Bacia Hidrográfica urbanizada: o caso do Rio Imboaçu - São Gonçalo (Região Metropolitano do Rio de Janeiro)

Autores

Martins, V.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Menezes, C.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Salgado, C.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE)

Resumo

As bacias hidrográficas em áreas urbanas podem ser descaracterizadas devido à densidade de ocupação e às obras de canalização. No município de São Gonçalo (RJ) encontra-se a bacia do rio Imboaçu, que foi analisada com dados e informações entre 1976 e 2006, além de trabalho de campo em 2014. Verificou-se vários tipos de intervenções nos canais fluviais, destacando-se no rio Imboaçu obras antigas e novas que desconsideram a dinâmica fluvial, podendo intensificar os problemas de inundações na bacia

Palavras chaves

canalização; assoreamento; dinâmica fluvial

Introdução

A Bacia Hidrográfica é uma unidade naturalmente delimitada por divisores, a partir dos quais a água converge para formar cursos d’água. Estes constituem uma rede de drenagem refletindo o fluxo de matéria e energia, ou seja, ela transporta sedimentos com variação na sua capacidade e/ou competência. Neste contexto, a bacia hidrográfica é interpretada como um sistema, com relações intricadas abrangendo canais fluviais, linhas de drenagem tributárias e encostas (SUMMERFIELD, 1991). Qualquer mudança num destes componentes resultará em respostas complexas para o sistema se ajustar a uma nova condição de equilíbrio. Por outro lado, bacias hidrográficas urbanizadas incitam um grande desafio em pesquisar impactos ambientais urbanos, por articular os processos biofisicoquimico com os sociais na degradação pelo processo urbano. Assim, a problemática dos impactos ambientais urbanos vai do natural ao social e político, em uma escala que vai para além da local. O crescimento do espaço urbano provoca mudanças no uso e ocupação da terra e, consequentemente, impactos nas bacias hidrográficas e rios. Deste modo, há aumento da ocupação das encostas, das áreas impermeáveis, da quantidade de efluentes domésticos/industriais nos rios, entre outras alterações na qualidade ambiental da bacia hidrográfica. No caso dos rios em áreas urbanizadas Vieira e Cunha (2001) apontam que quanto maior for a urbanização, mais modificações o rio irá sofrer como diminuição da velocidade, redução na capacidade do canal e baixo valor de descarga. No município de São Gonçalo, o crescimento desordenado e sem planejamento adequado provocou uma intensa degradação e descaracterização das bacias e rios. Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar os impactos gerados pela expansão urbana na Bacia do Rio Imboaçu, na cidade de São Gonçalo. A abordagem metodológica empregada é uma análise temporal, comparando- se fontes de dados entre as décadas de 1970 e de 2010.

Material e métodos

O presente trabalho empregou uma abordagem metodológica temporal, comparando-se fontes de dados entre as décadas de 1970 e de 2010. Este intervalo de tempo é muito significativo para a região, pois engloba a construção da Ponte Presidente Costa e Silva (Ponte Rio-Niterói, inaugurada em 1974), a qual estimulou o crescimento populacional de São Gonçalo. Além disso, desde 2008, ocorre a construção do Complexo Petroquímico Integrado do Rio de Janeiro (COMPERJ) e de outros empreendimentos associados, no município vizinho de Itaboraí. Para a realização da pesquisa foram executados os seguintes procedimentos: 1. Pesquisa e discussão bibliográfica para o entendimento de bacias hidrográficas e processos correlatos, da geomorfologia urbana e busca de dados e informações sobre a área de estudo. 2. Realização de mapeamentos da área de estudo. Nessa etapa foi utilizada carta topográfica do município de São Gonçalo com escala de 1: 10 000, com variação de 5 metros nas curvas de níveis. A rede de drenagem foi extraída e comparada a partir das cartas da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM), do ano de 1976, e da base digital do projeto do Plano de Despoluição da Baía de Guanabara, do ano de 1994. 3. Foi utilizada imagem do satélite Quickbird do ano 2006 do município de São Gonçalo, que possui resolução espacial de 61 centímetros, para observar os pontos de maior densidade urbana e as principiais interferências nos rios da bacia. Nesta etapa e na anterior foi empregado o software Arc Gis (Esri, 2010). 4. Trabalhos de campo foram feitos para verificar as situações mais criticas dos canais fluviais devido à urbanização.

