A PESQUISA PARTICIPANTE NO ENSINO DE NOÇÕES GEOMORFOLOGICAS - UMA EXPERIÊNCIA NO ALTO RIO NEGRO POLÓ NHENGATU - CUCUÍ/SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA - AM

Autores

Muniz, L. (UFAM) ; Faria, I. (UFAM)

Resumo

Este trabalho é o relato de uma prática investigativa da Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável ministrada no Pólo de Cucuí - Turma: Nheengatu em São Gabriel da Cachoeira/AM. Com o currículo pós-feito partiu-se da problemática “A Água do Rio Negro é potável?” levantada pelos alunos na realização do mapa conceitual que veio a nortear as discussões durante as aulas. Nesta perspectiva o aluno reconheceu e construiu vários conceitos identificados na Geomorfologia.

Palavras chaves

pesquisa-participante; geomorfologia; ensino

Introdução

Na tentativa de garantir uma educação superior diferenciada para os povos indígenas foi criado o curso de Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável baseado no ensino via pesquisa. O qual parte do pressuposto de que a ciência nasce da pesquisa, o curso não oferece disciplina e sim práticas investigativas. Portanto o professor deve criar um plano de trabalho em cima do mapa conceitual elaborado previamente pelos alunos. Em meio a uma proposta metodológica inovadora de ensino. Este trabalho é resultado da experiência da prática investigativa da Turma Nheengatu, realizada no período de 01 a 06 de julho de 2013(60 horas), realizado na comunidade de Cucuí em São Gabriel da Cachoeira. O mapa conceitual partia de perguntas chave como “Quais as principais reservas de Água doce do Brasil e do Mundo? E a problemática central era “A Àgua do Rio Negra é potável?”. Mas como responder uma pergunta sem ter a base de conceitos, a turma de 26 estudantes de diversas etnias como Tukano, Baniwa, Baré e Werekena todos falantes da língua de instrução do polo (Nheengatu), já tinham contato com o sistema de ensino em suas comunidades, a maioria já eram professores de ensino fundamental e de séries iniciais, e supreendentemente já percebiam os processos geomorfológicos na natureza. Sem neglicenciar o saber já produzido, foram trabalhados os autores clássicos da Geomorfologia como textos de referência, mas o conhecimento empírico foi muito importante para a compreensão, construção e definição das características geomorfológicas.

Material e métodos

A metodologia do curso é o ensino via pesquisa e currículo pós-feito. Desta forma, o professor cria o plano de trabalho de acordo com o mapa conceitual elaborado com a turma sobre a pesquisa que está sendo desenvolvida. O plano deve contribuir para as discussões, interpretação e organização da pesquisa. Foram realizadas as práticas investigativas, as quais se dividiram em atividades práticas e teóricas em grupo e individual. A forma de avaliação é sociointerativa cujo resultado pode ser trabalhos coletivos escritos, audiovisuais, metodologias na língua indígena de instrução do polo (Nheengatu), e na Língua Portuguesa (língua 2). A meta era conseguir responder as questões que envolviam temáticas da Geomorfologia fluvial e Hidrologia no mapa conceitual, como resultados deste trabalho o produto final construído foi um atlas o qual foi denominado de Rãgaitá.

