GEOMORFOLOGIA APLICADA À RECUPERAÇÃO DE ÁREAS ALTERADAS NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA: O ENTORNO DA FLORESTA NACIONAL DO JAMARI/RO

Autores

Bastos, A. (CENTRO DE ESTUDOS RIOTERRA) ; Passos, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Maniesi, V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA) ; Gomes, F. (CENTRO DE ESTUDOS RIOTERRA) ; Uchôa, L.F. (CENTRO DE ESTUDOS RIOTERRA)

Resumo

O processo de ocupação através de planos de colonização desenvolvidos pelo governo federal em Rondônia não observou a capacidade de suporte dos ambientes, causando elevação dos índices de desmatamento e degradação ambiental. Este trabalho teve como objetivo identificar aspectos geomofológicos do entorno da Floresta Nacional do Jamari/RO a partir do uso de geotecnologias como forma de subsidiar a seleção de áreas alteradas no entorno da unidade para fins de recuperação.

Palavras chaves

geomorfologia; erosão; recuperação de áreas

Introdução

A intensa ocupação da Amazônia, principalmente a partir da década de 70 (BECKER, 2005; THERY, 2005; QUINTSLR et al., 2011; KOHLHEPP, 2002) e os modos utilizados para conversão da floresta em áreas produtivas acarretaram problemas (FEARNSIDE, 1989) ligados a processos erosivos acelerados (CUNHA & GUERRA, 2006). Dentre estes, perda de solos e, consequentemente, assoreamento de rios. Os problemas socioambientais decorrentes de danos causados por atividades antrópicas suscitam a necessidade de se pensar o ordenamento territorial a partir da capacidade de suporte dos ambientes a fim de se evitar problemas como erosão em terras agricultáveis (LI & YEH, 2001). Os gastos atuais do Brasil no enfrentamento de problemas relacionados à erosão são da ordem R$ 9,3 bilhões anuais (SBPC, 2011). Há hoje na sociedade uma preocupação com o chamado desenvolvimento sustentável (SACHS, 2008) cuja premissa baseia-se na necessidade de conservação da qualidade ambiental como forma de garantir o aproveitamento máximo e duradouro de recursos naturais com mínimo de impactos negativos (SILVA, 2000), inclusive como fator de reprodução social (ROSS, 2009). A ocupação no entorno da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, Rondônia, representa um exemplo desta problemática. A carência de ações planejamento que visassem a proteção dos recursos e seus serviços ambientais resultaram em uma ocupação incompatível com as características físicas da área. O presente artigo demonstra a utilização de parâmetros geomorfológicos aplicados no apoio às ações de recuperação de áreas alteradas no entorno da Flona do Jamari. A área de estudo compreende a Flona do Jamari e uma faixa de 10 quilômetros em seu entorno, contados a partir da linha demarcatória oficial (MMA, 2000). A Flona do Jamari localiza-se no norte rondoniense (Figura 1). Está compreendida entre os meridianos 62º44’05" e 63º16’54" e paralelos 9º00’00" e 9º30’00" de latitude sul. Possui 223.086,27 hectares e foi criada pelo Decreto nº 90.224, de 25.09.1984.

Material e métodos

Foram utilizadas para a produção da pesquisa técnicas de geoprocessamento, sensoriamento remoto e o sistema de posicionamento global dadas as possibilidades de uma visão sinótica e multitemporal proporcionada por tais ferramentas (FLORENZANO, 2002) para uma área de dimensões como a da Flona do Jamari. Para identificação dos pontos a serem recuperados foram utilizadas as bases de dados RONDÔNIA (2002), IBGE (2007) e SIPAM (2010). Utilizou-se imagem de satélite Landsat 8 de 2013, cenas 231/66, 231/67, 232/66 e 232/67, composição de bandas RGB - 7, 5 e 3. Para o processamento da imagem utilizou-se o software ENVI 4.8 com o objetivo de identificar áreas desmatadas às margens de rios. Foram elaborados mapas temáticos de geomorfologia e rede de drenagem utilizando-se o software ArcGis/ESRI 10.2. As indicações de áreas desmatadas na imagem de satélite foram cruzadas com os mapas de geomorfologia e rede de drenagem. Os seguintes critérios foram utilizados para definição dos pontos selecionados como prioritários para recuperação de áreas: situar-se dentro dos limites da zona de amortecimento da unidade; gradientes de declividade e densidade da rede de drenagem, conectividade com outros fragmentos florestais. Em seguida foram realizados trabalhos de campo para reconhecimento da área, verificar os tipos de uso e ocupação do solo, detectar a amplitude do processo de degradação a as necessidades de cada área especificamente, identificar processos de erosão acelerada, reconhecimento in loco das unidades de relevo, validar as informações dos mapas temáticos e cartas imagens e marcar coordenadas para apoiar os trabalhos de espacialização de dados.

