Potencial geoturístico em unidades de conservação: um estudo da trilha Cachoeira da Água Branca situada no Parque Estadual da Serra do Mar, município de Ubatuba-SP.

Autores

Jorge, M.C.O. (UFRJ) ; Pereira, L.S. (UFRJ) ; Guerra, A.J.T. (UFRJ) ; Moreira, R.P. (UFRJ)

Resumo

A trilha denominada Cachoeira da Água Branca, localizada na região sul do município de Ubatuba-SP, recebe destaque pela singularidade e exuberância da sua paisagem natural, as quais estão relacionadas aos aspectos geológicos e geomorfológicos. Visando subsidiar acerca do seu potencial para aproveitamento pelo geoturismo e estabelecer estratégias voltadas à conservação da trilha, o trabalho tem por objetivo a inventariação do patrimônio geológico, geomorfológico e pedológico da trilha, destacando os solos como um indicador de áreas degradadas e não degradadas

Palavras chaves

Geoturismo; Geomorfologia; Trilha

Introdução

Esse trabalho faz parte de um estudo mais amplo, tese de Doutorado, onde são analisadas cinco trilhas no sul de Ubatuba, cujo objetivo é avaliar seu potencial geoturístico e, ao mesmo tempo, analisar os danos ambientais nessas trilhas. Optou-se pela trilha da cachoeira da Agua Branca,cujas características que as diferenciam das demais, são a de sua área estar quase toda situada no Parque Estadual da Serra do Mar e a de apresentar um dos mais belos pontos turísticos da região, a Cachoeira da Água Branca. Visando contribuir para a conservação desse patrimônio natural, composto por elementos bióticos, que integram a biodiversidade, e elementos abióticos, que compõem a geodiversidade, como exemplo, os aspectos geológicos, geomorfológicos e pedológicos, o geoturismo assume importância ímpar. Conhecido como um novo segmento do turismo de base natural, o geoturismo surge na década de 90, com Hose (1995), como resultado da necessidade de valorização (conhecimento da geologia e geomorfologia de um sítio) e conservação desse sítio (Hose, 2000). Autores que realizaram estudos nessa perspectiva, como Sharples (2002), Gray (2004) e Brilha (2005), evidenciam a necessidade de valorização, divulgação e conservação do patrimônio natural e se tornaram referências quanto ao trinômio geodiversidade, geoconservação e geoturismo. No Brasil, trabalhos como os de Moreira (2008), Moreira e Bigarella (2008), Mansur (2009 e 2010) mostram que é possível articular os diferentes usos, como lazer, educação e científico em patrimônios naturais, e fomentar o seu desenvolvimento sustentável. Dessa forma, o geoturismo pode se tornar um segmento promissor da atividade turística na região, e objetiva-se com esse trabalho avaliar o potencial geoturístico da trilha Água Branca, a partir da caracterização da sua geodiversidade, que juntamente com os dados de solos, poderão colaborar para a sua geoconservação.

Material e métodos

Os procedimentos metodológicos utilizados foram trabalho de campo, laboratório e gabinete. A etapa empregada no processo de avaliação do potencial geoturístico envolveu a inventariação, que conforme Brilha (2005) consiste no conhecimento geomorfológico/geológico da área por parte do avaliador, além de apoio no levantamento bibliográfico e fotográfico e trabalho de campo. Destacando os solos como um indicador de áreas degradadas e não degradadas ao longo da trilha, foram realizadas coletas (em anel volumétrico e deformada), em quatro pontos (4 em taludes (TA) e 4 em trilhas (TR): TA10/TR10; TA11/TR11; TA12/TR12; TA13/TR13). Durante as coletas, ao longo da trilha (feita no leito e no talude contíguo à trilha), foi feito o georreferenciamento dos pontos de coleta, com o uso do GPS Garmin, bem como em cada ponto foi feita a medida da largura da trilha e determinada a declividade da trilha e do talude, com o uso da bússola de geólogo Brunton, além do registro fotográfico. Essas são mensurações fundamentais para se compreender o grau de degradação das trilhas, em conjunto com as propriedades dos solos. As descrições das características geológicas, geomorfológicas e pedológicas também foram feitas ao longo da trilha, pois são fundamentais para o reconhecimento do seu potencial geoturístico. Também foi avaliada a acessibilidade ao turista, pois as áreas com potencial para a prática do geoturismo devem possibilitar serviços e infraestrutura, bem como o grau de conservação da trilha e entorno. O mapa de localização da trilha foi feito com o software ArGIS 10, utilizando cartas topográficas de Caraguatatuba, Ilha Anchieta e Natividade da Serra, IBGE 1:50.000. As amostras foram analisadas no Laboratório de Geomorfologia da UFRJ, utilizando metodologia da EMBRAPA (2011) com a determinação de: densidade aparente, densidade real, porosidade, pH e textura. A análise das trilhas tem papel importante para se entender o processo de degradação das mesmas, a partir dos parâmetros avaliados, bem como dos levantamentos feitos em campo e através dos mapeamentos.

