NÍVEIS DEPOSICIONAIS ALUVIAIS NO VALE DO CÓRREGO DO RIO GRANDE, DEPRESSÃO DE GOUVEIA - MG

Autores

Messias, R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Magalhães Júnior, A.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS)

Resumo

Este artigo apresenta o levantamento e caracterização dos níveis deposicionais fluviais de um segmento do Córr. Rio Grande. O trabalho foi executado através de levantamentos de campo e os registros foram identificados e descritos em termos de variáveis estratigráficas. A área apresenta quatro níveis deposicionais aluviais, a saber: um terraço, uma planície e dois paleoníveis sem forma correlativa. O leito atual apresenta ocorrência de processos de encouraçamento e sequências de poço-corredeira.

Palavras chaves

Geomorfologia Fluvial; Níveis Deposicionais; Depressão de Gouveia

Introdução

Os canais fluviais possuem um papel geomorfológico que ultrapassa sua extensão linear. Eles constituem um conjunto de agentes fundamentais para a configuração do modelado do relevo. O conhecimento das suas características morfológicas e dos processos hidrossedimentares permite, portanto, a aquisição de conhecimentos essenciais para o estudo da dinâmica das paisagens. Para uma melhor compreensão da dinâmica de um sistema fluvial é necessário estudar diversas variáveis geomorfológicas em conjunto. A inter-relação de elementos como o fluxo, o gradiente, a rugosidade do leito, dentre outros, influencia no ajustamento do canal, na dinâmica de escoamento, e na distribuição e organização dos registros deposicionais (SUMMERFIELD, 1991; THOMAS, 1994). Numa perspectiva multidisciplinar, a geomorfologia fluvial tem se apropriado de bases técnicas e teóricas derivadas da estratigrafia (GERRARD, 1992). Essa abordagem permite realizar correlações entre os registros sedimentares, subsidiando trabalhos de reconstrução paleoambiental a partir de hipóteses prováveis (BLUM & TÖRNQVIST, 2000). O viés mencionado foi adotado neste trabalho, o qual envolve o levantamento e a caracterização dos registros de níveis e sequências deposicionais fluviais em um segmento do vale do Córrego Rio Grande, visando contribuir para a reconstituição da história fluvial regional ao longo do Quaternário. O segmento fluvial estudado localiza-se na porção centro-sul da Depressão de Gouveia, domínio do Espinhaço Meridional – SdEM. O Córrego Rio Grande pertence à bacia do Ribeirão do Chiqueiro, no alto curso do Rio Paraúna. Nessa região, diversos trabalhos foram realizados visando contribuir com os conhecimentos sobre a evolução das formas de relevo e atuação de processos morfodinâmicos (ABREU, A. 1982; SAADI & VALADÃO, 1987 a,b; AUGUSTIN et. al., 1994; AUGUSTIN, 1995; SAADI, 1995; AUGUSTIN & ARANHA, 2006; etc.), entretanto, ainda permanecem várias lacunas no que tange aos estudos de geomorfologia fluvial.

Material e métodos

O presente estudo se fundamenta na investigação de registros aluviais presentes no vale do Córrego do Rio Grande, os quais são marcadores da evolução do relevo regional. A bacia analisada apresenta predomínio de rochas do Complexo Gouveia, granitos e gnaisses. Nos limites NE e SW ocorrem xistos e quartzitos do Gp. Costa Sena, e os divisores da borda W são talhados nos metassedimentos do SG. Espinhaço. O relevo é caracterizado por uma sucessão de colinas suavizadas e vales alongados. Saadi & Valadão (1987a) mencionam que os topos aplainados destas colinas estão associados a remanescentes de uma superfície pliocênica, e os fundos de vales, em aprofundamento, representam o nível geomorfológico resultante da dinâmica fluvial recente e atual. A primeira etapa do trabalho consistiu no levantamento teórico e cartográfico. Posteriormente, realizou-se análise de imagens orbitais com o objetivo de fazer o reconhecimento preliminar da bacia e orientar os locais representativos para os levantamentos de campo. A segunda etapa consistiu em trabalho de campo, no qual foram identificados e descritos os níveis deposicionais aluviais do segmento estudado. O segmento foi selecionado em função da acessibilidade e relevância da presença dos registros deposicionais. Em exposições naturais ou em cortes foram realizados perfis para a descrição estratigráfica. Foram observados o contexto espacial e o arranjo geométrico dos depósitos (altitude, desnível para a calha atual e distribuição ao longo do vale). Os níveis foram classificados e descritos quanto à: tipologia, composição granulométrica das fácies, além da espessura, tipo de transição e presença de estruturas sedimentares. Também foi observada a dinâmica atual dos fluxos fluviais no leito menor (durante a estação seca), bem como os registros sedimentares de calha e planície. A terceira etapa consistiu na transcrição dos dados de campo, na construção de perfis síntese dos registros aluviais e na análise e interpretação das informações.

