Caracterização Geomorfológica da Serra de Baturité - Ceará.

Autores

Freire, L.M. (UFPA) ; Lima, J.S. (UECE)

Resumo

O presente estudo traz uma descrição dos aspectos geomorfológicos da Serra de Baturité/CE, como resultado direto dos processos endógenos e exógenos, registrados ao longo do tempo geológico. Assim, tais processos evidenciam as formas de relevo e, por sua vez, a formação dos solos e da cobertura vegetal em busca do equilíbrio ecológico. A metodologia adotada foi baseada na análise e interpretação da paisagem por meio da abordagem sistêmica.

Palavras chaves

Serra de Baturité; Geomorfologia; Geossistema

Introdução

A paisagem brasileira apresenta, em toda sua extensão territorial, uma grande e diversificada configuração geoambiental. Para que haja o estudo da paisagem, são demarcadas regiões geoecológicas que compreendem uma espécie de área dimensional extensa e relativamente homogênea. Dessa forma, como maneira de classificação, foram designados domínios de natureza, identificados, principalmente, pela constância da vegetação. Sabe-se, contudo, que no interior desses grandes domínios modelam-se pequenos quadros de paisagens diferenciadas. São contrastes de paisagens e de biodiversidade, de natureza própria, representados pelos ‘enclaves’. Denominam-se, assim, como paisagens de exceção (AB’SABER, 2002; FREIRE, 2006, 2007). Como a própria denominação sugere, são paisagens inusitadas que, no aspecto visual e funcional, se diferenciam em relação ao seu entorno, aos cenários comuns encontrados. A excepcionalidade dessas paisagens resulta de uma dinâmica peculiar, oriunda de fatores naturais ao longo do tempo geológico. Em muitos casos, são formadas de resquícios de paisagens, funcionando no presente como importantes subsídios para o entendimento da formação de ambientes em diversos níveis de escala de tempo e de espaço. A Serra de Baturité, localizada no Estado do Ceará, é um maciço residual definido como paisagem de exceção. A maior parte da serra apresenta extensa e densa mata úmida, que faz da região um enclave úmido no meio dos sertões cearenses, apreciado pela beleza cênica. As características geoambientais inter-relacionadas resultam num revelo representativo, que chega a ultrapassar 800-900 metros de altitude, funcionando como barreira aos ventos oriundos do Atlântico, ali se estabelecendo um clima diferenciado. A umidade condiciona a formação de solos mais espessos e a predominância de dessa vegetação, com padrões fisionômicos de floresta úmida. Eis, pois, a representação dessa paisagem singular, em contraste com os sertões circundantes do semiárido nordestino.

Material e métodos

A pesquisa desenvolve-se a partir de estudo integrativo da natureza, com base na concepção geossistêmica (BERTRAND, 1972; SOTCHAVA,1977; TRICART, 1977; CHRISTOFOLLETTI,1979; MONTEIRO, 2000; SOUZA 2000). Considerado indispensável aos estudos na Geografia Física, o Geossistema resulta-se de uma integração dinâmica entre seus componentes, os quais são o potencial ecológico, a exploração biológica e a ação antrópica. Tornar-se, contudo, como categoria de análise o estudo da paisagem (BERTRAND, 1972; RODRIGUEZ, 2004). Sua importância assume a função de estabelecer padrões espaciais adotando determinados graus de homogeneidade. Segundo Bertrand (1972) “a paisagem encerra o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem dessa paisagem um conjunto único e indissociável em perpétua evolução”. Para realização da pesquisa, desenvolveram-se etapas fundamentais. Inicialmente, realizou-se a análise e estudo de referencial teórico, dos quais citam-se: levantamento geológico-geomorfológico da área da Serra de Baturité; e levantamento e análise de material cartográfico, bibliográfico e documental produzido até então por Instituições Oficiais (RADAMBRASIL/DNPM, 1981; SEMACE, 1992; CPRM, 2000; IBAMA, 2002; PENTEADO, 1981; CAMPOS, 2000; SOUZA, 1992, 1998, 2000, 2005; CAVALCANTE, 2005). Na pesquisa de campo o ambiente foi analisado na sua integralidade e documentado através de fotografias e marcação de ponto por GPS. Nesse sentido, realizam-se visitas de campo de forma periódica, levando-se em consideração o período climático e evidências de mudanças ambientais (impactos) dentro de determinado espaço de tempo.