Resultado e discussão

A trilha Cachoeira da Água Branca possui 4,8 km de extensão (Fig. 1), inicia-se a 70 m de altitude e termina a 544m. O início da trilha começa no bairro Sertão da Quina, e seu acesso tem inúmeras entradas. É marcada por algumas obstruções como árvores, galhos caídos, e em alguns trechos é necessário descer por vertentes escorregadias para subir a encosta oposta e alcançar a trilha mais a frente; também é cortada por inúmeros canais de 1ª ordem. Ao longo do seu percurso encontra-se serapilheira, formada por restos de vegetação como folhas, arbustos em diversos estágios de decomposição o que contribui para que a trilha se torne escorregadia. À medida que se vai subindo aparecem muitas árvores altas, com troncos grossos e espécies centenárias. Seu percurso encontra-se paralelo ao rio principal, rio Maranduba, e nele pode se observar vales simétricos e assimétricos nas vertentes dos vales fluviais, resultado das diferentes litologias (charnoquito verde e rochas graníticas de estrutura variada). Ao final da trilha, avista-se a cachoeira Água Branca, numa sequência de quedas que ultrapassam 100 m de desnível, cuja litologia trata-se do granito verde de Ubatuba, também denominada de rochas granulíticas. Dada as características geológica/geomorfológica e beleza ímpar dessa queda e notável valor do ponto de vista científico, turístico e didático, pode-se denominá-la de geomorfossítio. As características dos pontos coletados para a declividade foram: talude e trilha, ponto 10 (20 graus e 6 graus), ponto 11 (58 graus e 8 graus), ponto 12 (40 graus e 9 graus) e ponto 13 (60 graus e 12 graus). A largura das trilhas dos pontos 10, 11, 12 e 13 foi 0,90 m, 0,60 m, 0,90 m e 0,75 m, respectivamente; e ao longo da trilha, a máxima foi de 1,20 m, e a mínima 0,40 m. No que diz respeito ao risco de erosão na trilha analisada, levando-se em conta as propriedades dos solos, estas denotam que a textura das oito amostras coletadas, tanto no leito da trilha (TR), como no talude contíguo (TA), predomina frações arenosas, variando entre 38% e 62%, enquanto os totais de silte variam entre 14% e 35% e argila entre 8% e 23% (Figs. 2a e 2b). Isso significa que a classificação textural aponta para solos franco e franco-arenosos, que indica possuírem alta erodibilidade (Fullen e Catt, 2004; Morgan, 2005; Goudie e Boardman, 2010; Guerra, 2010; Jorge e Guerra, 2013). Os solos encontrados corroboram para essas informações, Neossolos Litólicos e Cambissolos, caracterizados como solos rasos, com presença de rocha e declive acentuado, onde geralmente a soma dos horizontes sobre a rocha não ultrapassa 50 cm. Em certos trechos da trilha, com largura entre 0,40 e 0,50 m, notou-se a presença de erosão e solapamento da margem.Como se trata de uma trilha de difícil acesso, com trechos que chegam a ter 60 graus de declividade e largura variando de 0,4 m a 1,2 m, isso faz com que haja fluxo pequeno de turistas, proporcionando médias densidades aparentes, tanto nas amostras coletadas no talude, como naquelas coletadas no leito da trilha (1,12 a 1,27 g/cm3). Esses dados fazem com que a porosidade tenha dado entre 49% e 54%, considerados valores que facilitam a infiltração das águas (Fig. 2c). O pH foi muito baixo para todas as amostras analisadas, variando entre 3,52 e 3,92, o que significa que existe lixiviação nos solos analisados (Fig. 2d). Todos os resultados aqui apresentados são valores médios, correspondentes a três amostras coletadas em cada ponto. Os inúmeros canais de 1ª ordem que cortam a trilha fazem com que possa ocorrer um potencial maior de erosão, em função da drenagem desses canais, em especial nos períodos chuvosos, isso sem contar os canais de regime torrencial, que só ocorrem durante as chuvas. A presença de serapilheira faz com que diminua a densidade aparente, bem como aumente a porosidade, facilitando a infiltração de água nos solos. Resumindo,as características dos solos e do meio físico aqui abordado podem ser acentuadas por um aumento de turistas na área, o que certamente aumentará a densidade aparente, devido ao maior pisoteio das trilhas, fazendo com que haja diminuição da porosidade e, consequentemente, aumento do escoamento superficial, podendo aumentar os riscos de erosão nas trilhas.

