandes extensões.

Material e métodos

A área de estudo incluiu toda a extensão do rio Branco, bem como seu prolongamento à montante até a nascente do rio Uraricoera na Serra Parima, proximidades da fronteira entre os estados de Roraima com a Venezuela, norte da Amazônia. Este último rio conflui com o rio Tacutu ao norte da cidade de Boa Vista (Roraima), para formar o rio Branco, que se estende a 563 km ao sul até desembocar no rio Negro (Fig. 1-b). Os melhores dados altimétricos da área de estudo são os do modelo digital de elevação (MDE) adquiridos pela Shuttle Radar Topography Mission(SRTM). Em áreas de corpos d’água, esses dados altimétricos apresentam vazios, que foram preenchidos baseado nos dados vizinhos das margens. Outra característica é que os dados SRTM apresentam resolução vertical de 1 m. Em áreas de corpos d’água extensos, como no rio Branco, o perfil longitudinal possui geometria escalonada a cada metro. Para contornar essa situação, foi necessário pré-processamento dos dados altimétricos para que o perfil tivesse comportamento suavizado. Este pré-processamento consistiu em selecionar pontos de ruptura de declive com concavidade, ou seja, pontos com “degraus” dados pela resolução vertical do dado. A partir desses pontos, um perfil filtrado foi gerado por meio de interpolação linear. Sobre o perfil filtrado, foram selecionados pontos do perfil longitudinal a cada 250 m de distância, os quais serviram para a aplicação dos índices de gradiente k, SL, SL/ktotal e DS. Esses índices foram calculados para o toda a extensão dos rios Uraricoera-Branco e analisados por matriz de correlação incluindo variáveis de altitude e declividade para toda a extensão do sistema fluvial e para os trechos de cada rio. Adicionalmente, para o trecho do rio Branco, as anomalias foram espacializadas por densidade kernel em ambiente SIG para relacionar com características morfoestruturais observadas em fotografias e produtos de sensoriamento remoto, como imagens Landsat, PALSAR e MDE-SRTM.

Resultado e discussão

Os índices k, SL e SL/ktotal apresentaram R² igual a 1 entre si, ou seja, estatisticamente possuem o mesmo significado, estando implícitos apenas de uma particularidade de normalização para cada um. Quando comparados somente com a declividade (S), esses índices apresentam baixa correlação no trecho correspondente ao conjunto dos rios Uraricoera/Branco e apenas o rio Uraricoera (R² de 0,15 e 0,14, respectivamente). Entretanto, para o trecho à jusante, abrangendo toda a extensão do rio Branco, a correlação aumenta para um R² de 0,93 com a declividade. Por sua vez, a análise do índice DS apresentou-se bastante independente em relação à declividade e aos outros índices de gradiente. Para toda a extensão do sistema Uraricoera/Branco, para o trecho Uraricoera e apenas para o trecho do rio Branco, os valores de R² foram de 0,37, 0,60 e 0,04, respectivamente, em relação aos outros índices de gradiente. Para os respectivos trechos, também não houve correlação alta com a declividade. A maior correlação do índice DS ocorreu apenas quando comparado com os valores de altitude para o trecho do rio Branco (R²=0,81). Ainda assim, essa correlação foi baixa quando analisada a mesma variável no trecho Uraricoera/Branco e Uraricoera (R² de 0,57 e 0,21, respectivamente), conforme pode ser observado na figura 1. A formulação do índice DS tem suas bases conceituais também baseadas nos índices propostos por Hack (1973), Porém este apresenta uma penalização em sua formulação de montante para jusante (c.f. GOLDRICK e BISHOP, 2007) que o torna um índice independente dos demais índices e pode refletir melhor anomalias morfoestruturais. Na figura 2 são plotados os perfis SL e DS, onde é possível observar graficamente suas diferenças. Baseado nas análises de correlação obtidas, é possível afirmar que o índice DS é mais apropriado para aplicar em rios extensos, como é o caso do rio Branco. Na figura 2, as áreas de anomalias dos índices SL e DS são indicadas por elipses vermelhas (a-d) e as respectivas anomalias morfoestruturais por: e) fotografia das corredeiras Bem-Querer; f) imagem PALSAR (HH, HV, HH), com contorno vermelho hachurado indicando áreas de terraços aluviais (T) e só o contorno vermelho da planície aluvial (P); g) imagem Landsat Geocover com setas amarelas indicativas de falhas transcorrentes em área anômala do perfil; h) MDE-SRTM com esquema de paleta de cores, onde a linha preta indica áreas de terraços aluviais (T) e da planície aluvial (P). Estas quatro anomalias principais para o trecho que abrange o rio Branco (figura 2-a, b, c, d), tem relação direta com anomalias sugeridas pela análise morfoestrutural (figura 2-e, f, g, h). Por exemplo, a anomalia (a) da figura 2 indica uma zona de corredeiras (knick zone) do rio Branco (Figura 2-e), conhecida como corredeiras Bem-Querer. Essa área possui forte influência litológica sobre o perfil longitudinal, onde aflora o embasamento cristalino pré-cambriano do Escudo das Guianas no leito do rio. Uma série de estruturas tectônicas antigas e erosão diferencial proporcionaram a formação dessas corredeiras, que tem, portanto, correlação com as anomalias mais pronunciadas do rio Branco indicadas no perfil longitudinal. As anomalias (b) e (d) possuem como característica comum terraços localizados em apenas uma das margens do rio Branco (Figura 2-f, h). A formação de terraços com distribuição assimétrica em outras áreas da planície Amazônica tem sido relacionada a causa tectônica (p.e. BEZERRA, 2003; ROSSETTI et al., 2014). Já em relação à anomalia (c) do perfil longitudinal, é possível observar que dois tributários paralelos ao rio Branco possuem anomalias de drenagem que indicam falhas transcorrentes (g). Essas falhas, indicadas pelas setas em amarelo na Figura 2-g, podem estar causando uma força de compressão por onde passa o rio Branco, onde é realçada uma zona anômala do perfil longitudinal.

