O uso de matrizes hexagonais para análise de mudanças em métricas fluviais

Autores

Pimenta, M.L.F. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO) ; Vicens, R.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Cruz, C.B.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO)

Resumo

O presente trabalho objetiva expor uma metodologia de análise métrica da paisagem fluvial de forma inovadora, através da utilização de matrizes hexagonais em Sistemas de Informações Geográficas, as quais permitem discretizar o espaço e comparar o tempo com base em múltiplos critérios de acordo com os dados inseridos e o objetivo do estudo, permitindo sintetizar informações e sistematizar índices.

Palavras chaves

índices morfométricos; multitemporalidade; geotecnologias

Introdução

Impactos humanos em sistemas fluviais comumente levam à simplificação da sua estrutura física e geomorfológica, a qual é reconhecida como um indicador de sua saúde e do seu potencial à diversidade da biota. O uso de índices para mensurar a variabilidade e as mudanças na diversidade, ao invés de expô-las através de condições médias, permite que se supere o dominante ‘estudo de caso’ na Geomorfologia Fluvial e compare-se estados entre bacias hidrográficas (Bartley e Rutherfurd, 2005). A investigação nas mudanças desses sistemas requer um método rigoroso de mensuração da variabilidade morfológica; neste sentido, existem algumas técnicas disponíveis, embora muitas delas sejam aplicáveis somente a organismos particulares ou ambientes específicos. Este tipo de estudo também é dificultado pela falta de materiais e ferramentas que mensurem a heterogeneidade espaço- temporal - para além das clássicas considerações acerca dos fluxos fluviais - e considerem a escala de análise (ibid.). Neste sentido, uma abordagem conveniente para representar fenômenos espaço- temporais é a modelagem cartográfica utilizando Sistemas de Informações Cartográficas (SIG); neles, a sobreposição de mapeamentos e combinações de atributos permitem acompanhar as mudanças na paisagem e estão se tornando predominantes na gestão de recursos. Diversos métodos de quantificação vem surgindo recentemente para expressar padrões de formas de relevo em sistemas fluviais, através de variáveis morfológicas e ecológicas (Greco et al., 2007). Sendo assim, o presente estudo objetiva expor uma metodologia de análise por matriz hexagonal em Geomorfologia, especificamente de índices morfométricos da paisagem fluvial. O uso desse método, embora a maior parte da literatura aponte sua indicação para pesquisas de âmbito ambiental, é tradicional na Ecologia, sendo essa a principal justificativa do ineditismo dessa aplicação no presente estudo, fazendo-o sobressair das publicações anteriores.

Material e métodos

Foi adotada como área de estudo a planície aluvial da bacia hidrográfica do Alto Rio São João, com aproximadamente 600 Km², localizada na região das Baixadas Litorâneas do estado do Rio de Janeiro. Essa área teve suas paisagens intensamente modificadas com desmatamentos do bioma originário Mata Atlântica e, a partir dos anos de 1960, com obras higienicistas para drená-las através da retificação de seus principais canais fluviais, realizadas pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento. Em uma perspectiva multitemporal, estabeleceram-se critérios de avaliação da estrutura da paisagem em diferentes cenários: pré-distúrbio e atual, utilizando-se de indicadores morfométricos, através de análises espaciais em SIG. Com objetivo de espacializar os índices morfométricos para facilitar a leitura e compreensão dos fenômenos, optou-se pela representação cartográfica anamorfose, e tomou-se uma metodologia amplamente utilizada em análises ecológicas, conforme Birch et al. (2000), que utiliza matrizes hexagonais como forma de integração de dados. A forma do hexágono foi adotada por apresentar inúmeras vantagens: espaçamento mais regular que uma rede de quadrados de igual densidade; perímetro menor que um quadrado de igual área; uma malha que fornece mais limites (seis adjacentes em posições simetricamente equivalentes e sem diferenciação entre vizinhos diagonais e ortogonais); processamento otimizado de diversos cálculos. Para gerar a matriz hexagonal, utilizou-se a extensão 'Patch Analyst 5’ para ArcGIS 10 desenvolvida pelo Spatial Ecology Program do Centre for Northern Forest Ecosystem Research, com suporte de programação da Thunder Bay Geomatics Service Centre e apoio do Ministry of Natural Resources de Ontario, Canadá (REMPEL et al., 2012). Esta extensão é um sistema que facilita análises espaciais na paisagem, além de modelagem de atributos, e sua ferramenta ‘Make Hexagon Regions’ cria uma nova camada de polígonos que sobrepõe as extensões da área de estudo.

