NEOTECTÔNICA NA BACIA DO ALTO RIO GRANDE: APLICAÇÕES EM SUA PORÇÃO MANTIQUEIRENSE

Autores

Moura, T.C. (UFJF) ; Neto, R.M. (UFJF) ; Reis, A.V.P. (UFJF)

Resumo

O trabalho tem por objetivo levar a efeito investigações acerca do quadro neotectônico vigente na bacia do alto Rio Grande em sua porção contida na Serra da Mantiqueira, sul de Minas Gerais. A discussão se pautou nos resultados obtidos por interpretações cartográficas, trabalhos de campo e mensuração dos seguintes índices geomórficos: Fator Assimetria de Bacias de Drenagem, Fator de Simetria Topográfica Transversal, Relação Declividade X Extensão do Curso, perfil longitudinal principais canais.

Palavras chaves

Bacia do Rio Grande; Neotectônica; Serra da Mantiqueira

Introdução

O presente trabalho está espacialmente pautado na bacia do Alto Rio Grande em sua porção contida na Mantiqueira Meridional (RADAMBRASIL, 1983), englobando as altas cristas e patamares escalonados até as proximidades da área urbana de Liberdade (MG). Figurando como um dos rios mais importantes da região, o Rio Grande foi selecionado para a aplicação de técnicas voltadas para a detecção de evidências de esforços diastróficos recentes, o que é compatível com as características de relevo tectônico da Serra da Mantiqueira, com soerguimento de blocos e falhamentos predominantemente no sentido NE-SW de grande expressão no relevo pelos alinhamentos contínuos que se formatam, orientação esta que o próprio alto Rio Grande se adapta. Objetivando averiguar aspectos inerentes a uma tectônica ativa na evolução do relevo, aplicou-se o Índice de Hack (1973), traduzido como Relação Declividade X Extensão do Curso (RDE) (ETCHEBEHERE, 2000), interpretado associadamente aos perfis longitudinais extraídos para o Rio Grande e de seus mais significativos afluentes, a saber: ribeirões Piedade, Congonhal e Paiol, mais os córregos dos Pinheiros, Lavrinha, Boa Vista, dos Paranhos e da Mitra. Para a porção mantiqueirense da bacia do alto Rio Grande também foi aplicado o Fator de Simetria Topográfica Transversal (T) (COX, 1994) e o Fator de Assimetria de Bacias de Drenagem (FABD) (HARE e GARDNER, 1985), sendo os dois fatores complementares na averiguação das condições de simetria ou assimetria em bacias hidrográficas. Os resultados apresentados no presente paper somam-se aos de outros estudos realizados na porção meridional de Minas Gerais (SAADI, 1991), (RICCOMINI, 1989), (MIOTO, 1990), (SANTOS, 1999), (HIRUMA & RICCOMINI, 1999), (GONTIJO, 1999), (FERREIRA, 2001), (CHIESSI, 2004), (MORALES, 2005), (MARQUES NETO, 2012), (MARQUES NETO e PEREZ FILHO, 2013), entre outros, contribuindo para a ampliação das correlações neotectônicas regionais.

Material e métodos

O trabalho fez uso das cartas topográficas do IBGE em escala de 1:50.000 (Alagoa e Liberdade) sendo a partir destas extraído os perfis longitudinais do Rio Grande e de seus principais afluentes. Para estes canais aplicou-se o Índice de Hack (1973), ou RDE (ETCHEBEHERE, 2000) calculado para todos os trechos do canal delimitados por duas curvas de nível sucessivas. Os valores de RDE trecho, são obtidos pela fórmula RDE = (ΔH/ΔL).L. Onde ΔH é diferença altimétrica entre dois pontos extremos de um segmento ao longo do curso; ΔL é projeção horizontal da extensão do segmento; L é comprimento do curso d’água a montante do ponto para o qual o índice está sendo calculado. Os resultados por trecho foram relacionados ao RDE total (RDE total= ΔH/logL) dos respectivos canais para averiguação das anomalias. Segundo Seeber & Gornitz (1983), os resultados superiores a 2 e inferiores a 10 classificam-se como anomalias de segunda ordem, e os superiores a 10 correspondem à anomalias de primeira ordem. O Fator de Simetria Topográfica Transversal (T) é extraído pela fórmula: T = Da/Dd, onde Da é à distância da linha média da bacia até a linha média do meandro ativo e Dd a distância da linha média da bacia até o divisor da bacia. Quanto mais os valores se aproximam de 1, maior a condição de assimetria da bacia. O cálculo do Fator de Assimetria de Bacias de Drenagem (FABD) se dá pela fórmula: FABD =100x(Ar/At), onde Ar é área da margem direita da bacia e At sua área total. Resultados próximos a 50 indicam que não houve basculamento, menores que 50 apontam possível basculamento da margem esquerda, e maiores que 50 o basculamento da margem direita. O mapa geológico (figura 1) foi compilado de Trouw et al. (2003) referentes às folhas Santa Rita do Jacutinga e Pouso Alto (escala de 1/100.000), digitalizado em ArcGIS e correlacionado às anomalias encontradas.