Figura 1

Figura 1. Mapa de localização e matrizes de correlação para: c) o conjunto Uraricoera/Branco; d) trecho do rio Uraricoera; e e) rio Branco.

Figura 2

Resultados dos índices de gradiente DS e SL aplicado ao perfil longitudinal do rio Branco e respectivas anomalias morfoestruturais.

Conclusões

Foi possível constatar que índices SL, k e SL/ktotal são correlacionáveis entre si, sendo a escolha de um ou outro apenas um critério de normalização. Entretanto destaca-se que para rios extensos, esses índices são fortemente correlacionáveis com a declividade, podendo não ser um bom indicativo de transição de estado estacionário no perfil longitudinal. Por sua vez, o índice DS apresentou maior independência da declividade em trechos extensos. Isto leva a sugerir que este índice pode ser mais robusto no realce de anomalias em perfis longitudinais, principalmente em rios extensos como no caso do rio Branco As anomalias indicadas pelos índices analisados mostraram correspondência com feições morfoestruturais atribuídas a estruturas tectônicas. Em áreas de grandes dimensões, de acesso difícil e com carência de afloramentos, como na região amazônica, esse tipo de abordagem se constitui em ferramenta auxiliar na identificação de áreas sob influência tectônica.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro concedido pela FAPESP (Proc. #2010/09484-2 e #13/50475-5).

Referências

BEZERRA, P. E. L. Compartimentação morfotectônica do interflúvio Solimões-Negro. 2003. 335 p. Tese (Doutorado em Geologia e Geoquímica) - Universidade Federal do Pará, Centro de Geociências, Curso de Pós Graduação em Geologia e Geoquímica, Belém:UFPA, 2003.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blucher, 1980.
ETCHEBEHERE, M. L. C.; SAAD, A. R. ; PERINOTTO, J. A. J. ; FULFARO, V. J. . Aplicação do Índice "Relação Declividade-Extensão - RDE" na Bacia do Rio do Peixe (SP) para detecção de deformações neotectônicas. Revista do Instituto de Geociências - USP - Série Científica, São Paulo, v. 4, n.2, p. 43-56, 2004.
GOLDRICK, G.; BISHOP, P. Regional analysis of bedrock stream long profiles: evaluation of Hack's SL form, and formulation and assessment of an alternative the DS form. Earth Surface Processes and Landforms, v. 32, n. 5, p. 649-671, 2007.
HACK, J., Stream profile analysis and stream gradient index. Journal of Geological Survey Research, v. 1, p. 421–429, 1973.
KELLER, E.A.; PINTER, N. Active tectonics: Earthquakes, uplift and landscape: Upper Saddle River, NJ, Prentice Hall, 362 p., 2002.
ROSSETTI, D. F.; COHEN, M. C. L.; BERTANI, T. C.; HAYAKAWA, E. H.; PAZ, J. D. S.; CASTRO, D. F.; FRIAES, Y. Late Quaternary fluvial terrace evolution in the main southern Amazonian tributary. Catena, v. 116, p. 19–37, 2014.


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