MODIFICAÇÃO DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO E DISPONIBILIDADE HÍDRICA NO SISTEMA DO RIO PARAGUAI SUPERIOR

Autores

Grizio-orita, E.V. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA) ; Souza Filho, E.E. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)

Resumo

Nesse trabalho foi verificado a existência de modificação da evapotranspiração e a disponibilidade hídrica no sistema. Foi necessário dados meteorológicos, simulação dos dados de uso do solo, valores de precipitação e evapotranspiração. Os valores de evapotranspiração diminuíram ao longo da série, enquanto a precipitação aumentou nos primeiros 20 anos e reduziu na última década. Apesar dessa diminuição, a disponibilidade de água no sistema aumentou, proporcionando o aumento da descarga fluvial.

Palavras chaves

rio Paraguai; evapotranspiração; disponibilidade hídrica

Introdução

As formas e os processos geomorfológicos de um sistema fluvial apresentam relações de dependência entre si. Dessa maneira, a modificação de uma variável pode ter como consequência a alteração de formas e processos, dependendo da variável, do grau de dependência entre elas e da intensidade da modificação. Para uma melhor compreensão do processo ocorrido neste espaço geográfico este trabalho tem como objetivos verificar a existência de modificação da evapotranspiração, para comprovar a hipótese de que a retirada da cobertura vegetal proporciona a diminuição da intensidade da variável e avaliar a disponibilidade hídrica no sistema, para verificar se as alterações da evapotranspiração provocaram mudanças significativas na quantidade de água em circulação no sistema. A verificação das modificações da evapotranspiração ocorreu através de dados meteorológicos e simulação dos dados de uso do solo e a disponibilidade hídrica foi avaliada a partir dos dados de precipitação e dos dados de evapotranspiração. A diminuição da evapotranspiração poderia levar a um aumento do escoamento superficial, ou um aumento do armazenamento subterrâneo. Nesse caso, os dados históricos das Estações Fluviométricas de Barra dos Bugres e de Cáceres demonstram que a descarga média anual aumentou desde 1967, assim como as descargas máximas e as descargas mínimas. Tal aumento pode ser justificado por uma modificação das condições de precipitação, mas os dados das Estações Meteorológicas de ambas as localidades não mostram tal incremento (GRIZIO, 2008). Nesse caso, tais dados indicam que houve aumento do escoamento superficial e do armazenamento subterrâneo.

Material e métodos

Dois caminhos foram seguidos para a verificação da variação temporal da evapotranspiração: a análise de dados das estações meteorológicas e a análise dos dados da cobertura dos solos. Para a análise das séries históricas foram utilizados os dados da EMBRAPA, embora restritos à cidade de Cáceres e com falhas entre 1979 e 2000. Esses dados foram organizados no programa Excel e posteriormente foi gerado gráfico com valores anuais de evapotranspiração potencial e evapotranspiração real. Para permitir a avaliação do comportamento da evapotranspiração em toda a área de estudo, foi realizada a segunda abordagem mencionada. Essa abordagem baseia-se na diferença dos valores de evapotranspiração apresentada por diferentes unidades de vegetação e de uso do solo. Assim, foi calculada a evapotranspiração a partir da ponderação entre o valor da variável para cada classe de uso do solo pela área ocupada por cada uma delas, em cada ano analisado. Os fatores de ponderação utilizados foram obtidos por Andrade et al. (2010), em mm/ano. Os valores e as classes utilizadas foram: 1022 mm para Vegetação, 584 mm para Pastagem, 1752 mm para Água, 511 mm para Cultura e 657 mm para Solo Exposto. O cálculo de disponibilidade hídrica foi baseado na subtração dos valores de precipitação anual de Cáceres pelos valores de evapotranspiração anual (potencial e real). Ou seja, a água do sistema é aquela resultante da quantidade precipitada menos a evaporada, ou o excedente hídrico quando o armazenamento é de 100% e a alteração do conteúdo de umidade é zero. A precipitação anual foi calculada a partir dos dados diários obtidos a partir da ANA, que disponibiliza os dados por meio do site HIDROWEB. Os dados das estações de Cáceres e de Barra do Bugres foram baixados em arquivos no formato MDB (Access), exportados para o Excel e os valores de precipitação diária foram somados para a obtenção do acumulado anual.

