DINÂMICA DE VERTENTE: EVIDÊNCIAS A PARTIR DA CARACTERIZAÇÃO DAS COBERTURAS SUPERFICIAIS - GOUVEIA - SERRA DO ESPINHAÇO MERIDIONAL - MG

Autores

Amorim, M.A.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Augustin, C.H.R.R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Messias, R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS)

Resumo

Esse trabalho tem como objetivo contribuir para uma melhor compreensão da dinâmica de vertentes a partir da análise das coberturas superficiais. A vertente está localizada na bacia do Ribeirão do Chiqueiro, Depressão de Gouveia/MG. Foram utilizadas análises do gradiente topográfico, granulométricas e química das geocoberturas. Os resultados mostram a vertente com tendência ao equilíbrio dinâmico nos porções menos declivosas e ao desequilíbrio, nas áreas de retrabalhamento por erosão.

Palavras chaves

Dinâmica de vertente; Bacia de drenagem; Cobertura superficial

Introdução

Trata-se do estudo da evolução de uma vertente, tendo como base a análise da sua forma e os materiais encontrados em sua superfície. Denominados de coberturas superficiais esses materiais são produtos dos intemperismos físicos e geoquímicos e em alguns casos da deposição da erosão superficial (AUGUSTIN, 1995; BARBOSA & AUGUSTIN, 2000; ARANHA, 2002; MESSIAS et al. 2013). A dinâmica da vertente foi analisada na perspectiva do seu gradiente, uma vez que nenhum outro atributo da vertente relaciona-se tão diretamente um com o outro (FURLEY, 1971; AUGUSTIN, 1979). Esse procedimento permite a identificação de uma unidade taxonômica denominada Sítio Geomorfológico (SG) que é definido por Augustin (1985) como: “unidades da vertente que morfologicamente apresentam uniformidade interna, e são externamente delimitadas por descontinuidades de gradientes”. Originalmente utilizado por WRIGHT (1973) e empregado por AUGUSTIN (1979) o SG permite estabelecer uma referência espacial na vertente na qual vários atributos podem ser observados medidos e analisados. O SG é utilizado neste estudo para a identificação da forma da vertente, declividade, análise das evidências da ocorrência de processos de escoamento por runoff bem como para o levantamento e a caracterização física e química das coberturas superficiais. O objetivo contribuir para uma melhor compreensão da dinâmica de vertentes a partir da análise das coberturas superficiais. A área de estudo localiza-se na bacia do ribeirão Chiqueiro, na Depressão de Gouveia, Serra do Espinhaço – MG, entre as coordenadas 18º28’54,15”S/43º45’58,29”W e 18º28’54,07”S/43º45’49,7”W. O relevo é formado por colinas desenvolvidas sobre rochas granito-gnáissicas-migmatíticas do Complexo Gouveia. Este tipo de abordagem abre perspectivas de análise sobre a dinâmica de vertentes em escala de detalhe com possibilidades importantes de aplicação para estudos detalhados de uso e ocupação da terra.

Material e métodos

Para a identificação dos pontos de amostragem foi realizado um transecto do topo até a base da vertente (Fig. 1). Com base nas medidas de declividade tiradas com o auxílio de um clinômetro Suunto de leitura direta a distâncias regulares de 20m, marcadas por balizas de 2m, foram identificados os sítios geomorfológicos (SG), seguindo metodologia de Wright (1973), aplicada por Augustin (1979; 1995). Foram ainda identificadas a localização dos SG, com GPS Garmim Montana 650, trena a laser Leica DISTO D5, e o azimute do transecto, com uma bússola Suunto. Em cada sítio foram abertos perfis, e suas coberturas descritas seguindo parcialmente os procedimentos de Lemos & Santos (1996). Em porções com influência do canal fluvial utilizou-se descrição estratigráfica das geocoberturas. Análises granulométrica e química de rotina foram realizadas no laboratório de Geomorfologia, do Departamento de Geografia do IGC-UFMG, segundo métodos da EMBRAPA (1997). A granulometria foi feita utilizando o método da pipeta. As amostras foram dispersas em uma solução de NaOH 0,1 mol L e agitadas em uma rotação de 14000 rpm por 15 minutos. A separação da fração areia foi feita por peneiramento úmido (malha de 0,053 mm). A fração argila foi separada por velocidade de sedimentação (Lei de Stokes) e a fração silte, determinada por diferença. A partir dos dados de granulometria, foram calculados os valores das relações Areia Fina/Areia Grossa, silte/argila, e o valor de uniformidade. A medição do pH foi feita em água e em KCl (cloreto de potássio)1 mol L-1. O valor de ∆pH foi obtido através do cálculo: pH KCl - pH H2O. Cálcio, Magnésio e Alumínio trocáveis também foram determinados. Os cátions Ca2+ e Mg2+ foram extraídos com solução KCl 1 mol L-1, e o K+ com extrator Mehlich 1. Após a obtenção desses dados foi calculado o valor da Soma de Bases (SB), Capacidade de Troca Catiônica (CTC) e atividade da argila (CTC argila).