Resultado e discussão

No Rio Grande, as primeiras anomalias apontadas pelo RDE se fazem presentes nas faixas altimétricas situadas entre 1740 e 1700 metros, parte alta de seu curso na qual a energia da corrente é elevada. Novas anomalias surgem entre 1540 e 1500 metros, com um trecho turbulento do canal. A partir dos 1400 metros de altitude o curso apresenta 6 anomalias de 1° ordem, setor em que o canal segue encaixado adaptando-se as estruturas do sistema rifte, antecedendo a abertura de expressiva planície aluvial (Figura 2). O Ribeirão Piedade apresentou apenas duas anomalias, ambas de segunda ordem, a 1320 e a 1420 metros de altitude. A primeira diz respeito a uma mudança de sentido do canal próxima a nascente, (de NW-SE para NE-SW), e a segunda é verificada por um trecho turbulento do canal pelo qual o mesmo segue seu fluxo em sentido SE-SW até o contato com uma falha normal em sentido N-S, a qual se adapta até a foz no Rio Grande. No Córrego dos Pinheiros o RDE detectou uma anomalia de segunda ordem entre as altitudes 1200 e 1180. O curso altera seu sentido de N-S para E-W, precedendo a afluência no Ribeirão Piedade. O Ribeirão Congonhal, apresenta duas anomalias de 2° ordem entre 1420-1380 metros, as quais evidenciam fluxo turbulento, padrão que perdura até 1280 metros, marcado pela abertura de pequena planície aluvial. No Córrego Lavrinha verifica-se sequência de anomalias, sete de 2° e uma de 1° ordem, posicionadas entre as altitudes de 1360 e 1180 metros. Nesse trecho o canal é caracterizado por pronunciado encaixamento, turbulência de fluxo, encachoeiramentos e supressão das áreas de acumulação fluvial, características bem marcadas em seu perfil longitudinal. O Córrego Boa Vista entre 1540 e 1500 metros de altitude adquire turbulência de fluxo ao transpor um contato litológico (Na6y2 - Na6, conforme figura 1), apontando duas anomalias de 2° ordem. Nova sequência de anomalias surge entre 1440 e 1360, todas de 2° ordem, setor no qual se altera a direção de N-S para NW-SE. Entre 1320 e 1220 metros há cinco anomalias, apenas uma de primeira ordem, com um segmento turbulento que antecede a abertura de planície coalescente à do Rio Grande. No Córrego dos Paranhos as primeiras anomalias surgem entre 1540 e 1480 metros, todas de segunda ordem, com turbulência marcada por mudança litológica (Nγ3c – Pγi, figura 1). As próximas anomalias, também de 2° ordem, surgem entre 1360 e 1260 metros, definidas por encaixamento e turbulência. Com uma série de 16 anomalias na parte baixa do curso (11 de 1° ordem), o Córrego Paiol possui anomalias desde 1520 até 1180 metros. Nesse trecho o curso passa por brusca ruptura de declive revelada no perfil do canal (Figura 2C). O Córrego da Mitra possui algumas das suas 18 anomalias marcadas no seu perfil longitudinal, desde 1580 até a de 1180 metros, sendo 11 delas de 1° ordem. O canal abandona seu sentido NW-SE para seguir em sentido NE-SW e desaguar no Rio Grande. Nesse trecho o córrego passa por encachoeiramento, fechando a planície que se desenvolvia a montante do trecho (Figura 2D). O FABD, aplicado no Rio Grande, apontou como resultado 56, o que não revelaria, a princípio, basculamento. No entanto, a aplicação do T revelou uma série de migrações laterais que podem ser tomadas como fortes indícios de tectônica ativa. Próximo ao contato entre a Serra da Mantiqueira e o Planalto do Alto Rio Grande, a simetria das margens da bacia é maior; porém à medida que se afasta para o médio curso a bacia se torna assimétrica com valores para T chegando a 0,57, 0,61 e 0,55, apontando a migração do canal para a margem direita. Conjuntamente ao RDE, elaborou-se perfis longitudinais para os canais citados, através das cartas topográfica, sendo as anomalias de drenagem, muitas vezes, representadas nos perfis através de quedas altimétricas bruscas e/ou rupturas de declive.

Figura 1

Mapa Geológico da Bacia do Alto Rio Grande, porção mantiqueirense.

Figura 2

Perfis longitudinais dos canais: Rio Grande (A), Ribeirão Piedade (B), Ribeirão do Paiol (C), Córrego Mitra (D).

Conclusões

Diante dos resultados com os procedimentos acionados ressalta-se a necessidade de integração de diferentes métodos e técnicas aplicadas aos estudos neotectônicos. Os resultados obtidos para RDE apontam o quão complementar se fazem os perfis longitudinais na interpretação de anomalias de drenagem, em consonância ao contexto litoestrutural em questão. Quanto ao FSTT e ao FABD, os resultados obtidos se mostraram conflitantes. O FSTT apontou uma condição de assimetria, com tendência de migração para a margem direita no alto curso, compensada pelo deslocamento lateral do rio principal para sua margem esquerda, na porção média da bacia. Essa característica do Rio Grande leva a uma falsa reposta do FABD, cuja sinalização de simetria se dá por tais compensações que eclodem com diferentes padrões de migração ao longo da bacia. As técnicas acusaram condições de anomalia na drenagem e de assimetria no segmento estudado dessa importante bacia hidrográfica, sinalizando para uma tectônica ativa.

Agradecimentos

Referências

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