Anomalias no rio Jacaré-Pepira (SP) e sua correlação lito-estrutural

Autores

Valezio, E.V. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS) ; Perez Filho, A. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS)

Resumo

Influências litológicas e estruturais são significativas na conformação dos canais fluviais e no entendimento de sua dinâmica. Perfis longitudinais, conciliados à aplicação do índice de gradiente (RDE - Relação Declividade x Extensão) ao longo do rio Jacaré Pepira (SP), permitiram identificação de knickpoints, níveis de base efêmeros presentes no canal fluvial, evidenciando a busca permanente por estabilidade, tendo em vista os diferentes substratos por que percorre.

Palavras chaves

Geomorfologia Fluvial; Perfil Longitudinal; Índice de Gradiente

Introdução

Na Geomorfologia, parâmetros morfométricos são utilizados de forma a viabilizar quantitativa e elucidativamente o ajuste das formas aos sistemas naturais. Os perfis longitudinais, cuja discussão remonta os trabalhos de Mackin (1948), Leopold & Wolman (1957), Hack (1957), Christofoletti (1977, 1981), Howard (1980), Sinha & Parker (1996), Whipple & Tucker (1999) e Phillips & Lutz (2008), caracterizar-se-ia, conforme aponta Christofoletti (1981), como a relação direta entre as variações de altimetria e de comprimento longitudinal do canal fluvial, da nascente à foz. Constitui, portanto, a “forma esculpida diretamente pela morfogênese fluvial” (CHRISTOFOLETTI, 1977, p. 97). Etchebehere et al. (2004) destacam que tal representação morfométrica aponta curvas de conformação logarítmica, concavidades voltadas para cima e assíntotas longas, sendo que, quanto mais equilibrado o canal fluvial, mais ajustado a esta descrição estará o perfil. O índice de gradiente (Stream Gradient Index), proposto por Hack (1973), permite a correlação do substrato litológico e/ou à incidência de movimentações crustais na conformação de patamares ao longo dos canais fluviais. Segundo Etchebehere et al. (2004), a relação declividade x extensão possibilita a análise dos perfis longitudinais pelo estabelecimento de fórmula matemática simples, aplicados a trechos específicos. A identificação das principais anomalias do canal – sendo os valores resultantes enquadrados conforme o grau de deformação da feição no perfil –, seguiu o procedimento adotado por Seeber & Gornitz (1983), em que os valores entre zero e 2 apontariam para trechos sem assimetria; entre 2 e 10, anomalias de 2ª ordem, e, acima de 10, anomalias de 1ª ordem. Assim, a combinação de tais parâmetros foi utilizada como instrumentos de detecção de patamares ao longo do rio Jacaré Pepira, subsidiando a análise dos segmentos fluviais e discussões acerca de sua conformação lito-estrutural.

Material e métodos

Disposta entre as coordenadas geográficas 47º55’ – 48º55’ O e 22º33’ – 22º00’ S, a bacia hidrográfica do rio Jacaré-Pepira abrange área de 2480 km², tendo como altitude mais elevada os 1075 metros nas cabeceiras e a mais baixa os 405 metros no exutório, transcorrendo longitudinalmente cerca de 205 quilômetros. O canal fluvial principal – rio consequente que ruma no sentido SE-NW – tem como arcabouço geológico as rochas das Formações Pirambóia, Botucatu, Serra Geral, Adamantina e Itaqueri. Estabelecida no reverso das cuestas arenito-basálticas, rumando para porções centrais do Planalto Ocidental Paulista, esta unidade é caracterizada por relevos de colinas e morrotes, pontuados localmente por platôs residuais e planaltos interiores (ALMEIDA, 1964). Segundo Ponçano et al. (1981, p. 70), “(...) o relevo desta província mostra forte imposição estrutural, sob o controle de camadas sub-horizontais, com leve caimento para oeste”, tendo ainda como característica de sua rede de drenagem, corredeiras e cachoeiras, formados a partir de soleiras das rochas efusivas da Formação Serra Geral. Para detecção de alterações no substrato litológico e/ou na incidência de movimentações crustais em que o canal fluvial está disposto, aplicou-se o índice de gradiente ou Relação Declividade x Extensão (RDE) (HACK, 1973). O perfil longitudinal foi produzido com base em cartas topográficas (IBGE – Escala 1:50.000) e alterações eventuais corrigidas em ambiente SIG (ArcGIS 10.0). Foram utilizadas cartas geológicas em escala 1:250.000 (DAEE/ Unesp, 1982) e 1:1.000.000 (CPRM), material significativo para a correlação dos distintos substratos litológicos e seus desdobramentos na dinâmica do canal fluvial. Complementarmente, foram utilizadas também imagens orbitais (SRTM e Google Earth) e não orbitais (IAC, 1962 – Escala aproximada 1:25.000) para identificação lineamentos e seleção de pontos para trabalho de campo.

