AS COURAÇAS E SEU PAPEL NO ESTUDO DA EVOLUÇÃO DO RELEVO, EM MARACAÍ/SP

Autores

Alves, G.B. (USP) ; Queiroz Neto, J.P. (USP) ; Nakashima, M.R. (USP) ; Silva, J.P. (IBGE)

Resumo

O objetivo deste artigo é mostrar o papel das couraças como indicador da evolução do relevo, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da rede de drenagem. As couraças ferruginosas teriam sido formadas concomitantemente às depressões fechadas, e com o rebaixamento do nível de base foram expostas. Atualmente, a maioria das couraças observadas está em áreas de depressões que foram capturadas pela rede de drenagem, constituindo-se como registros da evolução do relevo.

Palavras chaves

Laterita; Acumulações Ferruginosas; Lagoas

Introdução

O compartimento Três Cantos, em Maracaí/SP, é um platô na margem do rio Paranapanema, com relevo ondulado a fracamente ondulado, apresenta várias depressões na sua parte cimeira (ALVES, 2010). A cobertura pedológica é constituída por solos vermelhos e vermelho-amarelos, de textura média a argilosa, que, no entanto, são incompatíveis com os registros dos mapas geológicos que indicam apenas basaltos da Form. Serra Geral. A formação e evolução das depressões resultam da evolução dos solos por processos de dissolução geoquímica, assim como também proposto por Rosolen e Herpin (2008) e Filizola (1993). Para Uagoda et al. (2009), Queiroz Neto (2010) e Alves et al. (2012), essas depressões constituiriam um estágio inicial da formação da rede hidrográfica. Estes processos também levaram à formação das couraças ferruginosas que, conforme Millot (1964), ocorreriam pela acumulação de ferro na baixa vertente. O ferro seria liberado na estação úmida sob a forma reduzida, por hidrólise, ação de microrganismos e complexação por ácidos húmicos, e migraria em pseudo-solução com a água do solo. Após sua liberação, ocorria a imobilização por oxidação (estação seca) e acumulação nas partes mais baixas, em geral na zona de oscilação do lençol freático. Segundo Maignien (1954), sua exposição na superfície causaria seu endurecimento. Thomas (1974) considera que as couraças só se tornam importantes para a Geomorfologia quando expostas, tornando-se endurecidas, aparecendo sua influência nas formas de relevo. Para Penteado (1974) as couraças alteram a circulação das soluções do solo e podem levar a inversões do relevo, além de serem referenciais para paleossolos. Este artigo é parte do doutorado da 1ª autora que teve como objetivo estudar a relação entre a formação e evolução das depressões fechadas, dos solos, das couraças e do relevo da área. As observações das couraças no Três Cantos levou- nos a refletir a importância geomorfológica destas na interpretação da evolução do relevo na área.

Material e métodos

Inicialmente, a partir de fotografia aéreas na escala 1:25.000, elaboramos um mapa morfológico (Figura 1), apresentado parcialmente por Alves et al. (2012), no qual foram registradas as formas do relevo incluindo as depressões, presença de cornijas e afloramentos de rochas e de couraças ferruginosas. O controle de campo teve a finalidade de procurar os indicadores dos materiais de origem dos solos, identificar os solos, especialmente nas áreas circundantes das lagoas e no seu interior e próximos aos afloramentos, bem como identificar a natureza das couraças ferruginosas e do basalto. Apresentaremos aqui apenas a parte referente à presença e papel das couraças na evolução do relevo. A partir da etapa descrita acima, foi escolhida a depressão da lagoa Mandacarú, onde foram levantadas duas topossequências em margens opostas, que denominamos Mandacarú e Grevílea (Figuras 1 e 2). Utilizamos o procedimento proposto por Boulet et al (1982) para o estudo e representação dessas coberturas pedológicas, que permitiu identificar a sequência de horizontes verticais e laterais dos solos, a presença da couraça em degradação na Mandacarú e a presença de concreções ferruginosas na Grevílea no nível do lençol freático. Depois da realização desse mapa morfológico e das duas topossequências, foram estabelecidas outras, nas vertentes com afloramento de couraças, para estudo das suas relações com o relevo e os solos, tendo como exemplo as vertentes do córrego Água Grande (Figuras 1 e 2).