Resultado e discussão

No levantamento realizado foram identificadas quatro unidades aluviais, a saber: dois paleoníveis sem forma correlativa (N1 e N2), um nível de terraço (T1) e um nível de planície de inundação (P). Os depósitos dos níveis N1 e N2 correspondem aos estágios de deposição mais antigos encontrado na área e não possuem relação hidrossedimentar com a atual rede de drenagem. Esses níveis estão posicionados no terço superior das vertentes, estando um a 20 m acima da drenagem atual e outro a cerca de 16 m, e foram retrabalhados por processos de coluvionamento. Cruz (2006) identificou na bacia do Córrego do Rio Grande a existência de uma unidade coluvial que ocupa geralmente a média e alta vertente, assentada sobre o substrato rochoso, provavelmente a mesma que recobre os níveis N1 e N2. A unidade aluvial mais bem preservada localiza-se a 20 m de desnível dos níveis à montante da vertente. Ela corresponde a um nível de terraço pareado do tipo escalonado (T1). Esse nível encontra-se, normalmente, próximo a calha fluvial, e possui sua base junto a lamina d’água. As características dos pacotes sedimentares desse nível denotam grande variação na capacidade de transporte e competência do canal. As fácies indicam um paleoambiente associado a leito de canal e, posteriormente, barras de canal. A sequência sedimentar para o nível T1 consiste em: fácies basal composta de seixos heterométricos, com 10 a 20 cm de comprimento, litologias de quartzito, quartzo e xisto; sobreposta por fácies argilo-arenosa com grandes proporções de matéria orgânica. Recobrindo discordantemente, ocorre um pacote sedimentar formado por seixos suportados por matriz arenosa dispostos em camadas selecionadas. O pacote correspondente ao topo do terraço é caracterizado por material arenoso, areia média a grossa, com alternância de estratos finos, em forma de estratificação cruzada e planar. Todas as fácies possuem geometria tabular, limites abruptos e estão imbricadas em direção a jusante no canal fluvial. O nível de várzea (P), aqui entendido como a dinâmica atual, apresenta um pequeno gradiente topográfico constituído, em alguns pontos, de fácies basal detrítica recoberta por fácies argilo-arenosa rica em matéria orgânica (raízes) e estruturas sedimentares. Quanto aos registros de calha observam-se dois tipos de feições que se diferem quanto à posição, composição e morfologia: i- barras laterais de forma arqueada e compostas majoritariamente de granulometria areia e seixos sub-angulares de quartzo de 1 cm de diâmetro; ii- barras centrais de morfologia alongada e menor razão comprimento/largura que as anteriores. Estas possuem base detrítica, formada por clastos de quartzo heterométricos, sendo recobertas por material arenoso e seixos de quartzo subangulares de comprimento médio de 1 cm. Em relação à carga de leito, verifica-se a alternância de trechos pavimentados (pebble supported) de clastos grosseiros (quartzo, quartzito e xisto de tamanho médio de 10 à 15 cm) e trechos em que há somente material arenoso. Nos trechos caracterizados pelo pavimento o canal fluvial apresenta alargamento da calha, diminuição da lamina d’água e carga de leito de granulometria grossa e imóvel. A literatura geomorfológica (Canfield et al., 2001; Bridge, 2003; Frings, 2008) associa essas características ao processo de encouraçamento de calha fluvial (bed armouring). Os estudos de Magalhães Junior et al. (2008), Santos et al. (2008) e Raposo et al. (2009) podem vir a corroborar com essa constatação ao comprovarem que a evolução da dinâmica fluvial cenozóica de níveis de base interpostos entre o Planalto Meridional do Espinhaço e o Cráton do São Francisco é marcada por processos de encouraçamento da calha fluvial.

Figura 1

Trecho do córrego do Rio Grande. Observa-se na imagem a localização e distribuição dos níveis deposicionais.

Figura 2

Esboço do Perfil Transversal do Vale do Córrego do Rio Grande com a representação dos Níveis e Perfis Estratigráficos.

Conclusões

Foram detectadas importantes mudanças hidrossedimentares que se refletem nas distintas fácies dos depósitos fluviais. A dinâmica da bacia tem sido marcada por sucessivas oscilações de energia associadas a ciclos de maior dissecação ou de intenso entulhamento. Os soerguimentos crustais epirogenéticos cenozóicos (Saadi, 1991,1995; Valadão,1998), pulsos de intensidades distintas, podem ter fornecido energia para a incisão da drenagem, fato que pode ser constatado pelo escalonamento dos níveis N1, N2 e T1. A dinâmica fluvial atual apresenta elevada carga sedimentar arenosa, provavelmente relacionada à existência de voçorocamentos na região. O processo de encouraçamento no leito fluvial acarreta dinâmica de poço-corredeira. A constituição sedimentar do pavimento gera turbulência do fluxo e indica ambiente erosivo e de alta energia, no entanto, a jusante desses pontos a ocorrência de planície de inundação e barras de canal sugerem que o sistema de alguma forma, possui histórico agradacional.

Agradecimentos

Referências

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