Resultado e discussão

Ao longo de seu curso, sob diferentes composições geológicas, o canal fluvial se dispõe em rede de segmentos fluviais decorrentes da presença constante de soleiras de rochas da Formação Serra Geral, cuja exposição remonta o processo de erosão diferencial proporcionada pela dinâmica fluvial. A conformidade entre os trechos de ruptura com as zonas de ocorrência dos basaltos permite inferir quanto à ação estrutural destas rochas na morfogênese do perfil longitudinal. Nos trechos de maior desnível topográfico, entre 810 e 700 metros e 680 a 500 metros de altitude, as rochas da Formação Serra Geral se colocam como substrato, ali ocorrendo os knickpoints e corredeiras. Segundo Ab’Saber (1961) e Curti (2011), a presença de fraturas nos derrames confluem na exposição de zonas de fragilidade à ação das águas, iniciando e potencializando a ação de arranque dos blocos rochosos e a formação de patamares no canal fluvial, como no caso dos patamares observados – Cachoeira das Três Quedas, São Sebastião, Santo Antônio e Roseira. A presença de fraturas e diaclases se consuma como grande responsável pela manutenção destas quedas e pelo contínuo processo de erosão regressiva. Conforme exposto por Barcha & Arid (1975), essa diferenciação de resistência entre derrames e estruturas diferenciadas faz com que os canais fluviais incidam seu leito sobre o capeamento sedimentar, fixando-se posteriormente no basalto graças ao controle estrutural e sua resistência. A larga magnitude das erupções ocorridas entre 135 e 115 milhões de anos atrás, na passagem Juro/Cretácea no Mesozóico (FODOR et. al., 1989; RENNE et. al., 1992; BRYAN et. al., 2010) foi capaz de gerar diferentes pulsos de extravasamentos de rochas básicas e, consequentemente, diferentes composições e estruturas. Quando comparamos o perfil longitudinal ao índice de declividade x extensão, fica nítida a relação entre estes parâmetros morfométricos e os knickpoints encontrados em campo (Figuras 1 e 2). Os valores encontrados pela aplicação do índice de gradiente revelam a presença de anomalias de 1a e 2a ordem – dos vinte e sete trechos mensurados, oito se apresentaram como de 1ª e nove de 2ª ordem. Foi observada concentração de altos valores (acima de 10), no alto curso do rio Jacaré-Pepira, coincidentes as maiores rupturas de declive entre 810 e 700 metros. O gradiente de concentração dos valores mais elevados também se equivale a trechos do canal onde ocorrem substrato rochoso basálticos. Já as anomalias de 1ª ordem foram detectadas entre as altitudes de 700 a 640 metros e no trecho correspondente entre 540 e 500 metros e entre 460 e 440 metros de altitude. Na transição entre as Formações Pirambóia e Botucatu, constatou-se nova ruptura no perfil longitudinal, cujo índice RDE apontou para anomalias de 1ª e 2ª ordem, fato este que pode ter sido potencializado pela presença da Serra de Dourado e pelas rochas basálticas de sua porção basal e forma marcadora de ações tectônicas (ALMEIDA, 1964; CORREA, 2000). Segundo Etchebehere (2000), os valores de RDEtotal compreendidos entre o intervalo de 0 a 2 corresponderiam a segmentos em equilíbrio. Desta forma, com base nos segmentos identificados, o rio Jacaré-Pepira contaria com quatro segmentos em estádios de equilíbrio, rompidos por níveis de base efêmeros. Os vales encaixados e trechos em erosão, presentes ao longo do canal fluvial, confluem a ação litológica e a presença de lineamentos transversais ao canal, contribuindo para a regressão dos patamares por meio de processos erosivos remontantes. As origens de tais rupturas de declive estão diretamente associadas a características das rochas (fraturamento e diaclases) e possíveis movimentações crustais (abatimento de blocos). Como visualizadas in situ, a presença de juntas e diaclases foram determinantes para a ocorrência da formação destes patamares, confluindo para o complexo arranjo das rochas basálticas na Bacia Sedimentar do Paraná e, consequentemente, na bacia do rio Jacaré-Pepira.

Perfil longitudinal do rio Jacaré Pepira (SP)

Relação entre o perfil longitudinal e suas rupturas de declive com os índices de gradiente calculados.

Índices de Gradiente do rio Jacaré Pepira (SP)

Valores individualizados dos diferentes segmentos analisados ao longo do rio Jacaré-Pepira (SP)

Conclusões

A identificação de patamares ao longo do curso do canal fluvial do rio Jacaré- Pepira explana as relações diretas entre a morfodinâmica do rio e seus constituintes lito-estruturais. A utilização dos parâmetros morfométricos aqui dispostos se mostrou capaz de identificar e associar o arcabouço geológico à dinâmica evolutiva do rio. As anomalias de 1ª e 2ª ordem forneceram base para a discussão dos processos – erosão, arranque e abrasão –, da relação com o substrato geológico, e apontamentos para identificação de lineamentos e sua influência na formação destas rupturas de declive. Assim, o perfil longitudinal e o índice RDE, associados aos trabalhos de campo e demais dados (cartas topográficas, imagens orbitais e não-orbitais), contribuem para as discussões geomorfológicas a cerca da evolução do reverso das cuestas arenito-basálticas ao longo do tempo da natureza.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento da pesquisa (2013/24885-1).

Referências

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