ETNOGEOMORFOLOGIA SERTANEJA: ESTUDO APLICADO AO SÍTIO SOZINHO, PORTEIRAS/CE

Autores

Sampaio, J.M. (UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI - URCA) ; Ribeiro, S.C. (UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI - URCA)

Resumo

O presente trabalho faz uma análise dos saberes etnogeomorfológicos da comunidade rural do sítio Sozinho, Porteiras/CE, no tocante a como percebem, classificam/nomeiam os processos morfogênicos da superfície terrestre e suas formas correlatas, e como usam estes saberes no manejo dos solos. A metodologia baseou-se na produção de perfil topográfico e entrevista com os agricultores. Constatou-se que a etnogeomorfologia pode ter um importante papel no ordenamento ambiental do semiárido.

Palavras chaves

Etnogeomorfologia;; produtores rurais;; ordenamento ambiental.

Introdução

A Etnogeomorfologia agrega os conhecimentos tradicionais sobre os processos geomorfológicos, uso e manejo do relevo, levando em consideração como esses conhecimentos foram construídos através da cultura e do pertencimento do lugar (RIBEIRO, 2012). O seguinte trabalho propõe uma compreensão acerca dos conhecimentos etnogeomorfológicos da comunidade rural do sítio Sozinho, em Porteiras/CE, de como percebem, classificam e nomeiam os processos morfogênicos da superfície terrestre e suas formas correlatas, e como usam este conhecimento nas suas práticas rurais. A Etnociência (DIEGUES, 1996), foi associada aos estudos geomorfológicos por Ribeiro (2012), surgindo a Etnogeomorfologia, conceituada como: “(...) ciência híbrida, que estuda o conhecimento que uma comunidade tem acerca dos processos geomorfológicos, levando em consideração os saberes sobre a natureza e os valores da cultura e da tradição locais, sendo a base antropológica da utilização das formas de relevo por dada cultura” (p. 49- 50). Toledo & Barrera-Bassols (2009) completam Ribeiro (2012) quando afirmam que o produtor tradicional tem um conhecimento detalhado da natureza, suas relações, processos e utilidades. “(...) na mente do produtor tradicional existe um detalhado catálogo de conhecimento acerca da estrutura ou dos elementos da natureza, as relações (...), (...) processos e dinâmicas e seu potencial utilitário” (p. 36). O intuito seria trazer para a realidade local, contribuições dos saberes de quem vive de perto as limitações do ambiente, aos saberes técnicos, para juntos viabilizarem melhorias de vida, como afirma Ribeiro et al (2012, p. 410): “(...) a compreensão do conhecimento tradicional que as populações sertanejas têm sobre o meio ambiente vem sendo visto como (...) crucial para o potencial sucesso ou fracasso de qualquer tipo de desenvolvimento baseado nestas atividades, pois pode ser considerada como ponto de partida para uma parceria mais efetiva entre produtores rurais e técnicos agrícolas.

Material e métodos

Inicialmente foi feita uma análise de materiais bibliográficos com leituras relacionadas à Etnociência, Etnogeomorfologia e Geografia Física. Em seguida foi elaborado o levantamento geoambiental (geologia, geomorfologia, pedologia, clima, vegetação, uso e ocupação do solo) da área de pesquisa. Mapas e cartas preexistentes foram explorados, e materiais cartográficos digitais com dados SRTM de Miranda (2005), IBGE, 2010 e FUNCEME (2006) foram produzidos e tratados no SIG ArcGis e outros no SIG QGis 2.0. Um roteiro de entrevistas foi elaborado e em seguida aplicado aos produtores rurais do sítio Sozinho. No total foram entrevistadas oito pessoas, onde duas eram mulheres e seis eram homens, com idades de 21 a 75 anos, sendo todos praticantes da agricultura de subsistência e a grande maioria - menos uma das mulheres - começaram a trabalhar na “roça” ainda na infância, aprendendo as técnicas agrícolas com os próprios pais. A partir das entrevistas coletadas foi feita uma análise comparativa entre os saberes etnogeomorfológicos com conceitos científicos, em especial da área da Geografia Física. Depois de feito o perfil topográfico do município - produzido a partir das imagens SRTM no software Global Mapper – ferramenta 3D Path Profile/Line of Sight Tool - os dados coletados nas entrevistas sobre a classificação da paisagem etnogeomorfológica foram analisados e identificados como consta mais adiante, onde foi considerado a quantidade de vezes aos quais foram citadas.