Resultado e discussão

A vertente analisada apresenta feições côncavas e retilíneas distribuídas em 340m de extensão e 19m de desnível do topo até a base. Foram identificados três sítios geomorfológicos: o SG1 com 120m de extensão e declividade média de 4º9’; o SG2 com 80m e declividade média de 5º24’; e o SG3 com extensão de 140m e declividade média de 5º54’. Nos perfis dos SG2 e SG3, há a presença de fragmentos pequenos (1,5mm diâmetro) de carvão, misturados ao solo indicando que a cobertura vegetal da área passou por queimada em anos recentes. Em praticamente todos os perfis, exceto no horizonte A do SG1, ocorrem grãos de quartzo (1,5mm) distribuídos de forma uniforme em todos os horizontes. Os resultados da granulometria (Tab. 1) apontam que o SG1 possui maior teor de argila média entre os três perfis (SG1: 372,5 g/Kg; SG2: 165,5; e SG3: 246,5 g/Kg). Os valores mais elevados de silte ocorrem no SG2 (de 328,0 g/Kg) coincidindo também com os mais elevados teores de areia entre os perfis analisados (SG3: 307,24 g/Kg; SG1: 253,25g/Kg). Embora a quantidade de areia seja maior no SG2, é possível observar que esta predomina em todos os perfis (Tab. 1). Os valores mais elevados de silte nas coberturas do SG2 e SG3 indicam tratar-se de material superficial provavelmente mais recente. Esta interpretação é reforçada pelo fato de que a relação AF/AG (Tab. 1) não mostra indícios de descontinuidade do material de origem, mantendo variações discretas nos perfis. As maiores variações laterais ocorreram no SG3, área com declividades mais acentuadas (Fig. 1) onde os processos tendem a ser mais pronunciados, sendo responsáveis pela retirada da areia fina e muito fina, deixando as frações mais grossas o que explicaria o aumento desta fração. A relação silte/argila apresenta seus menores valores no SG1, indicando coberturas altamente intemperizadas (Fig. 1; Tab. 1). Esse índice é maior nas coberturas dos SG2 e SG3, sugerindo que a média e baixa vertente estejam passando por um processo de retrabalhamento dos materiais superficiais. A Tabela 1 também mostra que os perfis contam com acidez média (segundo classificação de CFSEMG, 1999, medidos em água) com valores de pH entre o 5,06 e 6,12. Estes valores comparados com os de KCl não apresentaram variações significativas, com exceção do horizonte superficial do SG2, que apresentou pH em água de 6,12, indicando uma maior presença de cátions (Ca++, Mg++ e K+) nos horizontes superficiais (Tab. 1). Esse alto teor de cátions pode estar relacionado não só a dinâmica natural, mas também ao tipo de uso e ocupação a que a área está submetida. A presença de carvão nos primeiros centímetros das coberturas evidencia que a vertente teve sua vegetação queimada, prática de uso recorrente que, em curto prazo, aumenta a quantidade de nutrientes, que antes estavam estocados na fitomassa das coberturas. O ∆pH indica predominância de carga negativa, embora as cargas do SG1 sejam ligeiramente menos eletronegativas que a dos outros SG (Tab. 1). Com relação às bases trocáveis pode-se observar que: os teores de e K+ foram baixos nos perfis SG1 e SG3, e muito baixa no perfil SG2; já os valores de Ca2+ foram considerados muito baixos no perfil SG1 e baixos nos dos SG2 e SG3; enquanto o conteúdo de Mg2 foi muito baixo nos SG1 e SG3, e baixo no SG2 (Tab. 1). A capacidade de troca catiônica do complexo sortivo (Tab. 1) é maior nos SG2 (9,25 cmol/dm3 e 4,58 cmol/dm3) e no e SG3 (4,24 cmol/dm3) localizados respectivamente na média e baixa vertente e mais baixo no SG3 (2,29cmol/dm3). Da mesma maneira, os valores do CTC da argila são maiores no SG2 (59, 7 e 22,1 cmol/dm3) e no SG3 (20,5 cmol/dm3) do que no SG1 (2,29 cmol/dm3), indicando a ocorrência de material mais alterado no topo, com retrabalhamento na meia e baixa vertente. Os resultados da análise granulométrica, bem como os da análise química dos materiais superficiais são indicativos, portanto, do caráter mais recente do material da média e baixa vertentes.

Tabela 1

Resultados das análises de granulometria e química.

Figura 1

Perfil longitudinal, sítios geomorfológicos e perfis estratigráficos da vertente analisada.

Conclusões

As características granulométricas mostram que a vertente estudada é marcada pela predominância de geocoberturas arenosas, em detrimento das outras frações granulométricas. Os dados texturais mostram que as coberturas localizadas no SG1 são mais intemperizadas, sendo, portanto mais antigas, evidenciando maior equilíbrio do topo em relação aos outros setores da vertente. Os SG2 e SG3 demonstram uma dinâmica mais acentuada, com coberturas menos intemperizadas. As características da área de estudo e a espessura relativamente grande dos perfis, mostram que, em termos de evolução, as coberturas em questão são possivelmente antigas. No entanto, àquelas situadas em áreas com maior gradiente na vertente estão sendo retrabalhadas. Assim, a declividade está exercendo papel preponderante na evolução das coberturas. A retirada do sopé da vertente para a pavimentação, e conseqüente quebra do equilíbrio local, pode ser um dos motivos que levaram a essa reativação erosiva nas suas porções inferiores.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo financiamento da pesquisa que originou este trabalho, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsas de pesquisa e ao Laboratório de Geomorfologia do Departamento de Geografia, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, pela realização das análises granulométricas.

Referências

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