Resultado e discussão

O histórico de precipitação anual em Cáceres, nos anos em que há dados de evapotranspiração, revela que o acumulado quase sempre é superior a 1000 mm, tendo superado 1300 mm em 2008, mas tendo ficado na casa de 600 mm em 1973. Contudo, ao se observar a variação temporal da disponibilidade da água no sistema (Quadro 01), observa-se um aumento dos valores, indicando que há mais água disponível no sistema nos anos mais recentes. Os dados de descarga média anual dos anos com dados de precipitação e de evapotranspiração encontram-se no Quadro 02. A descarga média anual representa a máxima disponibilidade hídrica da bacia, na concepção de Tucci (2000), embora Novaes (2005) considere que além dela, a vazão mínima anual também seja considerada. Contudo, este último autor trabalha com o uso da água e não com o funcionamento do sistema. A comparação entra a disponibilidade hídrica e a descarga fluvial média anual em Cáceres (Quadro 02, Figura 01) demonstra que não há relação entre as variáveis, seja no que diz respeito à evapotranspiração potencial ou à real. Os valores da variação temporal dos dados de evapotranspiração potencial e real na Estação Pluviométrica de Cáceres mostram a existência de ciclos de aumento e diminuição dos valores de vazão e de disponibilidade hídrica, mas enquanto a descarga aumenta dentro de um ciclo, a disponibilidade hídrica diminui. Isso significa que a descarga fluvial medida em Cáceres depende mais da precipitação das cabeceiras do que a da região onde está localizada a referida estação. Contudo, a relação entre precipitação e a vazão em Cáceres no período entre 1972 e 2005 evidencia, também, que nos anos de 1970 as diferenças entre a disponibilidade hídrica e a descarga em Cáceres eram muito maiores do que as dos anos 2000. Essa é uma indicação de que o aumento da disponibilidade hídrica em Cáceres possa estar contribuindo para o aumento da descarga fluvial. A comparação entre a precipitação anual e a descarga média anual em Cáceres demonstra que a vazão aumentou mais que os valores acumulados de chuva, o que reforça a afirmação. A esse respeito, Tucci e Clark (1998) já haviam observado o fenômeno e atribuíram o aumento do débito à remoção da cobertura vegetal. É fundamental que seja feita a generalização dos valores de evapotranspiração. Os dados obtidos por Andrade et al. (2009) para o Pantanal foram utilizados para a realização deste procedimento. Tais valores foram comparados por outros estudos similares (BASTIAANSSEN, 2000; PEREIRA et al., 2007; ANDRADE, 2008; FRAGA, 2009) para a averiguação de sua confiabilidade. O resultado da ponderação encontra-se no Quadro 03. Pelo observado, há uma tendência de diminuição dos valores ao longo do tempo, ainda que com oscilações ocasionais. Os dados apresentados no Quadro 16 e na Figura 48 permitem verificar que a relação entre a disponibilidade hídrica do sistema e a descarga tornou-se mais clara, assim como a da precipitação e a última variável mencionada. Nesses anos, a precipitação mostra tendência de aumento até 1997 e diminui nos anos seguintes. A evapotranspiração mostra tendência de diminuição contínua, com exceção do pequeno aumento em 1997, proporcionado pela recuperação da vegetação e pelo aumento da área de água. Por sua vez, a disponibilidade hídrica e a vazão aumentam até 1997 e diminuem nos dois anos da última década. A diminuição dos valores dessas duas variáveis pode estar relacionada à diminuição da precipitação, que foi bastante acentuada e proporcionalmente maior que a da evapotranspiração.

Quadro 1, Quadro 2 e Quadro 3

Quadro 01:Disponibilidade hídrica... Quadro 02:Descarga média anual e disponibilidade hídrica... Quadro 03:Resultado da ponderação da área...

Figura 1; Figura 2

Figura 01:Valores de vazão média anual e disponibilidade hídrica em Cáceres... Figura 02:Representação gráfica dos valores de evapotranspiração...

Conclusões

O sistema fluvial do rio Paraguai Superior vem sofrendo modificações, a partir da década de 1970, em decorrência da retirada da vegetação, especialmente no que diz respeito à evapotranspiração, à relação precipitação-vazão. A remoção da vegetação natural proporcionou a diminuição da evapotranspiração, que passou de 861 para 842 mm/ano em Cáceres e de 932 para 771 mm/ano em toda a bacia do rio Paraguai Superior, entre 1977 e 2007. A precipitação pluvial na bacia aumentou durante as duas primeiras décadas, mantendo-se quase sempre acima dos 1350 mm, apresentou diminuição nos últimos 10 anos estudados, chegando a 1285 mm em 2007. Apesar disso, a oferta de água para o sistema aumentou de 438 para 514 mm/ano.m2 de 1977 para 2007, confirmando a hipótese de que a retirada da vegetação teria proporcionado a redução da evapotranspiração e o aumento da disponibilidade hídrica no sistema.

Agradecimentos

Referências

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