Resultado e discussão

O sítio Sozinho (figura 1) localiza-se na cidade de Porteiras, sul cearense, situado a 7º 32’ 05” de latitude S e 39º 07’ 06” longitude W. Possui cerca de 15.108 habitantes, distribuídos em uma área de 217,580 km² (IBGE, 2013; IPECE, 2012) na encosta da Chapada do Araripe. Apresenta uma litologia constituída principalmente de arenitos, siltitos, margas, folhelhos e gipsita. O local é caracterizado por relevos de ondulados a aplainados, esculpidos por processos de pediplanação. As altimetrias podem variar de 550m a 850m, ou seja, média e alta altimetrias respectivamente Os solos existentes são dos tipos Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico e Neossolo Litólico eutrófico (SAMPAIO; RIBEIRO, 2013), sendo o clima Quente Semiárido Brando (IPECE, 2012). As vegetações predominantes são a Caatinga Arbóreo-arbustiva, a Mata Úmida e a Mata Seca, e as principais atividades realizadas são a agropecuária e o agroextrativismo (SAMPAIO; RIBEIRO, 2013). A paisagem geomorfológica local foi classificada pelos produtores rurais em três unidades: “altos” (relevos de maior altitude), “baixos” ou “baxi” (pequenas planícies) e “lombo, descidas ou ladeiras” (área mais íngreme, como a escarpa da chapada do Araripe), que podem ser identificadas na Figura 2. Sobre os processos geomórficos, os agricultores entendem que a erosão pluvial é responsável muitas vezes pelas perdas de solo, sendo mais ativos em áreas de encostas ou escarpas, ou como eles dizem em áreas de “lombo”, “descida” ou “ladeira”. Denominam de “grotas” tanto as voçorocas como as ravinas, podendo variar de “grota grande” e “grota pequena” respectivamente, e “valeta” também para as ravinas. Os movimentos de massa lentos e rápidos são denominados respectivamente de “terra querendo correr ou quebrando” e “terra correndo ou corrida”, mostrando que eles têm a noção que esses são processos contínuos como concordam Sampaio; Lopes; Ribeiro (2014, p. 03) em trabalho realizado no mesmo município: “Essa denominação local, constituída por um verbo no infinitivo exprime a ideia de ação, de um processo em andamento como de fato é, já que as microrravinas representam uma fase inicial do processo erosivo”. Para os agricultores, um dos motivos da ocorrência dos movimentos de massa, acrescentando a erosão pluvial, é a retirada da cobertura vegetal, pois como afirma um dos entrevistados: “tem que deixar a terra coberta, porque tirando as árvore, se desabar, a terra dá prejuízo”. Esse depoimento exemplifica o processo de ação das águas sob um solo desnudo e indiretamente a contribuição da folhagem na diminuição do impacto da gota de chuva no solo, que com o tempo pode vir a provocar erosões, bem como Filizola (2012, p. 76) explica: “O solo sob mata está protegido da ação das águas correntes e do vento, mas, quando a vegetação é retirada, o solo fica exposto e os processos erosivos começam a atuar de maneira mais ativa. Ao cair sobre solo descoberto, a chuva provoca a desagregação de suas partículas, por causa do impacto causado pelas gotas." Alguns processos erosivos são presentes na comunidade estudada e podem acentuar- se devido às práticas agropecuárias presentes, como as queimadas, denominadas de “broca” pelos agricultores, desmatamentos e a monocultura, práticas que segundo Rodrigues (2012) são as causas dos impactos ambientais no campo. Alguns desses problemas forçam os agricultores a aplicarem adubos químicos, agrotóxicos, ou simplesmente “veneno” como eles denominam, para melhorar a fertilidade dos solos, ou praticarem o pousio de terras, as quais eles chamam de “deixar a terra descansar” e também trocam o tipo de cultura ou apenas a semente.

Figura 1: localização da área de estudo.

Figura 1: localização da área de estudo.

Figura 2: Representação do conhecimento etnogeomorfológico dos produto

Figura 2: Representação do conhecimento etnogeomorfológico dos produtores rurais do Sítio Sozinho, Porteiras/CE em perfil topográfico do município.

Conclusões

Diante dos resultados obtidos, é visto o quanto a vivência cotidiana com o meio produtivo resulta em conhecimentos sobre o mesmo, cabendo aqui refletir o quão a experiência, a percepção e o visual influem nesse processo, até porque, os processos exógenos acontecem de forma mais rápida e visível a “olho nú” pelo homem, tanto que são objeto desses estudos segundo a ótica e compreensão do homem sertanejo. Assim, se tornaria de suma importância a utilização da compreensão destes saberes tradicionais para um diálogo mais profícuo entre técnicos e acadêmicos com os efetivos atores espaciais sertanejos – os produtores rurais -, podendo a Etnogeomorfologia constituir um importante papel no ordenamento ambiental do semiárido e preservação do meio ambiente e seus recursos.

Agradecimentos

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico/FUNCAP pelo apoio financeiro, aos agricultores do sítio Sozinho, Porteiras/CE onde se realizaram as entrevistas, e a professora Drª. Simone Cardoso Ribeiro pela orientação na pesquisa e a todos os colegas do Laboratório de Geomorfologia e Pedologia - GeoPed/URCA.

Referências

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