A influência da morfoestrutura na disposição de morros testemunhos: O caso do setor de Cuestas de Analândia (SP).

Autores

Cunha, C.M.L. (UNESP)

Resumo

O objetivo desse artigo é discutir a disposição espacial dos morros testemunhos na região de Analândia (SP) e a influência da morfoestrutura em sua configuração. Assim, busca-se identificar as influências tectônicas locais, contribuindo com a investigação da gênese das cuestas no estado de São Paulo. A partir do mapeamento dos lineamentos, foi possível constatar indícios de que a evolução dos morros testemunhos e das cuestas deve-se a ações erosivas dinamizadas pela ocorrência de falhamentos.

Palavras chaves

REDE DE DRENAGEM; EROSÃO; MAPA DE LINEAMENTOS

Introdução

O relevo do interior do estado de São Paulo é caracterizado pela presença de extensa linha de cuestas que transicionam de forma abrupta para uma região depressionária, marcando a paisagem local. A gênese dessas formas de relevo é bastante debatida, contudo ainda há questões de origem e processos a serem resolvidas. No que se refere à gênese das Cuestas Basálticas, Almeida (1974) enfatiza que a subsidência da alta bacia do Paraná, no Cretáceo Superior, é fato importante que propiciou o recobrimento dos basaltos por sedimentos detríticos do Grupo Bauru. Posteriormente a tal movimento de subsidência, houve um de soerguimento, estimulando a superimposição da drenagem que, ao erodir a cobertura cretácea, expôs os derrames basálticos que se configuram atualmente como front cuestiformes. Ressalta-se a existência de estudos que indicam que a morfogênese do relevo de cuestas da bacia do Paraná é resultado de fenômenos complexos (PENTEADO, 1968, 1976). Neste viés, Penteado (1976, p. 42) destaca um cuidado nessa discussão, apontando a necessidade de uma análise cuidadosa sob duplo aspecto: tectônico e erosivo. Essa autora defende que a explicação genética a esse conjunto de cuestas se encontra atrelada a uma escavação que “não foi exclusivamente erosiva guiada pelas camadas tenras, porém resultante de erosão diferencial desenvolvida por uma drenagem pós-cedente a falhamentos pós-cretácicos” (PENTEADO, 1976, p. 46). Assim, considera-se que os morros testemunhos são vestígios geomorfológicos desses processos visto que indicam a direção da frente erosiva que atuou na área, provocando sua separação do front adjacente. Considerando essas questões, o objetivo desse artigo é discutir a disposição espacial dos morros testemunhos na região de Analândia (SP) e a influência da morfoestrutura em sua configuração. Assim, a partir da avaliação do traçado dos cursos fluviais, assim como da configuração das linhas de cumeada, objetiva-se identificar as influências tectônicas locais.

Material e métodos

Para atingir o objetivo proposto, busca-se realizar uma análise sistêmica da área estudada, visando compreender as interferências estruturais na organização do relevo. Para tanto, foi selecionada a área ao norte da cidade de Analândia (SP), entre 22º07’15” e 22º06’10”S e 47º41’21” e 47º41’51”W, a qual se caracteriza pela presença de um front cuestiforme diante do qual se registra a presença de vários morros testemunhos. Enfatiza-se nesse trabalho o Morro do Cuscuzeiro e o Morro do Camelo que constituem uma paisagem sui generis na região devido a sua proximidade e morfologia. A área situa-se na Bacia Sedimentar do Paraná. O IPT (1981, p. 21) chama a atenção para dois fatores litoestruturais deste pacote vulcânico sedimentar: “a disposição das camadas, com caimento suave para noroeste, e a presença de marcado horizonte de basaltos ...”. A presença de rochas basálticas, “mais resistentes que as que lhe são sotopostas, permitiram o desenvolvimento da erosão diferencial, originando ampla escavação que constitui a Depressão Periférica, bem como as escarpas das linhas de Cuesta” (IPT, 1981, p. 21). A análise das influências tectônicas na elaboração do relevo foi realizada através da elaboração de uma carta de lineamentos, em que, a partir da base topográfica e produtos de sensores remotos, possíveis adaptações da drenagem a falhas foram identificadas e reambuladas em campo. Tais adaptações foram identificadas através de procedimentos clássicos de análise da configuração da rede de drenagem, os quais pressupõem que extensos trechos retilíneos e modificações na direção da drenagem em ângulo reto indicam a adaptação dessas à sistemas quebrantáveis. Para esse trabalho, os dados estão sendo apresentados sobre uma fotografia aérea de 2005, na escala aproximada de 1:30.000, adquirida junto à Base S.A, e sobre imagens do Google Earth a fim de ilustrar com maior clareza os fatos discutidos nos resultados.