Resultado e discussão

A dificuldade de seccionar um sistema homogêneo nos aspectos morfopedogenéticos como uma planície aluvial levou à busca de uma forma de representação espacial que a subdividisse de maneira matemática e objetiva. Neste sentido, se destaca a utilização de matrizes hexagonais pela potencialidade da conectividade e da síntese dos dados, além do apelo visual-comunicativo; tais vantagens vem incentivando seu uso em estudos de impactos ambientais, possibilitando a interseção de dados de diferentes escalas e contribuindo para o recorte em amostras padronizadas, onde cada célula é uma unidade espacial representativa e discreta. As células hexagonais podem ser cruzadas com temas e tamanhos variados em estudos multidisciplinares e multiescalares, sendo a forma mais próxima de um círculo e portanto minimiza os efeitos de borda artificiais. A determinação do tamanho dos hexágonos é uma importante etapa, já que é influenciada pela escala de análise do estudo, de apreensão do fenômeno e sua precisão gráfica, além da própria natureza da análise, e reflete diretamente nos resultados da pesquisa, já que a percepção dos padrões espaciais é altamente dependente desta definição. Para eleger uma matriz que fosse representativa para a área da planície do Alto Rio São João e suas redes de drenagem atual e pretérita, foram utilizados critérios baseados na variação dos dados disponíveis, privilegiando medidas que favorecessem sua integração, assim como a sua representatividade como unidade espacial de análise da paisagem. O tamanho desta célula é uma etapa que necessita de muita atenção, já que pode comprometer todo o resultado da pesquisa; isto é, ela não pode ser generalista nem minimalista em excesso. Os testes realizados (Fig. 1) mostraram que matrizes com hexágonos de 5 ha recortavam de forma exagerada a área de estudo, e não privilegiavam a complexidade dos dados que iriam gravar; enquanto que com 30 ha já mesclavam em demasiado as distinções no interior de cada uma delas. Sendo assim, foram considerados satisfatórios hexágonos entre 10 e 15 ha, sendo que nesta pesquisa adotou-se o maior tamanho por entender que os índices consideram a densidade e unidades muito pequenas não seriam suficientemente representativas. A partir desta decisão, em uma plataforma SIG, passou-se a implementar rotinas de intersecção dos dados – redes de drenagem atual e pretérita e a delimitação da planície aluvial - e de seu tratamento – simplificações e correções topológicas - com o vetor da matriz hexagonal. Esta operação foi executada por meio da ferramenta Intersect do Analysis Tools do ArcGIS 10.1, que é responsável por unir espacialmente camadas distintas preservando todos os atributos de cada uma delas, qual foi essencial para realizar posteriormente as operações de divisão no cálculo dos índices morfométricos. Diante disso, cada trecho da área de estudo passou a pertencer a um hexágono e assim possuir um código identificador a ele relacionado dentro da matriz, o que permitiu posteriormente a comparação espacial entre datas distintas e também a síntese das próprias métricas dentro de cada célula. Sendo assim, foram calculadas as geometrias das feições (Calculate Geometry) e então os índices por operações na tabela de atributos através da Field Calculator, correspondente a cada registro do novo elemento geográfico gerado. Através de sua espacialização (Fig. 2), puderam-se notar proeminentes alterações nas redes de drenagem mapeadas em dois momentos considerados, o que era esperado frente às obras de retificações na bacia. É bastante visível que na década de 1970 não só havia áreas com condições distintas como estas espalhavam-se por toda a planície aluvial do Alto Rio São João, enquanto que em 2010 sobressaem canais retilíneos pela maior parte da bacia de drenagem e os remanescentes curvilíneos reúnem-se sobretudo nos vales intramontanos e na porção mais a montante onde a planície se afunila, evidenciando um possível limite nos quais a canalização não atingiu.

Figura 1

Matrizes hexagonais calculadas para a área de estudo com 5 ha (A) e 30 ha (B).

Figura 2

Exemplo do índice de sinuosidade: 1970 (A) e 2010 (B). Legenda gradativa: até 1.00, 1.00-1.30, 1.30 a 1.50, até 5.00, ausência de canais.

Conclusões

O uso do SIG foi absolutamente necessário para tratar e manipular as informações dos dois momentos da planície aluvial do Alto Rio São João de forma precisa e eficiente, realizando operações de interseções e cálculos em atributos para que se pudessem gerar os cálculos de cada índice morfométrico em cada data analisada. Sendo possível checar por análise visual-qualitativa tipos de mudanças distintas em algumas porções da área estudada, a simples média dos índices morfométricos não retraria toda sua complexidade. Sendo assim, a opção por seccioná-la em unidades hexagonais, dentro das quais seriam calculadas as métricas, e espacializar em uma matriz os resultados encontrados, possibilitou sínteses e comparações entre as informações. A matriz hexagonal de 15 ha foi a que melhor se adequou à disposição dos dados que seriam nela utilizados e ao tamanho e desenho da área de estudo, sendo então tomada como representativa do fenômeno que se pretendeu cartografar.

Agradecimentos

Referências

Bartley, R.; Rutherfurd, I. Measuring the reach-scale geomorphic diversity of streams: application to a stream disturbed by a sediment slug. River Res. Appl. 21, 2005. p. 39–59.

Birch, C. P. D.; Oom, S. P.; Beecham, J. A. Rectangular and hexagonal grids used for observation, experiment and simulation in ecology. Ecological Modelling 206 (3-4), 2000. p. 347-359.

Greco, S. E.; Premier, A. K.; Larsen, E. W. A tool for tracking floodplain age land surface patterns on a large meandering river with applications for ecological planning and restoration design. Landscape Urban Plann., 81 (4), 2007. p.354-373.

Rempel, R. S.; Kaukinen, D.; Carr, A. P. Patch Analyst and Patch Grid. Ontario Ministry of Natural Resources. Thunder Bay, Ontario: Centre for Northern Forest Ecosystem Research, 2012.


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