Resultado e discussão

O ensino via pesquisa parte do pressuposto que “a atividade básica da ciência é a pesquisa” (DEMO, 2008, p. 15), pois o conhecimento se constrói não se transmite, na tentativa de afirmar um ser humano capaz de mudar o seu destino. No primeiro contato com a turma. Verificou-se o perfil dos alunos que em sua maioria já são professores em suas comunidades. Foram realizadas perguntas como: Quais os problemas enfrentados nas comunidades? Quais seriam as estratégias para melhorar a educação em sua comunidade? E o que esperavam da prática investigativa como profissionais? Esta etapa é denominada de diagnóstico, um instrumento da pesquisa participante na respectiva de não adotar modelos de pesquisa prontos copiados de outras realidades. O que é denominado segundo Santos (2010) de “descolonização do saber” este ato nos motiva a confrontar o pensamento dominante do capitalismo neoliberal e não aceitar reprodução do conhecimento ocidental em detrimento da diversidade do mundo. O relato dos alunos evidenciaram uma insatisfação com a falta de material didático na língua nativa, além de algo que se identificasse com a realidade local, com as características do ambiente vivido. A PP parte que o problema se origina na comunidade ou no próprio local de trabalho, a finalidade é a transformação estrutural e melhoria de vida dos envolvidos, envolve o povo local, conscientização de suas próprias habilidades e recursos e a capacidade de mobilização e organização e mesmo o treinamento especializado deve ser comprometido com a participação. A segunda etapa consistiu em verificar e rediscutir as pesquisas referentes às questões do mapa conceitual, pesquisadas durante o semestre. Na pesquisa participante o ensino não tem ordem direta, nem necessita de se partir do geral para o particular ou vice e versa. Os processos são suscitados por meio a curiosidade e necessidade do aluno em aprender. Portanto as aulas nem sempre seguiam sequencialmente as questões do mapa conceitual. Eram nesses momentos que cada equipe descobria um novo conceito a definir. A terceira fase da prática investigativa foi à elaboração das estratégias educativas. Uma destas estratégias foi à construção do “atlas da água” local, no qual foram reunidas representações produzidas pelos próprios alunos, como (figura 01A) do ciclo da água e a realizados tradução dos termos e definições do que fora aprendido durante as aulas. As representações foram surpreendentes, o entendimento a exemplo da bacia hidrográfica era muito coerente, inclusive com o relevo do Alto Rio Negro (figura 01B), onde os alunos desenham as serras ao entorno da bacia hidrográfica. Os conceitos mais elaborados também foram representados como os perfis longitudinais e transversais do rio (figura 02 A e B) e os termos de cheia, vazante, alto, médio e baixo curso também foram identificados. Porém, os grupos não inventavam os termos e definições, após as exposições diárias das equipes, estes foram extremamente discutidos até uma aceitação comum entre os alunos mediada pela professora. Até se chegar a textos unificados em língua portuguesa e em Nheengatu. De acordo com Demo (2008) estas discussões são entendidas como movimento processual incessante de desconstrução e reconstrução, é o centro do conhecimento, porque representa sua dinâmica mais própria e profunda.

Figura 01

Representação dos alunos do ciclo da água e bacia hidrográfica

Figura 02

Perfil Transversal e Longitudinal do Rio

Conclusões

Nesta ótica, o educador vem com o objetivo de conscientização com a crítica a realidade social, promovendo uma mobilização coletiva para transformação social, com revisão crítica da ação implementada, dos modelos prontos de aulas expositivas. A proposta é tentar compreender mediante a necessidade de aprendizagem do aluno. O aluno na prática investigativa não é mero expectador é construtor do conhecimento. Esta perspectiva, o ensino da Geomorfologia vai além dos limites desta, como ramo da Geografia Física, pois o indígena não concebe o homem longe do meio e muito menos deveria compreender o saber compartimentado. Apesar de não serem estudantes de Geografia vivenciaram muito mais os aspectos geográficos do que muitos geógrafos.

Agradecimentos

Adriana Miguel, Alcemir Gomes, Anderson Ferreira, Armindo Feliciano, Brasilino C. Piloto, Davi Cordeiro, Dime Liberato, Edison e Eliomar Gomes, Edvaldo Alberto Bernardo, Ely Valdivino, Empeneito Andrade, Euclides Campelo, Florêncio Silva, Hélio B. Garcia, Humberto Pereira, Joaquim Antônio, Jose Jordao Barbosa, Josefa Sabino, Josivaldo Idalmo, Jurandir Barreto, Leonisio Sena, Marinaldo Nascimento, Meraldino Silva, Nilo Gonçalves, Risolene Gomes, Rosilene Garrido, Rosilda Silva e Rosimira Eupídio

Referências

Demo, Pedro. Pesquisa participante: saber, pensar e intervir juntos. Brasília: Liber Livro Editora, 2º edição: 2008.140 p.
SANTOS, Boaventura de S. Descolonizar El Saber, Reinventar El Poder. Ed. Trilce Universidad de la República. Montevideo: Uruguay, 2010.


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