Resultado e discussão

Praticamente toda a área de estudo está situada no Domínio das Superfícies Aplainadas do Sul da Amazônia, conforme Figura 1, abaixo. Este, constitui o mais extenso domínio geomorfológico de Rondônia, ocupando toda a porção central do estado (RADAM, 1978; ADAMY, 2002 ). Essas extensas áreas são derivadas de prolongados eventos erosivos generalizados ao longo do Terciário tardio, 23-1.6 milhões de anos (SALGADO-LABORIAU, 1994). Também se caracterizam por notável estabilidade tectônica em escala regional (DANTAS & ADAMY, 2010). Apresentam cotas que variam entre 100 e 300 m e notabilizam-se pela ocorrência de extensas áreas aplainadas, levemente entalhadas pela rede de drenagem (RADAM, 1978), estando frequentemente recobertas por coberturas detritolateríticas parcialmente desnudadas, gerando baixos platôs lateríticos (ADAMY, 2002) como nas porções oeste e nordeste da área. Outra característica deste domínio de aplanamento regional é que por extensas áreas esta paisagem de superfícies aplainadas é interrompida e apresenta relevo do tipo colinoso de baixa amplitude que expõem um significativo número de feições residuais em meio as superfícies aplainadas, como inselbergs e pequenas cristas ou baixos alinhamentos de morrotes (DANTAS & ADAMY, 2010). FIGURA 1 As formas de relevo foram fundamentais para definição das áreas prioritárias para recuperação, uma vez que possuem papel importante na erodibilidade dos solos, sendo apontado por Roose (2010) como principal fator a ser considerado em avaliações sobre perda de solos. Outra questão fundamental nos processos de erosão acelerada são as formas de manejo. O manejo do solo é consequência da atividade do homem na sua forma de conduzir a exploração agrícola (COSTA & NUNES, 2007; ARAÚJO et al., 2007; TOLEDO et al., 2009; TRICART, 1977). No entorno da Flona do Jamari 95% das propriedades rurais trabalha com a bovinocultura (ALMEIDA SILVA et al., 2009). Muitas já não possuem água disponível para o gado por causa do assoreamento dos mananciais. Esse problema é agravado nas épocas de estiagem, pois muitos dos rios tornaram-se intermitentes devido a degradação por pecuária e pela crescente demanda dos recursos existentes. Verificou-se que os atuais processos de ocupação onde a pecuária tem se intensificado estão cada vez mais próximos do limite da UC elevando os índices de degradação, uma vez que as práticas de manejo são tradicionais. Não há técnicas conservacionistas envolvidas nos trabalhos de preparação das áreas. Os solos são expostos e transportadas para os rios por ação do vento e da chuva (SALOMÃO, 2005; GUERRA, 1990). Cerca de 42% das áreas no entorno da FLONA já foram desmatadas (GOMES et al., 2011) para atividades agropecuárias, conforme Figura 2, ocasionando impactos ambientais (DREW, 1986) à FLONA. FIGURA 2 O reflorestamento das matas ciliares contribui de maneira significativa para estabilidade dos ambientes hídricos (LIMA & ZAIKA, 2000), pois a cobertura vegetal situada nas áreas ciliares fornece um conjunto valioso de serviços ambientais, como a estabilidade das encostas e preservação da biodiversidade. Em locais onde a mata ciliar foi suprimida o entorno do corpo de água é alterado e as propriedades físico-químicas da água podem alterar-se (BARELLA et al., 2000). Essas alterações afetam diretamente as populações que estão de alguma maneira ligadas a esses corpos de água. Se tomarmos como exemplo o papel que as matas ciliares representam no combate à erosão veremos que ela reduz o acúmulo de sedimentos nos corpos de água à medida que serve de barreira para a água das chuvas que carregam sedimentos. Para as populações aquáticas isto pode representar desde um obstáculo para o suprimento de alimento até a interrupção do ciclo reprodutivo (AYRES, 1995; METZGER, 2003). Para uma comunidade rural o assoreamento pode representar em última instância a falta de água para suprir as suas necessidades e as de dessedentação animal, aliado a um custo crescente do tratamento de água.

Cartam Imagem Flona do Jamari

Carta Imagem da Flona do Jamari e seu entorno, ano de 2013.

Mpa de Localização e Geomorfologia da Flona do Jamari

Mapa de localização da área de estudo e sua estrutura geomorfológica com destaque para rede de drenagem.

Conclusões

O planejamento para uso e ocupação dos solos não levou em consideração a capacidade de suporte dos ambientes. O uso intenso de recursos naturais e a inobservância de aspectos legais, como desmatamento de matas ciliares levou a problemas ambientais como perda de solos e assoreamento de rios. Foram observados processos erosivos acelerados de proporções significativas, principalmente perda de solos e assoreamentos. As populações residentes no entorno adotam práticas que limitam cada vez mais a produtividade do solo, que já possui uma fertilidade natural baixa. São em sua maioria pequenos e médios agricultores, que não dispões de recursos para adotar tecnologias que os auxiliem na produção. Carecem de assistência técnica especializada. Aspectos geomorfológicos mostraram-se úteis para seleção e priorização de áreas a serem recuperadas em locais da Amazônia submetidos a intensa ocupação e atividades produtivas com potencial para degradar ambientes, como é o caso da pecuária extensiva.

Agradecimentos

Agradecemos aos produtores rurais que participam do processo de recuperação de suas áreas nesta perspectiva inovadora. As Universidades Federais de Rondônia/UNIR e do Paraná/UFPR e ao Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade/ICMBio, gestor da Flona do Jamari. À Petrobras através do Programa Petrobras Socioambiental pelo patrocínio ao projeto Semeando Sustentabilidade que viabilizou toda a pesquisa.

Referências

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