Resultado e discussão

A bacia do Rio Imboaçu, localizada no município de São Gonçalo (Figura 1), apresenta uma área aproximada de 12 km2 e o rio principal possui uma extensão de aproximadamente 10 km. Há ainda cinco sub-bacias (duas de primeira ordem e três de segunda ordem). Esta bacia apresenta ocupação urbana de grande densidade e, segundo Afonso et al. (2008, p.2) “é representativa das condições gerais de degradação das bacias hidrográficas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”. Ainda segundo os autores, até um passado recente era um rio navegável (indicando grande volume de água) utilizado pela população para escoar a produção agrícola. Porém, com a industrialização e a urbanização do município, no final do século XX, a bacia como um todo e o Rio Imboaçu sofreram grandes transformações com obras de engenharia (canalizações, pontes, travessas etc) para facilitar as edificações e infraestruturas urbanas. Entretanto, manteve-se o despejo de esgoto in natura e de lixo no rio. Na comparação dos mapeamentos das drenagens da Bacia do Rio Imboaçu observa-se alguns pontos bem modificados do ano de 1976 (FUDREM) para 1994 (PDBG), como é o caso de uma parte da Rua Capitão Acácio. No mapeamento de 1976 há uma drenagem onde na década de 1990 desaparece. A análise da imagem de satélite (2006) confirma esta observação (Figura 1). De forma geral, verificou-se que algumas linhas de drenagem de 1ª ordem desapareceram devido ao arruamento e construções. Outra característica bastante presente no rio é o grande assoreamento. Com as intensas modificações feitas nas áreas de nascentes e no leito do rio (ocupações, estreitamento das margens, canalizações etc), a velocidade e sua capacidade de transportar sedimentos diminuem, agravando mais o assoreamento. Em consequência, percebe-se pontos de acumulação de sedimentos, inclusive com vegetação, ao longo do canal, como na Rua Alonso Faria, no bairro Rocha. Esta situação é confirmada por estudos de Vieira e Cunha (2001) e Galvão (2008), os quais afirmam que as modificações nos canais em áreas urbanas têm provocado mudanças nos processos fluviais, pois com o uso desordenado do solo, o aumento da erosão e das áreas impermeáveis aumentam o assoreamento do rio e as inundações. Outro aspecto importante observado ao longo do rio principal foi uma diferenciação nas margens, sendo alguns pontos a montante mais largos do que pontos a jusante. O terreno mais plano a jusante facilitou uma densa ocupação, avançando sobre o que provavelmente era o leito maior do rio. Deve se ressaltar que a canalização de rios é muito comum em áreas urbanas. A canalização é toda obra de engenharia praticada no canal fluvial para controlar enchentes, reduzir erosão, melhorar a drenagem, entre outros (Cunha, 2012, p. 172). No entanto, são pontuais e desconsideram a dinâmica fluvial da bacia hidrográfica como um todo. Nos pontos 1 e 3 da figura 2 são observadas obras de canalização. No ponto 3, mais a montante, observa-se uma retificação do canal, que consiste na redução da extensão dos cursos d’águas e a exclusão dos meandros com o objetivo de reduzir a altura das cheias. No entanto, o despejo de lixo e o acúmulo de sedimentos podem contribuir para intensificar inundações. Mais a jusante (ponto 1), a obra de canalização em andamento é de alargamento do canal, alterando a largura com o objetivo de aumentar sua capacidade e diminuir os impactos das inundações. Embora realizadas em momentos muito distintos, a canalização dos trechos mencionados podem diminuir o risco de inundações no médio curso do rio Imboaçu. Entretanto, mais a jusante (ponto 2 da figura 2), na Rua Luis Pereira dos Santos no bairro Boaçu, há uma ponte muito baixa provocando a retenção do lixo doméstico. Assim toda a facilidade e velocidade de fluxo de água à montante são obstruídos por esta ponte que retém lixo flutuante. Neste caso a inundação pode se tornar cada vez mais intensa, mesmo com chuvas moderadas. Verificou-se que esta situação ocorre em outros pontos do rio Imboaçu

Figura 1

Fonte:Produzido pelas autoras

Figura 2

Fonte: Produzido pelas autoras

Conclusões

Atualmente, a bacia hidrográfica é considerada uma unidade de planejamento e gestão territoriais, especificamente no que diz respeito a recursos hídricos. No entanto, na cidade a percepção da população e do poder público (municipal) sobre bacias hidrográficas e rios se torna muito alterada com a densidade de construções e redução da qualidade da água dos rios. O rio Imboaçu (município de São Gonçalo/RJ), outrora navegável, é visto pela população como um valão, diante da degradação de suas águas e margens. As intervenções urbanas, como obras no canal e nas margens, construção de pontes com altura mal dimensionada, o despejo de lixo e esgoto, entre outras, alteram profundamente a dinâmica fluvial, intensificando os episódios de inundação. Verificou-se neste estudo que as obras de engenharia ocorrem em momentos distintos para correções pontuais, desconsiderando o funcionamento da bacia como um todo sistêmico.

Agradecimentos

Referências

AFONSO, A. E. et al . Análises da Dinâmica Fluvial do Rio Imboaçu (São Gonçalo, RJ): um enfoque a partir da consciência ambiental. In: II Simpósio de Recursos Hídricos do Sul-Sudeste. Rio de Janeiro, 2008.Anais... P. 1-18

CUNHA, S. B. Rios Desnaturalizados. In: BARBOSA, J.L.; LIMONAD, E. (orgs.). Ordenamento Territorial e Ambiental Programa de Pós- Graduação em Geografia – UFF, p. 171 – 191, Editora UFF. Niterói, 2012.

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SUMMERFIELD, M.A. Global Geomorphology. Nova Iorque: Longman Scientific & Technical, 1991, 537p.

VIEIRA, V.; CUNHA, S. B. Mudanças na rede de drenagem urbana de Teresópolis (RJ). In: Impactos Ambientais Urbanos no Brasil. (orgs.) Guerra, A. J. T. e Cunha, Sandra B. Editora Bertrand Brasil Ltda. Rio de Janeiro, 2001.



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