Resultado e discussão

O platô possui solos vermelho-amarelos na parte central (Figura 1), área em que se concentram as depressões fechadas. As vertentes são longas, tendendo à retilíneas nas áreas de solos vermelho-amarelos (Figura 2, sequência Grevílea), sendo convexas nas áreas de solos vermelhos (Figura 2, sequência Mandacarú) As diferenças entre elas, porém, são sutis: as vertentes com afloramentos de couraças são convexas e possuem cornija, e tornando-se côncavas ou retilíneas nas suas porções inferiores (Figura 2, Água Grande). Os canais de drenagem que entalham o platô apresentam basaltos em seus leitos ou na baixa vertente, que às vezes servem de sustentação às couraças ou cascalheiras, estando normalmente abaixo da cota de 320m. As cascalheiras maiores, na margem do Paranapanema, estão cerca de 40m acima do nível do rio. Os afloramentos de couraça são bastante escuros, ocorrendo na média/baixa vertente, como indicam os perfis da Água Grande (Figura 2), apresentando maior resistência ao intemperismo e à erosão. Estão associados a solos vermelhos com pisolitos na superfície, ocorrem a cerca de 320m de altitude, estando relacionados a canais de primeira ordem com cabeceiras amplas. No córrego Água Grande ocorrem dois afloramentos de couraça no mesmo nível, indicando o entalhamento pela incisão fluvial. Condição similar, porém com afloramentos de basalto, foi encontrada no córrego da Anta, na sua ligação com a lagoa das Tilápias. Os dois exemplos apontam para incisões decorrentes de rebaixamento homólogo dos níveis de base. As couraças ocorrem em áreas de afloramentos de basalto, que às vezes possuem camadas finas de arenito silicificado (intertrap), e também em áreas de solos de textura média. Os grãos de areia destes (quartzo) são de tamanho e formatos variados, levando a crer que sejam provenientes do retrabalhamento de solos originados de basalto e de arenito, tanto da Formação Botucatu, quanto do Grupo Bauru. A topossequência Mandacaru está assentada sobre basalto (Figura 2), que aparece alterado, como uma massa argilosa acinzentada na base jusante da trincheira, abaixo da couraça. A couraça em degradação mostra duas frentes de transformação: uma remontante lateral, acompanhando a vertente, formando Argissolos amarelos ou acinzentados; a outra frente é vertical e transforma a couraça em Latossolo vermelho-amarelo, que se torna mais profundo vertente acima. Na topossequência Grevílea esses horizontes também aparecem, mas, aqui, a couraça está muito mais alterada (Figura 2) e o lençol freático aparece em nível mais elevado do que na Mandacarú. Os solos são mais arenosos e apresentam em profundidade um horizonte mosqueado contendo pisolitos e algumas concreções. Nesse caso, a perda de matéria teria sido mais uniforme em toda a vertente, levando ao seu rebaixamento, que passou a mostrar forma retilínea. A posição das couraças é similar nas duas topossequências, indicando que a degradação se dá em ambiente hidromórfico e cessaria pela sua exposição na superfície, como se observa na baixa vertente da ponta da Lagoa Mandacaru (Figura 2), na direção da água da Galvoa, onde ela aflora. Na margem da Lagoa Mandacaru ela aparece no interior da cobertura pedológica, até uma ruptura de declive convexa, nítida (Figura 2), que mostra que a perda de matéria pela evolução pedológica levou ao aprofundamento do nível de base, formando um degrau e um colo, em direção à água da Galvoa, mudando o perfil da vertente.

Figura 1

Mapa morfológico do compartimento Três Cantos, com indicação dos perfis topográficos e topossequências.

Figura 2

Perfis topográficos e topossequências.

Conclusões

As couraças se formam na base das vertentes por acumulação de ferro no nível do lençol, em um clima pretérito quente e úmido. Posteriormente, em ambiente hidromórfico, transformam-se principalmente por perda de ferro, em Argissolos e Glei, à jusante, e em Latossolos, à montante. As couraças que ocorrem em altura análoga em margens opostas de canais de drenagem indicam o rebaixamento do nível de base, que permitiu a incisão da rede hidrográfica após o encouraçamento. Esse rebaixamento, testemunhado também pelas cascalheiras ao longo do Paranapanema, provocou modificações nos perfis das vertentes. A exposição provocou seu endurecimento, permitindo sua permanência na paisagem, marcando assim o perfil anterior das vertentes. No interior dos solos, em ambiente hidromórfico, estão em fase de degradação. Assim, as couraças são indicadoras de eventos recentes da evolução geomorfológica do relevo e os efeitos de sua presença vão além do que Thomas (1974) e Penteado (1974) assinalaram.

Agradecimentos

À FAPESP pela bolsa de estudos concedida para a primeira autora (FAPESP 2011/ 00531-0). Ao Grupo Nostradamos pelo apoio recebido durante o desenvolvimento deste trabalho.

Referências

ALVES, GB. O estado atual dos sistemas pedológicos no município de Maracaí/SP. Dissertação (Mestrado). Pós-Graduação em Geografia, UEM, Maringá, 2010. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/259308194_O_perfil_cultural_nos_principais_sistemas_pedolgicos_do_municpio_de_MaracaSP?ev=prf_pub>. Acesso em: 13/06/2014.
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