Resultado e discussão

O Estado do Ceará é, na sua maior parte, constituído de rochas de embasamento cristalino, bordejado pelas rochas sedimentares. Situada na região norte do Ceará (Figura 01), de acordo com o RADAMBRASIL (1981) a Serra de Baturité é formada por rochas do Complexo Nordestino, no Pré-Cambriano Inferior e Médio, na Faixa de Dobramento Jaguaribana (BRITO NEVES, 1975 apud IBAMA, 2002). A Serra está inserida no Domínio dos Escudos e Maciços Antigos, como rochas datadas do Pré-Cambriano. “Suas características geomorfológicas estão subordinadas às influências litológicas e estruturais pretéritas, aos mecanismos de flutuações climáticas Cenozóicas e aos processos morfodinâmicos atuais.” (SOUZA, 1992, p.19). A sua paisagem modelou-se, principalmente, no Quaternário, período caracterizado pela acentuada instabilidade climática, de notórias oscilações climáticas. Embora a geologia tenha como unidade litoestratigráfica quase totalmente estruturada em rochas do embasamento cristalino, há ocorrência de pequenas coberturas sedimentares quaternárias, resultantes dos depósitos aluviais, oriundas das vertentes íngremes, concentradas no fundo de vales. Na compreensão de Souza (1992, p.18), as condições litológicas apresentam grande variedade, vinculadas ao metamorfismo regional, com a predominância de migmatitos, gnaisses, gnaisses migmatizados e granitóides quartzíticos, calcários cristalinos e rochas calcossilicatadas. Assim, apresenta relevo fortemente dissecado, onde as falhas apresentam-se na direção Nordeste-Sudoeste (NE-SW), justificando, pois, as principais direções estruturais, pelas cristas, lombadas, rede fluvial e zonas de cisalhamento, além de eventuais dobramentos e fraturamentos. A predominância de rochas cristalinas faz com que apresentem propriedades geomorfológicas específicas, as quais resultam no modelado dos maciços residuais. A impermeabilidade das rochas permite a esculturação do relevo em formas dissecadas, impedido a infiltração d’água proveniente da chuva e condicionando um escoamento superficial, onde as rochas, menos coesas e mais heterogêneas, vão sendo desagregadas. (PENTEADO, 1981, p.25). Assim, a rede de drenagem é altamente ramificada, com padrão dendrítico. A análise de campo constatou que são constantes as feições de dissecação em cristas, colinas, lombadas, vales e planícies alveolares (Figura 02), registrando em GPS pontos de altitudes médias que variam de 600 a 800m (excepcionalmente, ultrapassando a cota dos 1.000m). O platô úmido da serra concentra a maior parte dos processos e formas erosivas, os quais são acelerados pela evidência de instalação das áreas urbanas da região. As feições morfológicas em cristas são formas aguçadas, com vertentes retilíneas e alongadas, com classe de declive superior a 45%, o que condiciona o aparecimento de escarpas e vertentes rochosas expostas. As colinas são configuradas por apresentarem vertentes mais curtas e topos de formas convexas mais suaves do que as das cristas. As lombadas são bem semelhantes às colinas, no entanto se alongam no sentido paralelo ao fundo dos vales, configurados pela capacidade de dissecação da drenagem superficial, localizados entre as vertentes em forma de “V”. As planícies alveolares são áreas planas (até 2% de declividade) que se encontram ao fundo da junção de vertentes, resultantes de materiais provenientes da erosão, originados por depósitos colúvio-aluviais. Bem como observado em campo, são consideradas áreas propícias para a agricultura por não ocasionarem a aceleração da erosão, ao contrário do que foi observado em áreas de declive, como nas vertentes. Resultantes de influências das condições paleoclimáticas, há superfícies mais aplainadas, correspondentes a níveis suspensos de pediplanação, originados pela morfogênese mecânica, em períodos de climas secos. Nos períodos de climas úmidos, predominantes no presente, a erosão acontece por meio de processos de dissecação das formas do relevo por morfogênese química. (IBAMA, 2002, p.30).

Figura 01

Mapa de Localização da Serra de Baturité, CE.

Figura 02

Feições dissecadas em cristas, colinas e lombadas da Serra de Baturité. Foto: Luciana Freire, 2014

Conclusões

A análise de campo realizada para a pesquisa confirma a representatividade do relevo da Serra de Baturité no semiárido nordestino. Seu relevo condiciona maior concentração de precipitações, procriando o desenvolvimento de solos mais profundos, a fixação da floresta úmida e a drenagem densa. A presença da floresta perenifólia, protegendo os solos contra os efeitos da erosão (principalmente relacionados ao transporte e à deposição de detritos), mantém a umidade dos solos, promovendo a decomposição de materiais orgânicos. Assim, facilita a infiltração, mantendo vivas as nascentes fluviais e aumentando a vazão nos leitos fluviais. Vale ressaltar que o escoamento superficial atua diretamente nas ações erosivas referentes à dissecação do relevo. A ação fluvial intensa é responsável pela capacidade de entalhe, conduzindo à elaboração do relevo acidentado. Justifica-se ai a função ecodinâmica da paisagem, através do entendimento da relação geossistêmica dos componentes da paisagem.

Agradecimentos

Ao meu esposo, Joselito Santiago de Lima, pelo companheirismo e estímulo à pesquisa, bem como sua participação fundamental na construção do artigo e nos trabalhos de campo. Ao meu orientador de mestrado Prof. Dr. Marcos José Nogueira de Souza, a quem devoto sincera admiração, pelo apoio e profissionalismo com que me orientou. Ao Prof. Dr. Flávio Rodrigues do Nascimento, pelas colaborações fundamentais, incluindo as conversas, opiniões, prestatividade e, principalmente, a amizade.

Referências

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