Figura 1

Mapa de localização da trilha Água Branca – Ubatuba – São Paulo

Figura 2

Propriedades dos solos dos pontos coletados

Conclusões

Os dados obtidos sobre a trilha da cachoeira da Água Branca permitem chamar atenção para a importância do potencial geoturístico do seu entorno, a riqueza da geodiversidade representada pelas quedas d’água e a riqueza da biodiversidade, com muitos exemplares de fauna e flora, algumas endêmicas da mata atlântica. Também para a fragilidade que apresenta, dada às propriedades naturais, pois as características geológicas, geomorfológicas e pedológicas mostraram a fragilidade ambiental a qual a trilha está submetida, pois mesmo com pouco uso, alguns trechos possuem algum grau de erosão. Dessa forma, para explorar as potencialidades geoturísticas com menor impacto ao meio, é necessário que a trilha situada no Parque Estadual da Serra do Mar, seja inserida num projeto de planejamento turístico, que en¬volva o poder público, a comunidade local e os turistas. Bem como é necessário inserir medidas estruturais na trilha, como placas de sinalização, material de apoio e orientação aos visitantes.

Agradecimentos

Ao CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-. A PROMATA (Associação de Moradores para a Preservação e Recuperação da Mata Atlântica de Ubatuba).

Referências

BRILHA, J.B.R.(2005). Patrimônio geológico e geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente geológica. Braga: Palimage, 190 p. Disponível em:<http://www.dct.uminho.pt/docentes/pdfs/jb_livro.pdf> Acesso em: junho de 2014.

EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2011). Manual de Métodos de Análise de Solo. Ministério da Agricultura e do Abastecimento, Rio de Janeiro, 230p.

GRAY, M. (2004). Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. England: J.Wiley. 434p.

FULLEN, M.A.; CATT, J.A. (2004). Soil management – problems and solutions. Oxford, Oxford University Press.

GOUDIE, A.S.; BOARDMAN, J. (2010). Soil erosion. In: Geomorphological Hazards and Disaster Prevention (orgs. I. Alcántara-Ayala ; A.S. Goudie), pp. 177-188, Cambridge University Press, Cambridge

GUERRA, A.J.T. (2010). O início do processo erosivo. In: GUERRA, A.J.T., SILVA, A.S. e BOTELHO, R.G.M. (orgs.). Erosão e conservação dos solos - conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 5ª edição, 15-55.

JORGE, M. C. O.; GUERRA, A. J. T (2013). Erosão dos solos e Movimentos de massa-Recuperação de áreas degradadas com técnicas de bioengenharia e prevenção de acidentes. In: GUERRA, A.J.T. e JORGE, M.C.O. (orgs.). Processos Erosivos e Recuperação de Áreas Degradadas. Editora: Oficina de Textos. São Paulo, 7-30.


HOSE, T.A. (1995). Selling the Story of Britain´s Stone. Environmental Interpretation, 2: 16-17.

HOSE, T.A. (2000). European Geotourism – Geological Interpretation and Geoconservation Promotion for Tourists. In: BARETTINO, D; WIMBLEDON, W.A.P. & GALLEGO, E. (coords.). Geological Heritage: Its Conservation and Management, Madrid, 127 – 146.

MANSUR, K.L. (2009).Projetos educacionais para a popularização das geociências e para a geoconservação. Geologia USP, Publicação especial, n.5, 63-74.

MANSUR, K.L. (2010).Diretrizes para a geoconservação do patrimônio geológico do estado do Rio de Janeiro: o caso do domínio tectônico Cabo Frio. Rio de Janeiro, 214 p. Tese (Doutorado em Geologia)- Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

MOREIRA, J. C. (2008). Patrimônio geológico em Unidades de Conservação: atividades interpretativas, educativas e geoturísticas .Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

MOREIRA, J.C.; BIGARELLA, J.J. (2008). Interpretação ambiental e Geoturismo em Fernando de Noronha. In: Castilho, C. J. M; Viegas, J. M. (orgs.). Turismo e Práticas Socioespaciais: Múltiplas abordagens e Interdisciplinaridades. Ed. Universitária da UFPE. Recife, 171-192.

MORGAN, R.P.C. (2005). Soil erosion and conservation. Oxford, Blackwell.

SHARPLES, C (2002). Concepts principles of geoconservation. Tasmanian: Parks & wildlife service website. Disponível em: <http://dpipwe.tas.gov.au/conservation/geoconservation/about-geoconservation>. Acesso em: junho de 2014.


APOIO
CAPES UEA UA UFRR GFA UGB