Resultado e discussão

As cuestas no estado de São Paulo são tradicionalmente atribuídas à resistência litológica representada pelos derrames de basalto que atingiram a bacia sedimentar do Paraná. Contudo, o que se verifica na região de Analândia é que tais derrames, assim como os arenitos que os circundam, são esculpidos por uma rede de drenagem cuja configuração espacial denuncia a atuação de processos tectônicos. Para discutir essa questão, ilustra-se (Figuras 1 e 2) algumas características do relevo e do sistema fluvial que marcam a paisagem da área estudada. A figura 1 busca ilustrar o contexto do relevo em Analândia, enfatizando a configuração da linha de cuesta (traçada em laranja) e dos morros testemunhos do Cuscuzeiro (A) e do Camelo (B). Verifica-se que, em termos regionais, ocorre um alinhamento significativo das drenagens no sentido ENE-WSW. Assim, esses alinhamentos coincidem com o direcionamento geral do front cuestiforme. O referido front caracteriza-se por intenso festonamento que gera uma sucessão de esporões e reentrâncias, sendo essas últimas vinculadas a nascentes que dão origem a cursos anaclinais os quais atuam na modelagem da morfologia local. Nesse contexto regional, destaca-se ainda o setor marcado como C na figura 1 que apresenta um esporão proeminente, intensamente erodido pelo sistema de drenagem, o qual, a oeste, apresenta marcante retilinidade que denota a influência de estruturas falhadas. Já no setor leste desse esporão, tem-se um sistema de drenagem de primeira ordem que apresenta em sua cabeceira uma concavidade de vertente bem marcada, a qual se estende de forma significativa no reverso do referido front; tal concavidade pode indicar a presença de junta de fratura em sentido oblíquo ao falhamento principal. Considera-se que essa morfologia representa o estágio inicial de criação de morros testemunhos, a qual já avançou significativamente nos setores onde se encontram o morro do Cuscuzeiro (A) e do Camelo (B). Assim, entre o front e os citados morros tem-se a presença de um sistema de drenagem cuja retilinidade indica a existência de estruturas fragilizadas que propiciaram seu encaixe. A cabeceira desse sistema de drenagem, a leste do morro do Camelo, apresenta extenso voçorocamento, o qual foi verificado em campo. Já no setor leste-sudeste desse mesmo morro testemunho, verificou-se a presença de outro extenso voçorocamento instalado nas cabeceiras do Córrego do Cavalheiro. Esse curso fluvial é marcado por várias mudanças de trajetória em ângulos anômalos e por extensas soleiras fluviais, relacionadas ao afloramento de basalto, ao longo de seu trajeto. A figura 2 busca demonstrar essa situação a partir do contorno em vermelho das áreas atingidas pelos processos erosivos lineares. Os processos erosivos lineares podem estar vinculados ao uso da terra que historicamente se faz desses terrenos, mas também podem indicar fragilidades estruturais vinculadas a morfoestrutura. No estudo de Facincani (2000) sobre a região de São Pedro, área também de sopé cuestiforme, a autora identificou um sistema de falhamentos que exerce influência nos processos erosivos responsáveis pela elaboração do relevo de cuestas e dos voçorocamentos extensos encontrados naquele município. Ainda, no setor a norte e nordeste do Morro do Camelo, verifica-se que o front cuestiforme caracteriza-se por apresentar-se desdobrado, isto é, segundo Ab’Saber (1998), por possuir dois fronts. Esse fato, na visão do autor, deve-se a presença de derrames de basalto em diversas posições em meio ao pacote arenítico pré-existente. Esses derrames criam resistência à erosão através da silificação dos arenitos ou da presença do próprio basalto, dando origem ao desdobramento. Contudo, nessa posição, os processos morfogenéticos encontram-se altamente dinâmicos se comparados aos setores vizinhos (Figura 1), conforme já apontou Cunha e Pinton (2013), o que pode ser um indicativo de fragilidades morfoestruturais.

Figura 1

Contexto regional do setor analisado. Em A Morro do Cuscuzeiro; em B Morro do Camelo; em laranja, o front cuestiforme; em preto, lineamentos.

Figura 2

Detalhe dos voçorocamentos de cabeceira (circundados em vermelho) sobre fotografia aérea; em A Morro do Cuscuzeiro; em B Morro do Cuscuzeiro.

Conclusões

A análise da rede de drenagem regional permitiu verificar que a região estudada apresenta fortes indícios de que esse sistema encontra-se submetido à forte influência tectônica. A disposição espacial dessa rede de drenagem indica que os morros testemunhos mais proeminentes da área estudada foram esculpidos e separados do front cuestiforme em virtude de ações erosivas elaboradas por cursos fluviais cuja retilinidade indica a presença de estruturas falhadas. Ainda, o desdobramento do front cuestiforme no setor de nascentes do Córrego do Cavalheiro indica que esse setor possivelmente encontra-se submetido a ações erosivas dinamizadas por estruturas falhadas que se constituem em prolongamentos de outras, mapeadas a oeste desse setor (Figura 1). Dessa forma, considera-se que feições que indicam ações tectônicas no setor cuestiforme devem ser consideradas e avaliadas de forma cuidadosa a fim de estabelecer com maior precisão seu grau de influência na morfologia regional.

Agradecimentos

À FAPESP pelo financiamento processo n. 2013/15830-9 e ao CEAPLA pelo apoio.

Referências

AB’SÁBER, A.N. Megageomorfologia do Território Brasileiro. In: GUERRA, A.J.T.; CUNHA, S.B. da (Org.). Geomorfologia do Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
ALMEIDA, F. F. M. Fundamentos geológicos do relevo paulista. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1974. (Série Teses e Monografias, no 14).
CUNHA, C. M. L; PINTON, L. G A cartografia do relevo como subsídio para a análise morfogenética de setor cuestiforme. Mercator, Fortaleza, v. 12, n. 27, p. 149-158, jan./abr. 2013.
FACINCANI, E.M. Morfotectônica da depressão periférica paulista e cuesta basáltica: regiões de São Carlos, Rio Claro e Piracicaba, SP. 2000. 222 f. Tese (Doutorado em Geologia Regional) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2000.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (IPT). Mapa geomorfológico do estado de São Paulo. São Paulo: IPT, 1981, 2v.
PENTEADO, M. M. Geomorfologia do Setor Centro Ocidental da Depressão Periférica Paulista. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1976. (Série Teses e Monografias, no 22).
PENTEADO, M. M. Implicações Tectônicas na Gênese das Cuestas da Bacia de Rio Claro. Notícia Geomorfológica. Campinas, v. 8, n. 15, p. 19-41, jun./1968.


APOIO
CAPES UEA UA UFRR GFA UGB